Revista Exame

Na B2W, juntos contra a Walmart

Os bastidores da fusão entre a Americanas.com e o Submarino -- e os efeitos que a criação desse gigante trará para todo o varejo

Centro de distribuição do Submarino: sinergia de 800 milhões de reais com a Americanas.com

Centro de distribuição do Submarino: sinergia de 800 milhões de reais com a Americanas.com

DR

Da Redação

Publicado em 24 de maio de 2011 às 18h51.

O dia do fechamento de um grande negócio sempre é marcado por uma forte tensão. Reina o cansaço. Cada lado deixa para o último momento a solução de alguns nós pendentes. Os principais negociadores, exasperados, não agüentam mais olhar para a cara de seus interlocutores.

Em 22 de novembro, quando os acionistas e executivos das lojas de comércio eletrônico Americanas.com e Submarino sentaram-se à mesa para negociar os detalhes do contrato de fusão das duas companhias, essa tensão atingiu patamares pouco vistos na história dos negócios brasileiros.

O motivo foi a divulgação da notícia de que as duas empresas negociavam a criação de um gigante do varejo digital no país. (A informação foi dada com exclusividade pelo Portal EXAME no final da manhã do dia 22.) Os envolvidos planejavam fechar a fusão no dia 27, uma segunda-feira, quando os americanos teriam voltado do feriado de Ação de Graças -- boa parte dos acionistas do Submarino é formada por investidores dos Estados Unidos.

Todos contavam com esses últimos cinco dias para resolver as pendências finais e definir a estrutura da nova empresa. O mercado, porém, obrigou os negociadores a encurtar esse prazo. As ações das duas companhias já sofriam forte oscilação, e era necessário interromper a boataria com uma definição.

Uma conference call com os envolvidos foi organizada em regime de urgência. Os negociadores decidiram antecipar o plano. "Precisamos anunciar o negócio amanhã", disse na ocasião Roberto Thompson, um dos principais negociadores da Lojas Americanas.

Convocadas às pressas, mais de 30 pessoas se aglomeraram no final da tarde na sala de reuniões do escritório de advocacia Barbosa, Müssnich e Aragão (BMA), na zona sul de São Paulo. "Tivemos de fazer em poucas horas o trabalho de dias", diz Moacir Zilbovicius, sócio do Mattos Filho e advogado do Submarino.

"Era preciso anunciar o negócio antes da abertura do mercado." Muitos só saíram da sala às 11 da manhã do dia seguinte, atarantados com a avalanche de informações digeridas. Na madrugada -- entre salgadinhos e latas de refrigerante --, tomaram-se na base do corre-corre algumas decisões cruciais para o negócio. Uma delas era o nome da nova empresa.


Havia duas opções: Lets ou B2W, ambas estranhas aos ouvidos brasileiros e criadas com o claro objetivo de conquistar o público internacional, que teria enorme dificuldade em pronunciar as palavras Submarino e Americanas. Horas antes do anúncio, decidiu-se por B2W. Enquanto os negociadores revisavam o contrato, uma equi pe finalizava o comunicado que seria enviado às redações dos principais veículos de comunicação do país.

Com o dia já claro, o presidente do conselho de administração da Americanas, Carlos Alberto Sicupira, chegou ao escritório para assinar o contrato. Às 10 horas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recebeu o fato relevante: Americanas.com e Submarino propunham a união de suas operações, um negócio que, se aprovado pelos acionistas do Submarino, pode mudar a face do varejo brasileiro -- e não apenas do varejo digital.

O fuzuê da quarta-feira foi um final tormentoso para um processo de negociação que correu em absoluto sigilo por três meses. Tudo começou no início de setembro, quando a Lojas Americanas enviou ao Submarino uma carta propondo o início das conversas que levariam à fusão das duas empresas.

As companhias contrataram, então, seus assessores financeiros (o Citigroup pela Lojas Americanas e o Credit Suisse pelo Submarino) e definiram o codinome que manteria a transação sigilosa pelos meses seguintes: Project Eagle (Projeto Águia, em português). "No máximo dez pessoas participavam das reuniões", diz Paulo Aragão, advogado da Americanas. As reuniões eram feitas nos escritórios de advocacia que assessoravam as empresas.

As negociações dividiram-se em dois blocos principais. No primeiro, discutiu-se o preço a ser pago pelas ações do Submarino por seu novo controlador, a Lojas Americanas. O segundo bloco, em que foi acordada a estrutura da nova empresa, foi o mais complexo e contou com a participação de um personagem com ares mitológicos no mundo da internet: o banqueiro de investimentos libanês George Boutros, chefe de fusões e aquisições em tecnologia do Credit Suisse no estratégico escritório de São Francisco, na Califórnia.


Boutros é uma espécie de lenda do Vale do Silício, famoso por uma mistura pouco habitual de altíssima competência com certa falta de modos. Sua fama pode ser resumida numa intraduzível expressão em inglês que a revista americana Wired usou para classificá-lo: briefcase slammer (ou seja, o negociador teatral, que tem por hábito dar murros na mesa e falar alto com o objetivo de intimidar o outro lado e, assim, avançar suas posições).

Boutros veio ao Brasil cinco vezes para auxiliar o Submarino. Sua função era proteger a empresa do possível apetite controlador da Lojas Americanas. "Ele é extremamente duro e conseguiu um pacote de governança excelente", diz Augusto Cruz, conselheiro do Submarino e um dos principais negociadores da companhia. Uma das vitórias de Boutros foi a limitação do poder da Americanas, que terá de submeter à aprovação dos conselheiros independentes do Submarino suas decisões mais estratégicas.

Apesar do rápido crescimento, o comércio eletrônico representa atualmente apenas 2% do varejo brasileiro, algo como 4,3 bilhões de reais. Para avançar, Americanas.com e Submarino perceberam que precisariam levar essa guerra para um campo muito maior que o das vendas meramente virtuais.

Agora, as duas empresas estão juntas para enfrentar os gigantes varejistas que se preparam para reforçar sua posição online -- e que podem ameaçá-las. Alguns exemplos são Ponto Frio, Extra e Magazine Luiza. No final de novembro, a temida Wal-Mart anunciou que fará um grande investimento no comércio eletrônico no Brasil em 2007.

Em itens de alto valor, como eletrodomésticos, a concorrência desses varejistas tradicionais já incomodava os dois líderes. Espera-se também que a Casas Bahia trace uma estratégia para a internet, aumentando a pressão sobre as margens de diversos produtos. "Cada vez mais, a competição é com o varejo como um todo, não só o online", diz Flávio Jansen, presidente do Submarino.

A união de forças entre as duas maiores companhias do varejo em internet simboliza uma transformação no comércio eletrônico brasileiro. Após a euforia da bolha, na qual centenas de empresas foram criadas com grande expectativa de lucros futuros que depois não se confirmaram, viveu-se um período de depuração.


A lógica darwinista provou que o comércio eletrônico é, antes de eletrônico, um comércio como outro qualquer. Ou seja, tão importantes quanto previsões impressionantes de crescimento são fatores antigos do mundo "dos tijolos", como escala, sinergias e poder de negociação com fornecedores.

Alguns números dão uma medida da importância do tamanho nesse mercado. Enquanto o Submarino tem margem bruta média de 28,2%, a Americanas.com conseguia chegar a 31,2%. Na guerra do varejo, três pontos percentuais são uma enormidade.

A explicação para essa diferença é a escala -- não apenas a Americanas.com é maior que o Submarino como boa parte de suas compras é feita em conjunto com a Lojas Americanas. Incluindo a operação física e a online, a Lojas Americanas deve faturar 4,8 bilhões de reais neste ano (estima-se que um terço venha das vendas pela internet), enquanto as receitas do Submarino ficarão em torno de 860 milhões de reais. Juntas, as duas empresas prevêem a geração de sinergias que vão se traduzir em economias de cerca de 800 milhões de reais.

DEPOIS DE APROVADA A FUSÃO, os novos administradores terão o enorme desafio de transformar em sócios funcionários que se tratavam como inimigos. "As duas empresas têm culturas bastante diferentes", diz um ex-executivo da Americanas. Segundo ele, por ser um pure player ("jogador puro") e atuar só na internet, o Submarino é mais ágil que a Americanas.com e está livre das amarras do varejo tradicional -- como o gerenciamento de lojas.

Além disso, ao longo dos anos, as duas concorrentes fomentaram um clima de rivalidade entre si. "Dentro da Americanas.com, muita gente evita falar o nome do Submarino e prefere se referir ao concorrente como 'aquela empresa das bolinhas azuis'", diz um executivo com origem na Americanas.

A diferença de estilos de gestão pode ser percebida também pelo perfil dos líderes das duas empresas, Flávio Jansen e Anna Saicali, que vão compartilhar o comando da B2W. Aos 40 anos de idade, Jansen é quase um veterano da internet. Articulado e comunicativo, foi um dos fundadores do Submarino, em 1999. Anna é reclusa.


Não tira fotos e não dá entrevistas (nem sequer participou da conference call que explicou aos analistas a proposta de fusão com o Submarino). Formada em estética e filosofia da arte pela Sorbonne, na França, e escultora nas horas vagas, entrou na Americanas há nove anos. Aos 43 anos, comanda o braço de varejo digital da companhia desde 2004. Antes disso foi responsável pelas áreas de RH e tecnologia.

Com a fusão com o Submarino, a Americanas começa a traçar um roteiro muito parecido com o da Brahma, empresa adquirida em 1989 pelo trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Em 1999, a Brahma comprou a rival Antarctica e deu origem à Ambev, a maior cervejaria do país. A partir daí, apostou fortemente na internacionalização.

Em 2004, o trio controlador vendeu sua participação na cervejaria aos belgas da Interbrew. Com a operação, Lemann, Telles e Sicupira entraram para a lista de homens mais ricos do mundo, elaborada pela revista americana Forbes. Agora que está prestes a formar a maior plataforma de comércio eletrônico do país, a Americanas já pensa em dar mais um salto.

"O objetivo daqui para a frente é a expansão internacional, principalmente na América Latina e na Índia", diz Roberto Martins, diretor financeiro da Americanas. Segundo executivos próximos à empresa, essa expansão teria por objetivo atrair o interesse da Wal-Mart, maior varejista do planeta.

Vale dizer que o relacionamento entre os controladores da Americanas e a Wal-Mart é antigo e profundo. Lemann é admirador confesso de seu fundador, Sam Walton. Além disso, a Wal-Mart fez sua estréia no Brasil, na década de 90, por meio de uma associação com a Lojas Americanas.

A fusão entre Americanas.com e Submarino é também reflexo de um novo momento da internet mundial. Com a queda da Nasdaq, em março de 2000, o cenário de abundância de recursos visto durante a bolha mudou radicalmente. Em todo o mundo, várias companhias pontocom subitamente desapareceram.


Os investimentos escassearam. Seguiu-se um período de ceticismo com os empreendimentos de internet que se estendeu até 2004. Poucas das empresas surgidas nos anos 90 sobreviveram -- entre elas Amazon, Yahoo! e eBay.

Nenhuma delas, porém, teve mais impacto sobre o humor dos investidores que o Google, cujo valor de mercado já bateu os 150 bilhões de dólares e garantiu a seus fundadores, Sergey Brin e Larry Page, destaque como alguns dos bilionários mais jovens do mundo.

Enquanto um seleto grupo de sobreviventes continua crescendo, novas empresas de tecnologia surgiram nos últimos dois anos, transformando radicalmente o ambiente de negócios. O Skype permitiu fazer ligações telefônicas gratuitamente por meio do protocolo de internet.

O site de comunidades MySpace tornou-se o endereço mais visitado dos Estados Unidos. O YouTube ganhou status de fenômeno ao facilitar o compartilhamento de vídeos pela rede mundial. O sucesso dos novos negócios fez com que o dinheiro voltasse a fluir para a rede, gerando uma onda de fusões e aquisições mundial.

Em julho de 2005, a News Corp., do magnata australiano Rupert Murdoch, pagou 580 milhões de dólares pelo MySpace. Pouco depois, o eBay comprou o Skype por 2,6 bilhões de dólares. Há dois meses, o Google arrematou o YouTube, que tinha apenas 18 meses de vida, por 1,6 bilhão de dólares. Seus fundadores, Chad Hurley e Steve Chen, foram imediatamente alçados ao posto de mais novos magnatas da internet.

Nos Estados Unidos, as vendas online representam 6% do varejo e crescem 25% ao ano. Apesar dessa aparente exuberância, o cenário não está livre de nuvens carregadas. O principal alerta veio da Amazon.com, maior empresa de varejo online do mundo.

A companhia está diversificando agressivamente seu modelo de negócios, um movimento que sugere que seu fundador, Jeff Bezos, não está assim tão confiante nas vendas da loja virtual. Recentemente, a empresa decidiu alugar seus potentes servidores para concorrentes e inaugurou um serviço de venda de vídeos pela web.

Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a venda de CDs e DVDs sempre foi um dos motores do varejo online. Mas novos modelos de negócios pela internet, como o popular serviço iTunes, da Apple, estão corroendo esse mercado. Um tipo de ameaça para o qual o novo gigante do varejo eletrônico brasileiro também terá de se preparar.

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