Revista Exame

Jovens europeus continuam na fila em busca de empregos

Os empregos voltaram a crescer na Europa, mas a quantidade de desempregados com menos de 25 anos continua alta e ameaça criar uma geração de mal remunerados

Fila de emprego na Espanha: mesmo na retomada, os mais jovens ainda sofrem para conseguir uma vaga (Jasper Juinen/Getty Images)

Fila de emprego na Espanha: mesmo na retomada, os mais jovens ainda sofrem para conseguir uma vaga (Jasper Juinen/Getty Images)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 13 de julho de 2017 às 05h47.

Última atualização em 13 de julho de 2017 às 21h58.

São Paulo — Depois de aturar a crise que abalou as maiores economias da Europa de 2009 em diante, os governos da região estão comemorando qualquer dado minimamente positivo que surge. De uns tempos para cá, de fato as coisas têm melhorado num ritmo um pouco mais acelerado. Os dados mais recentes mostram que o desemprego na zona do euro está no menor nível desde 2009 — 9,3%. Ao todo, mais de 6 milhões de vagas de emprego foram criadas na Europa em quatro anos.

A melhora é consequência das reformas fiscais e trabalhistas que foram feitas nos últimos anos por uma série de países, como Portugal, Espanha e Itália. Mas a retomada esconde duas realidades. Primeiro, a retomada não tem sido sentida por todos da mesma maneira. Enquanto o desemprego total vem caindo para um nível mais próximo do normal, entre os jovens europeus o desemprego continua muito acima dos níveis pré-crise.

O índice médio de desocupação de pessoas de 16 a 25 anos na zona do euro alcançou 18,9% em maio, de acordo com os dados do Escritório de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), com sede em Bruxelas. Existe ainda uma diferença brutal entre os países da região. Na Alemanha, o desemprego na faixa etária mais jovem da força de trabalho é de apenas 6,7%. Já em países como Grécia, Espanha e Itália a taxa ainda fica perto de 40%.

É verdade que uma parte dos jovens europeus não trabalha porque está estudando — fazendo um curso de graduação, de pós-graduação ou um treinamento profissional — ou porque prefere esperar uma oferta de trabalho melhor a aceitar uma vaga de baixa remuneração. Mas também existe um número inestimável de jovens que desejam trabalhar e simplesmente não conseguem uma vaga.

Essa situação preocupa os economistas por ser um sinal de que os países europeus terão não apenas um problema social maior nos próximos anos mas também econômico. Os estudos mostram que, quando um jovem chega à idade adulta e encontra dificuldade para se colocar no mercado de trabalho, os efeitos negativos persistem durante décadas. O jovem que fica muito tempo desempregado tem mais risco de receber salários mais baixos ao longo da vida ou de ficar desempregado novamente durante uma crise. Com um salário menor, ele também tem menos condições de consumir ou poupar, o que reduz o crescimento potencial da economia e aumenta os gastos sociais dos governos.

A situação é mais grave quando as taxas de desemprego entre os jovens ficam acima da média durante muito tempo, como é o caso de países como Espanha e Itália, que convivem com o problema há quase uma década. Dos 15 milhões de desempregados na zona do euro atualmente, 2,6 milhões têm de 16 a 25 anos.

Os governos da região vêm tentando  reduzir o desemprego e incentivar a contratação de jovens com reformas trabalhistas para permitir contratos de trabalho mais flexíveis e para reduzir os custos de contratação e de demissão. A reforma espanhola foi uma das mais radicais entre os países que fizeram mudanças.

Em 2012, o governo implementou uma nova lei trabalhista que praticamente pôs fim às limitações para a contratação de trabalhadores temporários e reduziu o custo das demissões dos chamados trabalhadores fixos. Antes da reforma, um trabalhador demitido sem justa causa tinha direito a uma indenização equivalente a 45 dias de salário por ano trabalhado. A indenização foi reduzida a 33 dias e limitada a 24 salários — o que ainda é bem generoso. Empresas com até 50 funcionários passaram a contar com deduções fiscais para contratar funcionários com até 30 anos.

Em Portugal, a reforma removeu muitas limitações ao trabalho temporário e permitiu que contratos de trabalho fossem renegociados com redução de salários. Alguns feriados deixaram de ser remunerados e os dias de férias foram reduzidos. Foi um caminho semelhante ao seguido pela Itália, com redução de jornadas e salários e a permissão de que horas extras fossem compensadas por sistemas de banco de horas.

Os críticos alegam que as reformas tornaram as condições de trabalho mais precárias para os europeus, uma vez que as empresas passaram a dar preferência à contratação de funcionários temporários em vez de empregados fixos, que têm benefícios sociais melhores. Como consequência, o salário médio caiu, reduzindo o poder de compra do mercado interno. É inevitável que as medidas gerem protestos e insatisfação de parte da população, como ficou claro no quebra-quebra de manifestantes durante o encontro do G20 em Hamburgo no início de julho.

Mas o fato é que, para os economistas, a Europa estaria em uma situação muito pior não fossem as reformas. Na Espanha, por exemplo, o desemprego chegou a um nível desolador de 26% em 2013. Hoje está em 17% e continua caindo. O PIB voltou a crescer num ritmo forte para os padrões do mundo desenvolvido. O Fundo Monetário Internacional prevê que, em 2017, a economia espanhola terá o terceiro ano seguido de expansão acima dos 2,5%.

A hora da educação

Passada a fase mais aguda da crise, agora os economistas discutem quais outras medidas poderiam ser tomadas para reduzir o nível de desemprego entre os jovens. Em um extenso trabalho acadêmico recente sobre o tema, Francesco Pastore, pesquisador do Instituto de Economia do Trabalho, na Alemanha, e professor na Universidade de Campania, na Itália, sugere que os países europeus façam reformas mais profundas focadas no sistema educacional.

Pastore afirma que é preciso adequar o currículo escolar às habilidades necessárias para o trabalho no mundo contemporâneo. O pesquisador sugere que os países europeus adotem um sistema educacional parecido com o da Alemanha, que combina o ensino tradicional em sala de aula com a formação profissional — parte do aprendizado dos estudantes alemães é complementada pelas empresas por meio de programas de estágio. “O sistema educacional tradicional tem sido pouco eficiente em oferecer aos jovens mais oportunidades de emprego. Com alguma adaptação para cada país, o modelo do sistema alemão pode ser uma saída”, diz Pastore.

Outra medida defendida pelo professor é que os países da União Europeia adotem uma política conjunta de investimentos públicos para promover a criação de vagas especialmente nas regiões periféricas da Europa, onde o desemprego entre os jovens é mais alto. As diferenças regionais ficam claras ao comparar os dados locais de cada país. Na Baviera, o segundo estado mais rico da Alemanha, o desemprego entre a população de 16 a 24 anos é de apenas 3,4%. Já na região italiana da Calábria, no sul do país, chega a 65%.

O baixo crescimento econômico nessas regiões menos desenvolvidas da Europa é crônico e a crise de 2008 só fez a situação piorar, impedindo uma geração de empregos mais forte. Na visão dos especialistas, um programa de estímulo da União Europeia poderia ajudar a reduzir esse abismo entre as regiões.

Enquanto isso não acontece, uma quantidade cada vez maior de jovens acaba aceitando empregos de menor qualidade, com contratos temporários ou de meio período, que têm remuneração menor — o que diminuiria o ímpeto da recuperação econômica europeia. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), é um dos que têm chamado a atenção para o problema.

Nos cálculos do BCE, a taxa de desemprego da zona do euro seria de 18% — o dobro da atual — se contabilizado o número de pessoas que pararam de procurar emprego ou que estão empregadas, mas gostariam de trabalhar mais. A crise na Europa pode ter acabado — daí a dizer que há motivo para celebrar, há uma distância e tanto.

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