Revista Exame

Janela de oportunidade

Qualifico 2025 apenas como uma ponte para o próximo ano, quando, depois das eleições, teremos a verdadeira discussão estrutural sobre as contas públicas brasileiras

O governo alimenta sua sanha arrecadatória, desviando de conversas difíceis, como se a economia não fosse feita de trade-offs e a política não exigisse escolhas (Akinbostanci/Getty Images)

O governo alimenta sua sanha arrecadatória, desviando de conversas difíceis, como se a economia não fosse feita de trade-offs e a política não exigisse escolhas (Akinbostanci/Getty Images)

Publicado em 26 de junho de 2025 às 06h00.

Tendo quase sido convidado para integrar a edição do reality show A Fazenda, aquela agregação de subcelebridades ou de algo ainda pior do que isso (é possível?), depois de escrever um livro pessimista sobre os caminhos do Brasil em 2014, não colocaria o otimismo entre meus vícios ou virtudes. Tampouco sou daqueles investigadores de detalhes escondidos na comunicação, como se o interlocutor ocultasse mensagens em um jogo de xadrez tácito em quatro dimensões.

Sigo a prescrição de João Ubaldo Ribeiro: “Há muita gente, gente demais, que lê nas entrelinhas, um perfeito exercício de imbecilidade, defesa neurótica contra a realidade ou, em inúmeros casos, o achar-se tão sabido que se acaba sendo besta. Não existe essa coisa de entrelinhas”.

Não há como tergiversar. A tentativa inicial de cobrir o rombo fiscal brasileiro com o aumento do IOF, bem como a rodada subsequente de recalibragem a partir do incremento de outros impostos, é ruim. Até porque, na contabilidade nacional, não há mesmo entrelinhas. Não adianta vasculhar sujeitos ou predicados ocultos. Só há linhas nos livros contábeis, e elas apontam um cenário bastante direto.

O governo alimenta sua sanha arrecadatória, desviando de conversas difíceis, como se a economia não fosse feita de trade-offs e a política não exigisse escolhas. O Executivo refuta a necessária agenda de corte de gastos. O Congresso dá sua parcela de (des)contribuição: mantém uma retórica em prol do controle das despesas, enquanto cresce seu próprio orçamento (uma atribuição do Executivo) por meio das cada vez maiores emendas parlamentares.

Embora o caminho adotado seja ruim, consideradas as opções reais disponíveis, encontro duas boas notícias nas mais recentes discussões. A primeira delas é que, a despeito da opção por, até o momento, rejeitar o controle das despesas, há um sinal inequívoco de algum tipo de preocupação com a preservação das contas públicas. Não no sentido de colocá-las em ordem, vale dizer. Mas de evitar um colapso ou uma ruptura iminente.

Talvez os mais críticos possam dizer que é pouco, possivelmente se frustrem diante de expectativas e necessidades mais ambiciosas. Não podemos, no entanto, incorrer em falsas esperanças ou projeções ingênuas. A sociedade fez sua opção por um governo mais à esquerda, mais social-democrata, de maior participação do Estado, em vez de uma opção pelo caminho liberal.

Como muito bem resumiu Gustavo Franco em coluna no Estadão, “uma vez estabelecida a indisposição do governo de diminuir o tamanho do gasto, o ministro ­Haddad procurou oferecer ao país a política fiscal menos irresponsável possível, consideradas as circunstâncias”. A seu modo, circunscrito à direção inexorável dada pelo chefe, o Ministério da Fazenda tenta impedir algum tipo de ruptura. Essa é boa notícia, consideradas as circunstâncias — perdoe a insistência na ressalva.

Qualifico 2025 apenas como uma ponte para o próximo ano, quando, depois das eleições, teremos a verdadeira discussão estrutural sobre as contas públicas brasileiras. Se se pretende evitar o shutdown (uma paralisação) do governo em 2027, haveremos de acertar as contas. A aritmética se impõe. Tomo emprestadas as palavras acertadas de Guilherme Benchimol, fundador da XP, em Congresso recente da ABVCAP: “Brasil hoje é buy opportunity. A foto é a pior possível, mas olhando o filme eu sou otimista porque a gente não tem outro caminho que não seja um ajuste nas contas públicas em 2027”. Para isso, é fundamental que cheguemos vivos até lá. A tal ponte até 2026 não pode ser destruída. Os esforços do ministro Haddad, nesse contexto, são positivos.

A segunda notícia construtiva é que se abriu uma rara janela de oportunidade para um verdadeiro debate em torno da política fiscal estrutural do Brasil. Diversos espectros da sociedade e agentes econômicos apontam, aberta e diretamente, o colapso fiscal brasileiro à frente, caso nada seja feito. Curioso como o próprio governo admite isso em suas projeções orçamentárias para 2027, que basicamente indicam a necessidade de despesas discricionárias negativas para a preservação do arcabouço fiscal, uma impossibilidade matemática, claro.

O sapo não pula por boniteza, mas por precisão. A real necessidade de fazer reformas, sob o risco de enfrentarmos uma grave crise, empurra na direção correta. Por ora, ganhamos tempo e empurramos o problema para a frente, quando, em 2026, o Brasil fará novamente uma escolha entre uma orientação mais social-democrata e outra de cunho mais liberal.

As últimas pesquisas eleitorais sugerem aumento da probabilidade do segundo caminho. Levantamento da ­Genial/Quaest explicita deterioração adicional da aprovação do presidente Lula e um empate técnico contra cinco candidatos da direita em intenções de voto, mesmo com cerca de metade da amostra consultada dizendo desconhecer alguns desses candidatos. Thomas Traumann, consultor de risco político, ao analisar a pesquisa, concluiu que Lula perdeu seu favoritismo para as eleições de 2026. Para fins de mercado, que associa uma vitória da oposição a um rali dos ativos de risco brasileiros, pois vê nos candidatos de centro-direita maior disposição de endereçar o problema fiscal e de adotar medidas pró-mercado, a notícia é relevante, capaz de esticar o rali recente do Ibovespa e do real em direção a um ciclo estrutural profundo e longevo.

A empresa de gestão de fortunas WHG fez um exercício sobre o que poderia representar essa alternância do ciclo de economia política em 2026 para o preço dos ativos. Num ­slide batizado Brasil — Avaliando os Extremos de Preços para 2026, seus especialistas sugeriram uma relação de Preço sobre Lucro para o Ibovespa saindo dos atuais 7,9x para 10,5x no cenário otimista, enquanto os lucros por ação subiriam 19%. Somando a isso os dividendos, chegaríamos a um retorno total até o final do próximo ano de 69%. Essa seria a média do índice, claro. Algumas ações específicas subiriam, nesse caso, muito mais do que isso: a Cosan poderia subir 298%. Os retornos prospectivos elevados não são exclusividade da renda variável. A rentabilidade potencial da NTNB de dez anos chegaria a até 44% nesse intervalo de tempo.

Os percentuais expressivos chamam atenção, por vezes podem suscitar ceticismo de imediato. O exercício, no entanto, pode ser considerado até conservador, se observarmos o histórico. Em outros momentos de grande otimismo, o Ibovespa chegou a negociar a 14x lucros. Em sendo o caso, o potencial para o índice acionário beiraria os 100%. Há uma grande janela de oportunidade aberta para o país. Descobriremos nos próximos meses se saberemos aproveitá-la ou se honraremos a máxima de ser a nação que não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Esse é o reality show que interessa.

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