Revista Exame

Investida (frustrada) da 3G pode ser início de reação em cadeia

Num mundo que cresce lentamente, o mantra dos brasileiros do 3G tem cada vez mais espaço. Prepare-se: mais negócios vêm por aí

Alexandre Behring, do 3G: à frente da tentativa — fracassada — de comprar a Unilever (Jason Cohn/Reuters)

Alexandre Behring, do 3G: à frente da tentativa — fracassada — de comprar a Unilever (Jason Cohn/Reuters)

CM

Cristiane Mano

Publicado em 17 de março de 2017 às 05h55.

Última atualização em 17 de março de 2017 às 05h55.

São Paulo — A tentativa frustrada de compra da gigante de alimentos e produtos de higiene Unilever pela americana Kraft Heinz, comandada pelos brasileiros do fundo 3G Capital, do empresário Jorge Paulo Lemann, durou apenas dois dias. Realizada em meados de fevereiro, a oferta de 143 bilhões de dólares foi refutada com veemência por Paul Polman, presidente mundial da companhia anglo-holandesa.

Mais do que o primeiro tropeço do fundo comandado pelo carioca Alexandre Behring, no entanto, especialistas acreditam que a investida pode marcar o início de uma reação em cadeia. Ninguém duvida que o 3G, com o apoio do megainvestidor Warren Buffett, embora temporariamente impedido pelas regras da bolsa britânica de fazer nova oferta à Unilever nos próximos seis meses, voltará a atacar. Ao mesmo tempo, a proposta colocou pressão sobre a própria Unilever e sobre as demais concorrentes, até agora empenhadas nas aquisições de empresas menores.

Se concretizado, teria sido um negócio sem paralelos no setor. E a segunda maior aquisição de todos os tempos — atrás apenas da compra da britânica Vodafone pela alemã Mannesmann, fechada por 172 bilhões de dólares em 1999. De acordo com a consultoria Euromonitor, o resultado seria a nova líder global em alimentos. Está claro que a ambição dos brasileiros é reproduzir no segmento de bens de consumo o que fizeram no de cervejas. Hoje, a AB InBev — comandada por discípulos de Lemann, sem vínculos com o 3G — produz 30% de toda a cerveja do mundo.

Desde que Lemann e seu grupo arremataram duas marcas tradicionais no setor de alimentos americano — primeiro a Heinz, em 2013, e dois anos mais tarde a Kraft — havia uma banca de apostas sobre o próximo alvo. A favorita, no palpite dos analistas, era a também americana Mondeléz, dona das marcas de chocolate Cadbury, com valor de mercado de 65 bilhões de dólares. Um alvo tão grande quanto a Unilever, cujo valor de mercado equivale a uma vez e meia o da Kraft Heinz, não estava no radar.

A tentativa frustrada não denota apenas a ambição megalomaníaca de um punhado de brasileiros. Mas também reflete um contexto especialmente favorável a negócios dessa natureza. Megafusões vêm sendo insufladas nos últimos anos por basicamente dois fatores. Um deles é uma taxa de crescimento mundial persistentemente lenta. O outro tem sido o antídoto aplicado pelo governo de países desenvolvidos com o intuito de combater o primeiro: dinheiro barato, com juros baixos.

Nesse ambiente, a fórmula para crescer é exatamente a do 3G — cortar custos e comprar rivais de peso. Não à toa, o volume de fusões e aquisições mantém níveis recorde. Em 2016, os negócios somaram 3,8 trilhões de dólares, segundo a empresa especializada Dealogic. É o quarto maior da história, apesar de 18% inferior em relação a 2015 — em que se registrou o recorde de todos os tempos. “A onda deve continuar neste ano”, diz Chunshek Chan, analista-chefe da Dealogic.

Para as empresas, abrir mão desse artifício hoje representa correr o risco da estagnação. Uma análise recente do McKinsey Global Institute, braço de pesquisa e análises da consultoria de estratégia McKinsey, mostra que 81% da população americana tem uma renda igual ou inferior à que tinha na última década. Na Inglaterra, essa taxa chega a 70%. Na Itália, a impressionantes 97%. O baixo crescimento assombra especialmente o mercado de alimentos, que também sofre com a fuga de consumidores para alternativas mais saudáveis. As chances de crescimento orgânico, portanto, diminuem.

O volume de vendas de empresas americanas desse setor vem diminuindo mesmo com a queda nos preços, de acordo com a empresa de pesquisa Sanford C. Bernstein. Em fevereiro, o novo presidente da suíça Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, assumiu publicamente não ser capaz de atingir a meta de expandir as vendas no patamar anual de 5% — meta, aliás, que não foi batida nos últimos quatro anos. O alemão Ulf Mark Schneider, que ocupa o cargo desde janeiro, comprometeu-se a chegar a uma taxa média de 3% ao ano até 2020 — e afirmou que aquisições estão na mira. Em fevereiro, Emmanuel Faber, presidente mundial da francesa Danone, prometeu cortar 1 bilhão de euros em custos até 2020.

A presença dos brasileiros do 3G, em grande parte, tem funcionado como um catalisador dessas mudanças. A eles, na verdade, coube dar o exemplo. Cada vez mais investidores interessados em ver os reflexos da fúria espartana em todo o setor pressionam pela multiplicação de medidas nessa linha. Quase dois anos após a integração entre Kraft e Heinz, cerca de 8 000 pessoas foram demitidas — algo como 20% do total de funcionários. Hoje, a empresa tem índices de eficiência superiores à média do mercado.

Enquanto a Kraft Heinz tem uma margem de lucro operacional no patamar de 25%, a Unilever registra algo em torno de 15%. O sinal de aprovação está no valor de mercado da companhia, que saltou de 60 bilhões de dólares para 110 bilhões. Diante de tudo isso, até Polman anunciou recentemente a adoção da metodologia de corte de custos agora celebrizada pelos discípulos de Lemann, o orçamento base zero, conhecido como OBZ, em parte do negócio.

Um efeito semelhante poderá acontecer no que se refere às ofertas de fusões e aquisições daqui para a frente. Em fevereiro, a britânica Reckitt Benckiser, dona de marcas como o produto de limpeza Lysol, comprou a americana Mead Johnson, especializada em nutrição infantil, por 16,6 bilhões de dólares. O tropeço dos brasileiros também servirá de alerta. Um erro, assumido pelo próprio Warren Buffett, foi ter interpretado que a Unilever estava disposta a negociar. Segundo ele, Behring encontrou-se com Polman meses antes. “Ele entendeu que havia interesse em negociar. Não pretendíamos fazer uma oferta hostil”, afirmou Buffett à rede de TV americana CNBC.

Um dos efeitos negativos foi a perda de tempo, já que o 3G terá de esperar a quarentena imposta pelas leis britânicas, pelo menos, para retornar a seu alvo inicial. Tempo, nesse caso, pode literalmente custar dinheiro. A sinalização de que o Federal Reserve, banco central americano, pretende aumentar as taxas de juro neste ano pode representar o fim de uma era de financiamento barato. Isso não muda o fato de que o mundo parece, por um bom tempo, destinado a crescer lentamente. Tampouco o apetite dos brasileiros, que está longe de acabar.

Acompanhe tudo sobre:Fusões e AquisiçõesJurosMcKinseyUnilever

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon