Revista Exame

Liderança estratégica na era da IA

Entender as reações humanas em relação à tecnologia é essencial para o sucesso na implementação de projetos

Líderes desempenham um papel fundamental na transformação das percepções sobre a IA nas organizações (Vladimir Vladimirov/Getty Images)

Líderes desempenham um papel fundamental na transformação das percepções sobre a IA nas organizações (Vladimir Vladimirov/Getty Images)

Wesley Vaz
Wesley Vaz

Colunista

Publicado em 29 de abril de 2024 às 06h00.

A inteligência artificial (IA) já não é uma promessa do futuro, mas uma força revolucionária em todos os campos da economia mundial, que traz tanto melhorias incrementais quanto inovações radicais em processos e modelos de negócios. Líderes corporativos enfrentam agora o desafio primordial de compreender e assimilar a IA em suas estratégias de forma pragmática, com o objetivo de preservar a competitividade e inovar de forma sustentável, enquanto gerenciam riscos.

Embora menos enfatizado, entender as reações humanas à IA é essencial para o sucesso na implementação de projetos que envolvam essa tecnologia nas organizações. A Matriz de Percepções W, uma ferramenta de gestão estratégica, permite categorizar essas impressões em quatro quadrantes distintos, definidos a partir de dois eixos, em relação ao uso da IA: otimismo ou pessimismo e impacto percebido (alto ou baixo). Essa classificação segmenta os profissionais como visionários, que são otimistas e acreditam no alto impacto do uso da inteligência artificial; céticos, que são pessimistas e duvidam disso; alarmistas, que, mesmo pessimistas, veem um alto impacto; e os moderados, otimistas que não acreditam em um grande impacto.

Os vieses cognitivos presentes nos profissionais não podem ser ignorados, e atuam como elementos que influenciam a posição de cada um dentro dos quadrantes da matriz. O efeito Dunning-Kruger, por exemplo, pode levar indivíduos com conhecimento superficial a superestimar sua compreensão sobre a IA. O viés de confirmação, por sua vez, reforça crenças preexistentes ao selecionar informações que as suportam — se sou pessimista, qualquer falha ou alucinação é a comprovação inequívoca de que a IA não é uma ferramenta boa o suficiente para ser considerada. Por último, o efeito Halo pode fazer com que a opinião de uma pessoa seja influenciada pela reputação de quem a apresenta, e não necessariamente construída com base em seu conhecimento sobre IA. Esses vieses ajudam a explicar por que muitos profissionais tendem a se influenciar mais por impressões e opi­niões de agentes influentes do que por experimentações práticas e dados concretos.

As percepções dos atores influentes e das lideranças sobre a IA, mapeadas a partir dos quadrantes da matriz, são elementos fundamentais para identificar as aspirações corporativas e, em seguida, construir as capacidades necessárias — financeiras, tecnológicas e humanas.

É crucial reconhecer que o desenvolvimento de capacidades em IA pode envolver uma mudança cultural profunda, que deve ser cuidadosamente gerenciada. A liderança precisa criar um ambiente em que os riscos sejam considerados, a inovação seja incentivada e os erros, parte integrante do processo de aprendizado, sejam vistos como oportunidades de crescimento. Essa abordagem não só aumenta a adaptabilidade dos colaboradores diante das tecnologias mas também fortalece a resiliência organizacional contra as inevitáveis perturbações que acompanham a adoção de inovações disruptivas.

IA no setor público

Em um relatório recente, o Gartner destacou a hesitação do setor público em adotar a IA generativa em grande escala, apesar de já se beneficiar de tecnologias de IA mais maduras. Menos de 25% das organizações governamentais pesquisadas planejam implementar serviços habilitados para IA generativa nos próximos dois anos, focando inicialmente a criação de estruturas de governança para apoiar a experimentação.

O estudo sugere que os governos devem adotar a IA generativa de forma alinhada ao seu apetite por risco, priorizando casos de uso que melhorem os serviços internos ao cidadão e construam confiança pública por meio de governança transparente e segura. Nessa jornada, as lideranças desempenham papel fundamental na transformação das percepções sobre a tecnologia dentro das organizações. Por exemplo, em ambientes caracterizados pelo baixo apetite ao risco, medo, incerteza e dúvida, cabe aos líderes não só reconhecer os posicionamentos de cada profissional relevante na matriz de percepções mas também agir ativamente para ajustá-los individual e coletivamente.

Para mudanças efetivas da percepção, na direção do menor para o maior impacto da inteligência artificial na corporação, os líderes devem focar em aumentar a destreza digital dos profissionais, equipando-os com o conhecimento sobre o funcionamento da tecnologia e os experimentos práticos sobre o impacto de seu uso no ambiente institucional. No outro eixo, para transformar uma visão pessimista em uma mais otimista, é essencial ao líder promover um ambiente de confiança coletiva, em que os experimentos sejam bem-vindos; e os erros calculados, aceitáveis. Essas ações são vitais não apenas para superar resistências mas também para fomentar uma cultura que valorize a inovação e a colaboração.

Essa estratégia se alinha com o estudo da McKinsey sobre a implantação da IA generativa nos governos estaduais dos Estados Unidos. A consultoria destaca a estratégia de começar com pilotos de baixo risco e escalar para uma adoção mais ampla. A abordagem sugere ainda que líderes estaduais criem projetos-piloto em áreas selecionadas, enquanto desenvolvem um plano de governança robusto. Isso ressalta a importância de uma estratégia cuidadosamente planejada para integrar a IA nas operações do governo, garantindo que os riscos sejam gerenciados e que a transição para a inteligência artificial generativa seja feita de forma segura e eficaz.

O agrupamento de profissionais com competências e percepções diferentes, mas alinhados a um propósito, é muito desejável. Formar “tribos viáveis” ao redor de problemas concretos que possam ser endereçados pela IA requer mapear os profissionais corretos e equilibrar as competências e as percepções. Esses grupos, coesos em suas percepções ajustadas e capacidades ampliadas, são essenciais para a realização de aspirações comuns e a consecução de objetivos estratégicos, por meio da implementação de projetos de IA.

No entanto, esses grupos não podem ser confundidos com “seitas”, extremistas por definição. Visões rígidas e muitas vezes irracionais sobre a IA podem estagnar a inovação e alienar partes relevantes da organização. Se em uma organização houver seitas que divirjam frontalmente quanto ao impacto do uso da IA, por exemplo, projetos que envolvam problemas em comum de seus membros dificilmente avançarão. A capacidade da liderança de harmonizar conflitos internos e incentivar a formação de equipes colaborativas pode ser o diferencial que permitirá à instituição não apenas adaptar-se mas prosperar na era da IA.

Abordagem inovadora

Compreendendo a influência dos vieses cognitivos e a relevância das percepções na adoção da IA, a cidade do Recife implementou uma abordagem inovadora ao integrar a IA em seus serviços públicos, formando equipes multidisciplinares e diversificadas para maximizar o impacto positivo da tecnologia. Ao adotar a IA generativa, a prefeitura desenvolveu projetos-piloto que começaram com serviços essenciais, como agendamento de vacinas, e gradualmente expandiram para incluir mais de 650 serviços digitais. Esse progresso foi possível graças à formação de equipes compostas de membros com diferentes percepções e habilidades, ilustrando como uma distribuição equilibrada nos perfis pode facilitar inovações significativas e sustentáveis.

Sob a perspectiva de produtos, a implementação da IA pelo Conecta Recife resultou em melhorias tangíveis nos serviços ao cidadão. A plataforma digital simplificou o acesso a informações e serviços municipais, desde questões de saúde pública até serviços urbanos, por meio de uma interface intuitiva e responsiva. A inovação continuou com a introdução de bots e assistentes virtuais que personalizam a experiência do usuário, melhorando a eficiência e a satisfação dos cidadãos. Esse exemplo concreto demonstra como uma liderança visionária, apoiada por uma equipe diversificada e bem integrada, pode transformar a interação entre governo e cidadãos em uma era digital.

Ao final, a percepção das tecnologias emergentes pelos profissionais, especialmente a IA, é profundamente influenciada por vieses cognitivos e pelo nível de conhecimento dos profissionais. Líderes devem reconhecer essas dinâmicas ao formular estratégias que não apenas integrem o uso da IA em processos existentes mas também construam uma base sólida de competências.

A Matriz de Percepções W é valiosa, orientando a classificação e o ajuste das visões dos profissionais sobre a IA. Navegar habilmente por seus quadrantes, favorecendo a coesão em “tribos” em vez de divisões em “seitas”, é crucial para que as organizações atinjam suas aspirações e concretizem seu potencial inovador.

A interação entre as percepções humanas, influenciadas por vieses cognitivos, e a adoção estratégica da inteligência artificial é sutil e complexa. Lideranças eficazes devem, portanto, buscar alinhar a implementação da IA com aspirações estratégicas viáveis e propósitos claros, garantindo que a evolução tecnológica esteja em sintonia com os valores institucionais e, por extensão, com os da sociedade.


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