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Lição de casa à chinesa

Em Xangai, o governo conseguiu colocar seus estudantes no topo do ranking mundial. O desafio agora é implantar o mesmo modelo de educação no restante do país


	Xangai, na China: filhos de imigrantes tiveram acesso a boas escolas
 (Pudong/Creative Commons)

Xangai, na China: filhos de imigrantes tiveram acesso a boas escolas (Pudong/Creative Commons)

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Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2012 às 08h31.

Xangai - "Yali”, em chinês, significa “pressão”, e não é por acaso que a palavra é uma das mais repetidas pelos estudantes de Xangai. A rotina do aluno Ji Yu Zhou, de 15 anos, mostra por quê. Estudante do 10o ano do ensino básico chinês, o equivalente ao 1º ano do ensino médio no Brasil, Ji tem uma rotina tão ou mais pesada que a de um adulto.

Chega à escola às 7h40 e só sai, na melhor das hipóteses, às 16h30. Por volta das 7 da noite, depois do jantar e de um rápido descanso, é hora da lição de casa, ou mais 4 horas de estudo, em média. Ji só consegue fechar os livros e os cadernos às 11 horas da noite.

No ano passado, a vida dele estava ainda mais difícil. Para prestar o Zhong Kao, exame de ingresso no ensino médio, Ji entrava mais cedo e saía mais tarde da escola. O esforço foi recompensado: Ji conseguiu 595,5 pontos, um resultado excelente perto dos 630 possíveis, mas só pouco acima dos 590 exigidos pelas escolas de elite de Xangai.

Os adolescentes da maior cidade chinesa enfrentam pressão semelhante: a nota do Zhong Kao define a qualidade da escola em que o aluno fará o ensino médio, o que, por sua vez, será responsável pelo desempenho no Gao Kao, o vestibular chinês.

Essa yali é massacrante para os jovens, mas traz consigo um contraponto: nenhum estudante no mundo aprende mais durante a fase escolar do que o de Xangai. Em 2009, os jovens de 15 anos da cidade foram os primeiros colocados em um ranking mundial que mede a capacitação dos alunos em matemática, língua materna e leitura — foi a primeira vez que participaram do teste.

A prova, chamada Pisa, é rea­lizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 75 países (o Brasil está em 53o lugar). Para um país cujo regime fechou universidades, queimou livros e mandou professores para a lavoura durante a Revolução Cultural, pouco mais de 40 anos atrás, o resultado obtido pelos estudantes de Xangai é formidável.

Garantir aos filhos educação de qualidade é um dos valores mais importantes da geração atual de chineses. No acelerado processo de urbanização em curso, o diploma de uma boa universidade garante emprego, dinheiro para consumir e segurança para a família, já que os chineses não sabem o que é previdência privada ou emprego para os mais velhos.

Xangai é uma ilha de excelência no país mais populoso do mundo. É uma ilha enorme, com 12 milhões de habitantes, mas ainda assim um exemplo isolado. Um dos grandes desafios do novo governo chinês é multiplicar o sucesso da cidade. Os demais alunos chineses não foram avaliados pela prova da OCDE, e não há como comparar Xangai com o restante do país. Mas existem pistas.


Segundo o Banco Mundial, há oito alunos para cada professor em Xangai. Em Guizhou, a província mais pobre da China, cada professor tem de dividir a atenção por 164 alunos. Xangai gasta quase 3 000 dólares por aluno ao ano; em Lancang, no interior, o valor é inferior a 1 dólar.

Cerca de 16 milhões de bebês nascem por ano na China, 60% deles no campo. Aos 6 anos, as crianças dessas áreas pesam, em média, 1,7 quilo a menos e são 2,6 centímetros mais baixas do que as das cidades. “A redução da diferença educacional começa quando houver menos desigualdade social”, diz Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE responsável pelo Pisa. 

Algumas das práticas inovadoras de ensino idealizadas nas grandes cidades começam a se espalhar. “Exames médicos são feitos para garantir que nenhuma criança deixe de aprender por falta de óculos, por exemplo”, diz Gustavo Ioschpe, economista especializado em educação que foi à China recentemente para estudar o sistema educacional do país.

Tornou-se famosa a promoção dos encontros de professores de mesmas séries e disciplinas pelo menos uma vez por mês para discutir métodos e melhores práticas. “No Brasil, nem o que funciona nem o que não funciona servem de exemplo”, diz Ioschpe. Dados prévios da OCDE indicam que até mesmo províncias menos desenvolvidas na China têm apresentado desempenho superior a regiões de perfil semelhante em outros locais do mundo, incluindo o Brasil.

Mas é o êxito de Xangai que é observado de perto, e não somente pelos brasileiros. As provas da cidade são elaboradas pelo governo local, ao contrário do que ocorre no resto do país. As questões de múltipla escolha foram substituídas por questões discursivas, que muitas vezes têm relação com o cotidiano, numa tentativa de motivar os jovens com temas mais palpáveis.

As cobranças não recaem apenas sobre os alunos. Os professores também sofrem com a yali. Wang, uma professora de inglês que pediu para ser identificada apenas pelo sobrenome, diz que seu desempenho está ligado ao resultado obtido pelos alunos. “Se eles vão mal, significa que falhamos”, diz Wang. Por esse motivo, os professores chegam mais cedo e saem mais tarde mesmo sem ganhar hora extra.

O inglês é uma das cinco matérias testadas no Zhong Kao. Em Xangai, é disciplina obrigatória desde o primeiro ano escolar. As outras matérias consideradas prioritárias são chinês, matemática, física e química (história e geografia não entram no exame).


Apesar da pressão descrita por Wang, que se aposentará em 2013 aos 55 anos, sua rotina de trabalho é de fazer inveja aos professores brasileiros. Das 8 horas diárias que permanece na escola, Wang só passa 2 em sala de aula.

O restante do tempo ela usa no preparo das aulas do dia seguinte, na correção de exercícios e na comunicação com estudantes e pais. (Quando tem de mandar um recado ao pai de um aluno, a professora acessa um web­site da escola, que envia a mensagem automati­camente ao celular do pai ou da mãe.)

Os professores só podem trabalhar em uma escola, algo muito diferente do que se vê nas instituições brasileiras. Outra diferença marcante é a infraestrutura. Bem pintadas, limpas, com ginásio de esportes e todas as classes equipadas com recursos multimídia, as escolas de Xangai em nada lembram os prédios decrépitos da rede pública brasileira.

O valor dado à educação nos países asiáticos — o que se vê na China e também no Japão e na Coreia do Sul — não é algo que se possa copiar fa­cilmente. Trata-se de um valor cultural que, infelizmente, não foi herdado nem desenvolvido, pelo menos por enquanto, por nós, brasileiros. Mas as lições chinesas são muitas — e elas são um ótimo começo.

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