Tarciana Medeiros é a primeira mulher a presidir o Banco do Brasil em 215 anos de história (Leandro Fonseca)
Repórter de ESG
Publicado em 25 de abril de 2024 às 06h00.
Última atualização em 25 de abril de 2024 às 09h00.
Tarciana Medeiros é a primeira mulher a presidir o Banco do Brasil em 215 anos de história. Ela, que é administradora de empresas, com pós-graduação em marketing, liderança e gestão, fez carreira no banco nos últimos 24 anos, após trabalhar como feirante e professora. Em um ano na posição de CEO, ela alcançou marcos como um lucro líquido ajustado recorde de 35,6 bilhões de reais em 2023, um crescimento de 11,4% em relação ao ano anterior. Ao se afirmar mulher negra, lésbica e nordestina, reforçou a pauta da diversidade e da inclusão, e promoveu políticas nesse sentido.
“Em qualquer reunião com apenas homens eu levava outras mulheres, mesmo as que não tinham sido chamadas”, disse Medeiros à EXAME, em Nova York, durante um evento paralelo à 68a Comissão da Situação da Mulher (CSW), principal fórum feminino da Organização das Nações Unidas (ONU). E sempre foi assim. “Já nas primeiras funções de liderança que assumi, há 20 anos, busquei equidade e inclusão para o alcance da solução e do resultado financeiro”, afirmou.
Já na presidência, Medeiros nomeou três mulheres em posições de vice-presidência (outras cinco cadeiras são ocupadas por homens). “Fiz questão de que assumissem cadeiras improváveis para elas, mas que respeitassem o conhecimento e a técnica que acumularam em sua carreira.” Ana Cristina Rosa Garcia ocupa a vice-presidência corporativa; Carla Nesi, a de negócios e varejo; e Marisa Mattos, a de negócios digitais e tecnologia.
“Também temos o conselho de administração mais diverso do sistema financeiro brasileiro”, ressalta a presidente. Das oito cadeiras, metade é ocupada por mulheres, contemplando também a diversidade sexual e racial. “É importante institucionalizar a diversidade para que a gente não retroceda.” Das 64 pessoas aprovadas no último concurso, 27 foram chamadas para ocupar uma vaga, sendo 17 mulheres. “Não somos nós contra eles. Mas estamos trabalhando com intencionalidade para que elas conquistem mais espaços.”
Em entrevista à EXAME, Medeiros explicou detalhes de como tem trabalhado para o avanço da equidade de gênero e sobre o momento do banco e do setor financeiro.
Como questões de gênero têm influenciado as decisões no Banco do Brasil?
Separamos as ações de gênero e de inclusão em três eixos: sociedade, clientes e funcionários. Na frente de clientes, lançamos pela Fundação Banco do Brasil um edital de empoderamento econômico de mulheres negras, e prorrogamos as inscrições ao percebermos as dificuldades das mulheres de apresentar os projetos.
A partir disso, a fundação buscou mulheres interessadas e promoveu workshops para que pudessem entender como se inscrever naquele e em outros editais, assim como estruturar as entregas do projeto. Isso é importante, porque não basta lançar uma ferramenta sem que as pessoas saibam utilizá-la.
Estamos falando de 12 milhões de reais investidos em negócios de diferentes portes. Em diferentes apoios, percebemos que há projeto que com 1.000 reais a empreendedora consegue avançar, mas para outros seria preciso 150.000 reais. É nosso papel entender essas necessidades.
Para além dos editais, as políticas de crédito para as mulheres sofreram alterações?
Sim. Um exemplo é a plataforma Mulheres no Topo, criada em 8 de março de 2023, que oferece capacitação e informações para saúde e segurança. Essa plataforma tem a ambição não só de conceder crédito mas de promover a independência financeira das mulheres, algo diretamente ligado à inclusão.
Até o momento, 230.000 mulheres foram impactadas ao fazer algum treinamento, receber informação de segurança financeira ou buscar crédito. Como somos obcecados por dados, conseguimos, com a plataforma Liga PJ, perceber como elas, com o crédito, gerem suas empresas e melhoram os negócios.
No ano passado, tivemos 282.000 micro e pequenas empresas com crédito, sendo 107.000 lideradas por mulheres. Destas, 20% foram capacitadas e tomaram crédito conosco pela primeira vez porque não sabiam que podiam contar com condições diferenciadas.
Por que dar condições diferenciadas às mulheres?
Para responder a essa pergunta fomos olhar os dados e entendemos que o índice de inadimplência delas é baixo, a rotatividade de funcionários é menor, e o tempo do negócio é maior quando comparado às empresas geridas por homens. Isso nos dá clareza de que é possível mudar nosso portfólio a partir dos dados.
A ideia de competitividade feminina foi um modelo mental criado, acredito, para que a gente não se juntasse. É um viés inconsciente porque as mulheres formam outras mulheres. Por exemplo, uma das clientes em nossa campanha de empreendedorismo feminino começou a fazer doces para vender. Ela procurou outras mulheres que também faziam doces e já estão juntas há anos. A mulher empreendedora tem a capacidade de influenciar sua comunidade.
Quais outras formas de impactar as clientes mulheres para além do crédito?
Temos olhado para diferentes práticas, desde o acolhimento das mulheres que nos reportam violência ao nos mostrar um “X” na mão até a participação ativa no Relatório da Agenda Transversal Mulheres, que reúne programas, objetivos específicos, entregas e metas do governo para o avanço das políticas públicas para mulheres no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027. É a primeira vez que temos diretrizes específicas para as necessidades das mulheres com o envolvimento de todos os ministérios.
Em relação aos produtos, posso citar o Educa+ Mulher. A intenção é que elas façam seu primeiro investimento, com foco no título de renda fixa Tesouro Educa+, a partir de 35 reais, de forma a ter um seguro caso ocorra a perda inesperada da responsável financeira, o que pode comprometer os estudos dela ou dos filhos. Já temos 1.800 investidoras desde janeiro.
Muitos dos produtos são recentes. Quais ações internas foram feitas para uma mudança de cultura que considere a inclusão?
É um trabalho de evolução da cultura, na verdade. Desde o dia em que tomei posse falei que íamos viver a diversidade na prática. Em março do ano passado, chamei de Dia da Diversidade o Dia da Mulher e lançamos o grupo de trabalho de diversidade.
O primeiro ponto foi o respeito a todas as pessoas. A partir dali começamos um trabalho de andar pelo país e conhecer grupos que já estavam “auto-organizados” em temas como diversidade racial, gênero, neurodivergência, pessoa com deficiência e LGBTQIA+. Ouvimos as pautas de todo mundo e entendemos onde poderíamos atuar em conjunto.
Fomos juntando os funcionários de cada estado para trabalhar as pautas locais mais urgentes. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul percebemos uma questão de gênero, com uma dificuldade das colegas de se colocar e poucas mulheres em lugar de liderança. Quando a gente foi para Bahia a pauta foi raça. Em Manaus, foi LGBTQIA+ e, durante o evento, um colega levantou aos prantos e disse: “Eu me sinto em paz. Meu nome não é fulana, eu sou fulano, e percebi que eu não sabia, mas a empresa me respeita”. Notei que as pessoas já tratavam dos temas, mas não entre elas. Ao todo, percorremos 18 estados, juntando outros próximos quando necessário, e sempre parando toda a operação daquela região por um dia para darmos a devida importância.
Como foi a aceitação da prática?
Recebemos feedbacks melhores do que eu esperava. Assim como a transformação está mais acelerada do que eu previa. Acredito que o bom resultado vem do processo de acolhimento e respeito a todos, estimulando o aprendizado sem constrangimentos.
Além de temas como gênero e raça, o Banco do Brasil adere à pauta de salário digno. Como isso acontece?
Somos signatários do Pacto Global da ONU — Rede Brasil em três movimentos: elas lideram, raça é prioridade e salário digno. Neste último, o que estamos fazendo é olhar com cuidado se fornecedores não estão pagando para as mulheres menos do que deveriam a partir do estipulado em acordo coletivo. Por exemplo, se um vigilante homem não recebe mais do que a mulher na mesma função.
Ou ainda se homens e mulheres exercem o mesmo trabalho, mas têm denominações diferentes em registro, de modo que elas ganhem menos. Um processo que vamos implementar é a pesquisa com os funcionários para entender se elas estão nas funções para as quais foram contratadas. Como elas prestam serviços dentro das nossas unidades, fica fácil buscar as informações, mas tudo isso pensando em sigilo e proteção.
Como os fornecedores são envolvidos na jornada de equidade?
Temos cláusulas de inclusão e diversidade para os fornecedores. Então, no momento em que eu faço um edital, pela lei das estatais tenho de tratar preço e técnica, mas há outros requisitos que podemos exigir e que historicamente não exigíamos, como inclusão feminina, LGBTQIA+, racial e de pessoa com deficiência. Assim, no momento da seleção, apenas as empresas que apresentam essas condições podem participar do processo.
Qual é a importância de apresentar as práticas do Banco do Brasil e ouvir as de outros países e instituições na CSW?
Temos percebido que há muitos temas convergentes com o que acontece no Brasil, como a inclusão de mulheres no mercado financeiro como pauta também nos Estados Unidos. Já quando olhamos para países da África, há mais distância nas políticas públicas, mas podemos contribuir mostrando como avançamos no último ano. Não só como instituição financeira, mas o governo como um todo tem sido afirmativo, e podemos contribuir com as pautas.
Trazendo a pauta para os temas econômicos, a queda da Selic ainda não chegou às linhas de crédito. O que tem impedido que essa redução chegue ao consumidor?
Além da Selic, a definição de nossas taxas considera diversas variáveis, como curva de juros futuros, comportamento do cliente, do mercado e as características individuais de cada operação. Monitoramos e avaliamos permanentemente os diversos fundamentos do mercado e a concorrência, sempre no propósito de estabelecer a política de preços em condições competitivas e adequadas às necessidades dos clientes. E temos promovido sucessivas reduções das taxas de juro desde o início do atual ciclo de baixa da taxa Selic.
Sobre o Desenrola, programa de recuperação de crédito pelo qual o BB já renegociou mais de 20 bilhões de reais em dívidas, o banco solicitou ao governo que amplie o programa? Como a iniciativa tem impactado a carteira do BB?
O programa, que se encerraria no fim de março, foi prorrogado até o dia 20 de maio. O Desenrola tem sido uma grande oportunidade para interação com os clientes e retomada de relacionamento, por meio da renegociação. Temos obtido um resultado maior que o histórico, devido ao ambiente que o programa criou na economia do país. É um dos grandes destaques da atuação pública aliada à atuação comercial do BB, contribuindo para que milhões de brasileiros saiam da inadimplência.