Revista Exame

Livro reúne conselhos dos maiores investidores brasileiros

EXAME publica, com exclusividade, trechos do livro Fora da Curva, que reúne as histórias e os conselhos de alguns dos maiores investidores brasileiros

Sede da BM&FBovespa: é possível aprender a investir? (Germano Luders/Exame)

Sede da BM&FBovespa: é possível aprender a investir? (Germano Luders/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 05h56.

Última atualização em 9 de dezembro de 2016 às 17h13.

São Paulo — O mercado de livros no Brasil foi inundado, nas últimas duas décadas, por obras sobre planejamento financeiro e investimentos, um reflexo da estabilização da economia. Perfis de investidores e explicações de conceitos básicos, como juros compostos e ação blue chip, encheram as livrarias. Faltava, porém, um livro em que grandes investidores brasileiros contassem como pensam e investem.

Essa lacuna está sendo preenchida agora com "Fora da Curva — Os Segredos dos Grandes Investidores do Brasil e o Que Você Pode Aprender com Eles". O prefácio é de Jorge Paulo Lemann, o maior empresário do Brasil. Os entrevistados parecem ter saído de uma lista da seleção brasileira de investidores.

Estão lá Luis Stuhlberger, sócio da gestora Verde, cujo fundo rendeu 12 000% desde 1997; André Jakurski, dono da gestora JGP e um dos fundadores do banco Pactual; e Zeca Magalhães, sócio da gestora Tarpon. No total, são dez nomes. Em Fora da Curva, eles contam suas histórias, abrem o jogo sobre seus erros e dão conselhos práticos.

A ideia do livro surgiu depois do curso Grandes Investidores, organizado pelo gestor de fundos Florian Bartunek e pelo advogado Pierre Moreau no centro cultural Casa do Saber, de São Paulo, em 2012. Nove dos dez presentes na obra deram palestras no curso.

Decididos a registrar as lições expostas no curso e descobrir outras novas, Bartunek e Moreau convidaram a jornalista Giuliana Napolitano para entrevistar os envolvidos. Com 15 anos de ex­pe­riên­cia, dos quais sete como editora de ­EXAME, Giuliana é uma das melhores jornalistas de finanças do país. Da concepção à execução, o livro é fora da curva na literatura brasileira sobre o assunto. Leia alguns trechos a seguir.

Jorge Paulo Lemann - Sócio da cervejaria AB InBev e do fundo 3G Capital, controlador da empresa de alimentos KraftHeinz

“Sempre acreditei que o bom investidor não é o que foge do risco, mas o que sabe arriscar na hora certa. Risco é parte da vida. Quem não corre riscos não faz nada. Corri alguns riscos grandes, mas sempre com algum ‘treino’ antes. Meu conselho para quem está começando é investir no que conhece melhor, aos poucos, e ir aumentando a exposição ao risco à medida que for ganhando experiência.

Tomaria cuidado para não ficar confiante demais, o que pode levar a grandes erros. Essa lógica também vale para uma partida de tênis: é preciso ter sensibilidade para o momento de arriscar nos pontos, sempre com base naquilo que já foi praticado antes. O investimento feito na Lojas Americanas na década de 80 foi um bom exemplo de risco controlado.

Tínhamos uma corretora, a Garantia, e apareceu a oportunidade de comprar a Lojas Americanas, uma empresa que não tinha controlador definido. Não conhecíamos direito o varejo e, portanto, havia o risco de não entender o setor em que estávamos investindo. Mas a segurança era que havia muito valor nos imóveis da companhia: eles valiam, ao todo, quatro vezes mais do que o controle na bolsa.

Acabamos comprando 70% das ações da empresa no mercado. Corremos risco, trabalhamos duro e recuperamos todo o investimento em dois anos. Outro investimento que vale citar foi a compra da cervejaria americana Anheuser-Busch em 2008. ­Fizemos nossa maior aquisição até aquele momento no meio da maior crise econômica das últimas décadas nos Estados Unidos.

A confiança na capacidade de execução da equipe e na nossa experiência anterior em aquisições — havíamos adquirido e integrado as cervejarias Antarctica, Brahma e Interbrew, por exemplo — nos deu confiança para correr o risco e fazer algo grande. Sempre acreditei também em atrair gente boa. Gente boa atrai mais gente boa, e trabalhando com gente boa se vai mais longe.

Caso possa cercar-se de outros investidores para aprender junto, melhor. Acredito ainda na importância da postura de dono. Seja ‘dono’ de seus investimentos. Leia, informe-se, pesquise, gaste sola de sapato visitando as empresas e tome decisões baseadas no que acredita. Dicas e fofocas só atrapalham. Não há atalhos para o sucesso. Quanto mais se dedicar, maior a chance de ganhar.

Outro ponto importante é ter foco. Pensar de maneira simples, sem muita complicação, é melhor do que ficar olhando coisas demais. Hoje, há muitas informações por aí, com internet, redes sociais etc. Recomendo que os jovens descubram algo por que tenham paixão, persigam isso e treinem duro. Só consegui realizar coisas quando dei a devida atenção a elas. O que não recebeu tanta atenção acabou não dando certo.

Uma ou outra es­tratégia podem não funcionar. É melhor aprender com os erros dos outros, mas, se não for possível, é im­portante fazer uma análise para entender o que não funcionou e por quais motivos. Vale a pena observar o que outros investidores de sucesso fizeram e, com adaptações, criar o próprio estilo. Por isso acredito que este livro, que traz as experiências de investidores de sucesso, pode ser bastante útil.

Ouço muitas perguntas sobre a situação do país. As pessoas querem saber quais são as perspectivas. O Brasil é um país com inúmeras oportunidades. Sempre acreditei no país e, mesmo em momentos de crise, fiz excelentes investimentos.

O Brasil é um país relativamente jovem, há muito o que fazer. Estude, trabalhe duro, fique cercado de gente boa, treine e corra riscos. Se, com seu sucesso, puder impactar outras pessoas e retornar para a sociedade, é ainda melhor. O Brasil precisa de gente querendo investir e fazer acontecer.”

Luiz Stuhlberger - Sócio da gestora Verde, cujo fundo multimercado é o mais rentável do Brasil há quase 20 anos

“Resolvi que meu primeiro fundo se chamaria Verde por três razões. Uma delas é por causa das commodities. Comecei nessa área e o fundo aplicava parte do patrimônio em contratos de café, que davam um retorno interessante. Outra tem a ver com o dólar, cujas notas são verdes.

Em 1997, 1 dólar valia 1 real e, como acreditava que essa paridade não duraria muito tempo, queria acertar o momento da desvalorização e gerar retornos para o fundo fazendo isso. O terceiro motivo é que sou palmeirense. Na época, o Palmeiras era patrocinado pela Parmalat e tinha um time fenomenal. Juntando tudo isso, Verde era o nome perfeito.

O fundo Verde é um multimercado desde o início. Seu ponto neutro teórico é investir um terço em ações e dois terços em renda fixa. No exterior, fundos como o Verde investem mais em ações, porque os juros são baixos. Mas no Brasil, como os juros são elevados — e, em 1997, achei que continuariam assim por um bom tempo —, resolvi dar um peso maior para a renda fixa.

Em geral, oscilamos entre um mínimo de 20% e um máximo de 50% do patrimônio do fundo aplicado em ações. A média dá cerca de 32%. Para ficar em torno desse percentual, sou obrigado a comprar quando a bolsa cai — caso contrário, a parcela de ações no fundo ficará muito baixa. Pela mesma lógica, sou obrigado a vender quando a bolsa sobe.

O fundo também aplica em papéis de renda fixa, contratos futuros e moedas de diferentes países. Basicamente, operamos o mundo. A primeira crise que o Verde atravessou foi a da Ásia, em outubro de 1997, que quebrou muita gente no Brasil. Eu e minha equipe apostamos que os juros subiriam aqui, e isso acabou acontecendo.

As taxas foram de 19% para 40% ao ano e ganhamos uns 3%. Não foi muito, mas estava bom para um ano de crise. No acumulado de
1997, o primeiro ano do Verde, o fundo rendeu 29%. Em seguida veio a maxidesvalorização do real em 1999. Operar no mercado de câmbio no Brasil é complicado porque os juros são muito elevados, então o custo de oportunidade de manter o dinheiro aplicado em dólar é alto.

Se a moeda valorizar pouco, o ganho é inferior ao da renda fixa. Por isso, para ganhar dinheiro, é preciso comprar ativos em dólar na hora certa. No início de janeiro de 1999, tomei a decisão de aceitar perder um pouco de dinheiro para comprar dólares e ver no que aquele regime cambial, que fixava a paridade entre o dólar e o real, ia dar.

Dezoito é o número da sorte no judaísmo. Minha terceira filha nasceu em 18 de dezembro de 1998, no mesmo dia em que eu e minha mulher fizemos 18 anos de casamento. Minha esposa disse: ‘Estou amamentando, não vou sair de férias. Por que você não viaja com as meninas?’ Não tinha muito dinheiro, então levei minhas duas filhas mais velhas para Foz do Iguaçu e Buenos Aires, num esquema bem baratinho.

Antes de viajar, investi todo o patrimônio do fundo em dólar. O ­custo de oportunidade dessa posição era de 1% ao mês, que era quanto eu conseguiria ganhar se aplicasse os recursos na renda fixa. Achei que valia a pena correr o risco. O câmbio ainda era fixo, mas o Banco Central permitia uma desvalorização lenta do real todo mês.

Muita gente achava que o modelo de câmbio fixo, que vigorava desde o começo do Plano Real, não duraria muito tempo. Não queria ser pego de surpresa, em plena viagem, então fiz a posição. No dia em que estava visitando Itaipu, o celular — que não era lá essas coisas naquela época, mas funcionava — tocou. Eram umas 9 da manhã de uma quarta-feira.

Gustavo Franco, que era presidente do Banco Central, havia sido demitido, e entrou no lugar dele Francisco Lopes, que permitiu uma desvalorização maior do real. Era para ser um movimento controlado, não deu certo, e o dólar, que tinha começado janeiro cotado em 1,20 real, fechou o mês em 2 reais. O Verde teve um rendimento líquido de 50% só naquele mês.

Outros fundos também tinham investido em dólar, esperando uma desvalorização maior do real, mas nenhum rendeu tanto quanto o Verde. Aí comprei ações de empresas exportadoras, que se beneficiam da desvalorização do câmbio porque recebem mais reais pelas vendas em dólar. Comprei ações da Petrobras, que tinham caído muito. Juntando tudo isso, o fundo fechou 1999 com uma rentabilidade líquida de 125%.

Isso mudou a história da minha vida. Até 1999, o fundo tinha 5 milhões de reais, e não dá para viabilizar uma gestora com esse pequeno capital. Nosso patrimônio dobrou só com o rendimento de 125% e também passamos a chamar a atenção do mercado. Recebemos mais investimentos e tivemos dinheiro para aumentar a equipe. Comecei a ter economistas, analistas, e tive a chance de mostrar meu trabalho.

Se não fosse isso, poderia estar até hoje disputando mercado com muita gente boa e talvez nunca tivesse a oportunidade de crescer. Fico pensando se eu teria feito essa posição em dólar se não tivesse marcado a viagem para Foz do Iguaçu. Se ficasse no Brasil, talvez decidisse esperar mais um dia ou uma semana. Poderia ter perdido a oportunidade.

Nunca me vi como um gestor de um fundo de hedge, agressivo. Estou aqui para proteger o patrimônio das pessoas que investem comigo. Eu ganho a taxa de administração se acertar ou não a estratégia. Mas o cotista perde o dinheiro dele quando eu erro. A rentabilidade líquida do Verde, desde que ele começou, é de 28,8% ao ano.

Nesse mesmo período, o CDI (juro de mercado) rendeu 15,8% ao ano. A carteira de ações do Verde deu um retorno 17% superior ao do Ibovespa. Na bolsa, a maior parte do ganho do fundo veio do setor de bancos; em seguida, estão telecomunicações, mineração e consumo.”

André Jakurski - Dono da gestora carioca JGP e um dos fundadores do banco Pactual

“Ninguém pode prever o futuro, então não adianta ficar tentando fazer projeções. O fundamental é analisar as probabilidades de ganhar e perder dinheiro em diferentes cenários — e ajustá-las ao longo do tempo, à medida que a situação muda. Nunca sei o que vai cair e subir, por isso tento me adaptar. Tenho uma carteira de investimentos permanente e outra variável.

A permanente reúne os ativos que acredito que podem dar retorno no médio prazo. A variável reúne as operações táticas, cujo objetivo é aproveitar alguma distorção de preço no mercado. É possível ganhar dinheiro quando a bolsa cai, mas os ganhos que realmente fazem a diferença são gerados quando o mercado sobe.

É preciso ficar atento para tentar descobrir quando dá para comprar uma ação barata que tenha potencial de valorização. Nos raros momentos em que isso acontece, faço investimentos bem grandes. No dia a dia, o investidor deve se preocupar em administrar seu patrimônio.

Para conseguir acumular capital ao longo do tempo, não pode ficar simplesmente pulando de investimento em investimento atrás de uma grande tacada. É preciso ter uma estratégia cujo objetivo seja gerar retornos consistentes. A melhor maneira de fazer isso é dividir seus recursos entre aplicações de maior e menor risco — e estimar quanto é possível perder em cada uma delas.

A meta deve ser aumentar o patrimônio mesmo se alguma estratégia der errado. É o que alguns profissionais do mercado chamam de ‘fórmula da fortuna’. O conselho também vale na hora de escolher gestores de fundos. Há fundos mais ou menos agressivos, mas cuidado com aqueles que são muito voláteis. É preciso ver se o gestor tem capacidade para gerar retornos consistentes no longo prazo.

Quem ganha dinheiro apenas quando o mercado vai bem não é um bom gestor, só sabe seguir a onda. Todo investidor perde dinheiro, porque investir é um jogo de tentativa e erro. Algumas apostas dão certo, outras não. Faz parte do processo. Mas, para acumular patrimônio, é preciso evitar os grandes riscos que podem levá-lo à ruína financeira.

Tomei a decisão de vender todas as ações da carteira do banco Pactual quando ainda estava no banco, logo após o Plano Cruzado, em 1986. A bolsa despencou naquele ano e, em dezembro de 1986, achei que era hora de comprar. Investi em opções que me davam o direito de comprar ações da Vale em janeiro de 1987 por um preço que eu considerava baixo.

Se eu fizesse a operação, revenderia as ações no mercado por um preço maior. Mas as ações valorizaram quando eu fui exercer as opções, porque quem tinha de vendê-las para mim foi comprá-las no mercado, o que gerou a alta dos preços. Assim que recebi os papéis, os preços caíram e tive prejuízo. Foi ruim, mas não foi dramático, porque essa operação representava uma parte pequena do meu portfólio.

O prejuízo correspondeu a menos de 5% do lucro que eu havia tido em 1986. Sair do buraco é muito mais difícil do que avançar. Por exemplo: se você aplicou 100 reais e perdeu 50%, precisa conseguir um retorno de 100% para voltar ao capital original.

Da mesma forma, se conseguiu um rendimento de 20% para esses 100 reais no primeiro ano, mas perdeu 20% no segundo, ficou no negativo, porque uma perda de 20% transforma os 120 reais em 96 reais. Muita gente nem faz essa conta.

Hoje tenho um escritório ao lado do meu quarto, em casa. Nunca fiquei acordado a noite toda, mas, quando estava no Pactual, costumava acordar com alguma frequência para checar minhas posições. Hoje, acordo quando tenho alguma posição grande, senão durmo normalmente e programo ordens eletrônicas de compra ou de venda de ativos, se for necessário, o que não era possível naquela época.

É preciso dormir um mínimo de horas por noite para se sentir bem e ficar saudável. Não dormir, ou interromper o sono durante a noite, é muito nocivo à saúde. Se você não consegue ganhar dinheiro durante as horas em que está acordado, há um problema.”

Acompanhe tudo sobre:Bilionários brasileirosCommoditiesEdição 1121Fundo VerdeJorge Paulo LemannLivrosLuís Stuhlberger

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda