Revista Exame

Lojas de eletrodomésticos sofrem o maior tombo da década

Confiança em queda, clientes sem dinheiro, aperto nos bancos — as maiores varejistas de eletrodomésticos do país vivem o pior momento em pelo menos dez anos

Loja da Casas Bahia em São Paulo: modelo em xeque no mundo (Germano Luders/Exame)

Loja da Casas Bahia em São Paulo: modelo em xeque no mundo (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 5 de fevereiro de 2016 às 04h52.

São Paulo — A Máquina de Vendas, terceira maior varejista de móveis e eletroeletrônicos do país, anunciou no início de janeiro a troca de seu presidente. Até aí, coisa da vida: em momentos de crise, é até esperado que acionistas troquem o comando, na esperança de que um chacoalhão melhore os resultados.

Mas o que está acontecendo na Máquina de Vendas é tudo, menos normal — essa, afinal, é a sexta troca de presidente em menos de dois anos. Criada em 2010, com a união da rede mineira Ricardo Eletro com a baiana Insinuante, a empresa nasceu para se tornar uma amea­ça concreta à arquilíder Via Varejo, que reúne as marcas Casas Bahia e Ponto Frio.

Mas nada — nada mesmo — saiu como o planejado e, em 2014, os sócios concluíram que a solução seria afastar Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, da presidência do grupo.

Além dos maus resultados, pesava contra ele uma condenação, em 2011, por pagar propina a um fiscal da Receita — ele foi absolvido em agosto após um recurso ser julgado. Mas, depois da troca, tudo piorou em vez de melhorar. O prejuízo aumentou, a dívida chegou perto de 1,5 bilhão de reais, e a cadeira mais quente do varejo brasileiro teve mais três trocas de presidente.

Há sete meses, a Máquina de Vendas contratou o consultor Enéas Pestana, ex-presidente do Pão de Açúcar, para dar um jeito na rede. Mas Pestana pulou fora em janeiro, e Nunes volta ao comando com a missão de evitar um cenário extremo — em que a Máquina de Vendas se prove inviável e se dissolva novamente em vários pedaços.

Nos seis anos do grupo, bancos e fornecedores dizem que a empresa só deu lucro em um ano — em 2015, perdeu estimados 80 milhões de reais. Embora bem mais dramática do que a de seus concorrentes, a situação da Máquina de Vendas retrata um setor que aproveitou como poucos a forte expansão de consumo da última década e que agora sofre como nenhum outro.

As três maiores varejistas do país — Via Varejo, Magazine Luiza e Máquina de Vendas — venderam no ano passado 6 bilhões de reais menos do que em 2014. Isso equivale, na prática, a 4 milhões de aspiradores de pó, 1,4 milhão de aparelhos de televisão, 800 000 lavadoras de roupa, 1,2 milhão de sofás e 200 000 fogões. Foi o pior ano do varejo na década, voltando aos volumes de quatro anos atrás.

A mineira Eletrosom e a capixaba Dadalto, ambas redes regionais de peso, sucumbiram às dívidas e tiveram de pedir recuperação judicial no fim do ano passado. Com a acelerada queda nas vendas, os donos da gaúcha Lojas Colombo demitiram o presidente em 2015.

A vida não está fácil para nenhum segmento do varejo, é verdade — mas a retração no segmento de móveis e eletro foi a mais severa, com queda de 14% nas vendas. Após um tombo de 84% no preço de suas ações em 12 meses, a Via Varejo vale na bolsa menos do que o dinheiro que tem em caixa. É como se as lojas e os estoques não valessem nada.

Já o Magazine Luiza tem 10% do valor de mercado da época de sua oferta de ações, em 2011 — pouco mais de 280 milhões de reais. O cenário de desemprego, inflação e inadimplência em alta seria dramático em qualquer situação — e está sendo para qualquer setor da economia que depende do mercado interno. A venda de carros, por exemplo, caiu 25% de um ano para cá.

Mas a crise pegou parte das varejistas com estruturas inchadas e no meio de uma transição de modelo de negócios: o crescimento das vendas na internet, como se sabe, é um desafio à perenidade de redes de lojas “físicas”.

Nos últimos cinco anos, as vendas de eletrodomésticos, eletrônicos e móveis aumentaram num ritmo muito mais acelerado do que a economia ou a renda — um salto de 56% nas vendas, ou 50 bilhões de reais, enquanto a economia brasileira viveu anos de pibinho.

O crédito fácil impulsionou o consumo, e as varejistas saíram comprando os concorrentes pequenos para ganhar escala, reduzir preços e despesas com ganhos de sinergia. Nesse processo, a crise pegou algumas cheias de dívidas (caso da Máquina de Vendas e do Magazine Luiza), outras com estoques cheios e dificuldade de gestão das marcas sob o mesmo grupo (caso da Via Varejo). 

Quando o crédito crescia, as vendas de bens duráveis subiam muito mais do que as de outros segmentos do comércio. Quando o crédito seca, acontece o inverso. E, na atual situação brasileira, ninguém consegue imaginar quando o financiamento voltará aos padrões anteriores. O jeito, então, tem sido reduzir preços, cortar custos e repensar a cara das lojas.

A Via Varejo apertou a negociação com fornecedores graças à escala da rede e às dificuldades de pagamento de varejistas menores — em algumas categorias de eletrodomésticos, o preço nas lojas caiu 10%.

Também aumentou, em áreas que considera mais importantes, o volume de produtos e serviços — a rede abriu lojas dedicadas à venda de celulares e tablets e passou a vender planos pós-pagos (antes só vendia os pré-pagos) e começou a fazer móveis planejados.

No fim do ano, o Magazine Luiza contratou a consultoria McKinsey para identificar — cidade a cidade, bairro a bairro — a participação de mercado potencial da rede e aumentar ou diminuir o número de lojas em cada região. Fechou contrato com a financeira Losango para dar crédito aos clientes de maior risco, que estavam sendo vetados por sua financeira, a Luizacred.

Nos últimos dois anos, a rede foi agressiva em publicidade e marketing, com o patrocínio na transmissão da Copa do Mundo, em 2014, e do Campeonato Brasileiro de Futebol, em 2015 (mas não vai repetir a estratégia neste ano). Como todos sabem que a crise não vai embora tão cedo, está em curso uma batalha para ganhar eficiência.

A Via Varejo fechou 31 lojas no ano passado, converteu bandeiras do Ponto Frio em Casas Bahia (que vende mais) e demitiu mais de 11 000 funcionários, 15% do total. Na Máquina de Vendas, o sistema de negociação com fornecedores só tinha sido unificado para as redes Ricardo Eletro e Insinuante, e em janeiro, as outras três redes estão sendo integradas para que o grupo — finalmente — tenha ganhos de escala.

O estoque foi reduzido de 70 para 55 dias. O Magazine Luiza contratou a consultoria Galeazzi para reduzir despesas a partir deste ano — está renegociando mais de 300 contratos de aluguel de lojas e centros de distribuição. Também deve transformar mais de 2 000 funcionários que trabalham no caixa em vendedores.

“Não há corte de custos que compense uma queda de vendas de 10%. Por isso trabalhamos para ganhar eficiência e mercado”, diz Frederico Trajano, presidente do Magazine Luiza.

No fim do ano, o Magazine antecipou a negociação com a seguradora Cardiff para a venda de seguros nas lojas, recebendo um pagamento de 330 milhões de reais — assim diminui o endividamento, que vinha pressionando as ações em bolsa. Também para aliviar a pressão de caixa a Máquina de Vendas contratou a assessoria financeira G5 e quer emitir debêntures até maio.

Pressão na líder

Nesse cenário, nenhuma rede tem sido mais cobrada do que a Via Varejo. A empresa, afinal, é líder e, além disso, sua dívida é menor do que a quantidade de dinheiro que tem em caixa. A empresa poderia aproveitar a crise para deixar as concorrentes ainda mais para trás. Mas não é o que está acontecendo.

Em dois anos, sua participação de mercado foi de 30% para 31%, segundo a consultoria Euromonitor, enquanto a do Magazine Luiza aumentou de 8% para 11%. A Via Varejo sofre por um vaivém de gestão. Nos últimos dois anos e meio, a empresa teve pelo menos sete trocas em postos estratégicos, como presidência e diretoria financeira.

Também ficou mais acanhada na estratégia de marketing, cedendo espaço para a concorrência. O ex-dono da Casas Bahia e hoje acionista da Via Varejo (com 27% de participação), Michael Klein, tem reclamado.

Para ele, a rede deveria aproveitar o poder de barganha para espremer fornecedores e baixar preços ainda mais, aumentar a publicidade e ter uma diretoria mais próxima do dia a dia das lojas — que, segundo tem dito a amigos, estão com vendedores desanimados e até iluminação pouco atraente.

Por e-mail, a Via Varejo disse que as medidas tomadas já começaram a fazer efeito e, “no quarto trimestre, verificou uma tendência de retomada de participação de mercado.” Os resultados serão divulgados em fevereiro. Klein e a Máquina de Vendas não deram entrevista.
A crise pode ter um efeito benéfico: forçar as varejistas brasileiras a antecipar mudanças necessárias.

As companhias já começaram suas iniciativas na internet, mas que ainda são consideradas tímidas. “Com o mercado em franca expansão, as lojas pouco mudaram em 20 anos. Agora a dependência do crédito e o crescimento da internet se tornam problemas agudos”, diz Eugênio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria de varejo.

Na Via Varejo, por exemplo, os clientes podem comprar pela internet e retirar o produto em qualquer loja da rede — assim podem conferi-lo e economizar o tempo de entrega em casa.

O problema é que a venda online fica a cargo de outra empresa, a Cnova, da qual a Via Varejo é apenas acionista minoritária e o Grupo Pão de Açúcar, que controla ambas, tem participação acionária maior — o que já gerou reclamações dos minoritários da Via Varejo, que julgaram estar sendo prejudicados pelos preços baixos da Cnova.

As vendas pela internet respondem por 22% do faturamento do Magazine Luiza e a empresa vai abrir neste ano seu site para que milhares de pequenos varejistas ofereçam seus produtos. A meta de Trajano é disponibilizar 500 000 itens em dois anos, dez vezes o volume atual. A Máquina de Vendas também começou a fechar parcerias com outras lojas para venda em seu site, o que também é feito pela Cnova.

No mundo todo, varejistas tradicionais estão sendo obrigadas a repensar seus negócios. A Circuit City, que chegou a ser a maior rede de eletrônicos dos Estados Unidos, foi à falência em 2009, quando fracassou na tentativa de encontrar um sócio investidor. A Radio Shack quebrou no ano passado, com mais de 4 000 lojas e tradição de 94 anos no varejo americano.

As francesas Duty e Fnac, maiores redes de eletrônicos do país, anunciaram uma fusão em novembro para ganhar escala e negociar preços melhores com fornecedores. A americana Best Buy encolheu até encontrar um caminho que, por enquanto, está trazendo os clientes de volta — a prestação de serviços nas lojas.

A Best Buy virou especialista em automatização de casas e seus vendedores passam boa parte do tempo ensinando o consumidor a usar o que comprou. Lá, sobreviver à base do “quer pagar quanto” é coisa do passado. Logo será assim aqui também.

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