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Quem são as novas galeristas e consultoras que mandam nesse mercado ­— e qual o papel delas em um cenário de vernissages cancelados e museus fechados

Camila Yunes Guarita, da consultoria Kura: assessoria na catalogação e ampliação de acervos formados e a novos colecionadores | Fotos: Divulgação /

Camila Yunes Guarita, da consultoria Kura: assessoria na catalogação e ampliação de acervos formados e a novos colecionadores | Fotos: Divulgação /

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Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2020 às 05h05.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 13h11.

Dos leilões promovidos pelo pai no Copacabana Palace, a carioca Antonia Bergamin não esquece. Uma das lembranças mais vivas da infância, por sinal, é a de brincar com uma das célebres esculturas da série Bichos, da mineira Lygia Clark, dentro do hotel mais conhecido do país. Não havia cenário mais apropriado, acreditava Jones Bergamin, o pai, dono da casa de leilões Bolsa de Arte, para vender criações de artistas renomados, como Amilcar de Castro, Mira Schendel e Alfredo Volpi. “As obras eram levadas até lá e eu ficava circulando entre elas”, lembra Antonia, de 32 anos. Dá para imaginar algo assim hoje? Não, porque a maioria dos leilões desse tipo permite lances virtuais e ninguém mais deixa encostar numa escultura da Lygia, mesmo que o intuito da artista fosse esse. Outra culpada é a covid-19, que não poupou nem mesmo o Copacabana Palace, fechado temporariamente em razão da pandemia.

Ana Carolina Ralston: sempre à procura de novos talentos para a galeria Kogan Amaro, com sede em São Paulo e em Zurique

Estão fechados também museus e galerias de arte, como a da Antonia, a Bergamin & Gomide. Instalada no bairro dos Jardins, em São Paulo, foi fundada em parceria com Thiago Gomide em 2012 e é uma espécie de continuação da ­galeria criada 12 anos antes pelo pai dela, a Bergamin. O foco é o chamado mercado secundário, que envolve principalmente a revenda de obras de ar­tistas que já se foram. O único re­presentado é o ilustrador Marcelo Cipis. Antes da covid-19 pintar no horizonte, programou-se a abertura, para o mês passado, da mostra AAA — ­An­tologia de Arte e Arquitetura, com mais de 100 criações de artistas, arquitetos e designers brasileiros. Foi montada numa das unidades da Fortes D’Aloia & Gabriel, que ajudou na organização. Para que o público ­pu­desse visitá-la durante a quarentena, o jeito foi transferi-la para o univer­so digital. Criou-se um site caprichado — ­aaaonlineviewing.com.br — com ví­deos, fotos e dados de cada obra, inclusive preço. A escultura da Lygia Clark com caixas de fósforos custa 250.000 dólares. Já a pintura a guache da série Metaesquema, de Hélio Oiticica, pode ser sua em troca de 280.000 dólares.

Sim, a pandemia impossibilitou os vernissages, mas para compras não há nenhum empecilho. “A verdade é que muitas das vendas nesse meio são fechadas sem que o comprador tenha visto presencialmente o que adquiriu”, conta Antonia, que estima que 30% das transações da Bergamin & Gomide transcorram desse modo desde sempre. “Nas demais, a praxe é só uma visita à galeria quando a compra já está quase certa, para bater o martelo.” A explicação é que a maioria dos compradores é formada por colecionadores experientes que se contentam com fotos para decidir o que querem. E como andam as vendas? “A procura por itens raros, como as telas dos anos 50 do Alfredo Volpi, continua alta e mantém os preços lá em cima”, responde a galerista. “O mercado não parou, mas a busca pelas demais produções tende a ser postergada e poderá levar a uma redução de preços.”

Sofia Derani: à frente do comitê de jovens patronos do Masp e do conselho da galeria de arte urbana Choque Cultural

A carioca não é da mesma geração de galeristas célebres, como Nara Roesler, Raquel Arnaud e Marilia Razuk. Por anos e anos, foram estas últimas que deram a maioria das cartas nesse meio, além de Fernanda Feitosa, fundadora da SP-Arte, além de outras mulheres, todas com mais de 50 anos e ainda muito influentes. Ultimamente, porém, a geração da qual Antonia faz parte tem ajudado a redesenhar os rumos do setor e ganhado mais importância com as galerias e os museus temporariamente fechados. Aos 27 anos, Camila Yunes Guarita é mais uma expoente do grupo. Art advisor, ela se impôs o desafio de derrubar a ideia de que só quem tem muito dinheiro pode arrematar uma obra. “Com 800 reais já dá para investir em trabalhos relevantes e que vão valer mais”, sustenta ela, outra habituada a telas e esculturas desde o berço. Ela é neta de Ivani e Jorge Nunes, que formaram uma monumental coleção de arte administrada pela mãe dela, Beatriz Yunes Guarita.

À frente da consultoria Kura, fundada por ela há dois anos, Camila ajuda na catalogação e ampliação de coleções já formadas e auxilia quem está começando. Para seduzir a turma do mercado financeiro, passou a promover mostras de jovens artistas em instituições financeiras, como o BNP Paribas. “Muitos nomes valorizam, mas não dá para deixar o gosto pes­soal de lado na hora da compra, ou então você terá de conviver por um bom tempo com uma obra que acha estranha”, afirma. No ano passado, ela teve a ideia de ajudar a montar listas de presentes de casamento só com obras de arte. De lá para cá, 30 casais recorreram ao serviço, que custa a partir de 1.000 reais. Os noivos são convidados a visitar ateliês e galerias e a seleção final costuma ser fatiada em cotas, como em qualquer lista de presentes. A missão dada por um cliente antigo dá uma ideia do dia a dia da art ­advisor. Incumbida de comprar certa peça de Olafur Eliasson, descobriu que ela já havia sido vendida. O jeito foi convencer o badalado artista dinamarquês a criar uma nova peça parecida com a outra.

Sofia Derani, de 27 anos, foi ungida autoridade desse meio pela atuação no comitê de jovens patronos do Masp, criado para ampliar as receitas da instituição, cujo rombo, hoje equacionado, alcançava 75 milhões de ­reais em 2014. E também para oxigenar o museu. “Se as novas gerações não se envolverem, ele estará novamente em risco no futuro”, diz Sofia, que assumiu o papel de líder do colegiado e convenceu dezenas de pessoas a participar — o grupo já tem quase 60 membros, que precisam desembolsar 7.000 ­reais por ano. Colecionadora de telas de grafiteiros festejados, como OsGemeos, Cranio e Speto, ela é conselheira da galeria Choque Cultural, especializada em arte urbana, desde o início do ano. “Ainda não dá para calcular o impacto da pandemia nas vendas, mas há efeitos positivos, como os laços que os artistas estão criando com os consumidores com a ajuda das redes sociais”, acredita. “Antes todo mundo comprava sem saber nada do autor.”

Antonia Bergamin: cofundadora da galeria Bergamin & Gomide, especializada no mercado secundário de arte

Ana Carolina Ralston entrou para o grupo de Antonia e companhia como curadora, ofício que abraçou depois de mais de dez anos dedicados ao jornalismo cultural. Desde 2018, é diretora artística e curadora da galeria Kogan Amaro, com matriz em São Paulo e filial em Zurique. Divide as duas funções com Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário. “Um de nossos objetivos é revelar novos talentos em um mercado que continua viciado nos grandes nomes e no qual alguns marchands têm mais importância do que os artistas que representam”, diz Ralston, de 37 anos. Desde julho, ela também responde pela curadoria da Fábrica de Artes Marcos Amaro, que se espalha por uma antiga fábrica têxtil em Itu, no interior de São Paulo (Amaro, o fundador, também é dono da galeria na qual ela trabalha). “Espero que essa nova geração dê o chacoalhão necessário para que as artes plásticas deixem de ficar restritas a um grupo limitado”, torce a curadora.

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