Revista Exame

Investidores intrusos, incômodos e poderosos

Eles são donos de pequenos pedaços das empresas, mas querem mandar nelas mesmo assim. Bastante comum nos Estados Unidos, o investidor "ativista" já chegou ao Brasil

O americano Peltz: ele quer mandar na Heinz

O americano Peltz: ele quer mandar na Heinz

DR

Da Redação

Publicado em 9 de março de 2011 às 20h24.

Nas últimas semanas, o mercado americano vem assistindo a uma incrivelmente barulhenta briga entre acionistas e executivos. De um lado, o conselho de administração e o presidente da Heinz, uma das maiores e mais tradicionais fabricantes de alimentos dos Estados Unidos. Do outro, o polêmico investidor Nelson Peltz, que comprou 5,5% das ações da empresa nos últimos meses. O motivo da disputa é a eleição do novo conselho da companhia.

Insatisfeitos com a estratégia da Heinz e de olho na potencial valorização no preço das ações, Peltz e seu fundo de investimento, o Trian, fizeram em julho uma feroz campanha pública para eleger cinco de seus representantes para o conselho de administração. O troco da Heinz veio poucas semanas depois e assumiu proporções incomuns. A companhia comprou páginas inteiras de anúncio nos principais jornais do país (entre eles o Wall Street Journal) e desancou Peltz e seus sócios, taxando-os de desqualificados e preocupados apenas com os próprios interesses, e não com os da Heinz. A eleição do conselho aconteceu em meados de agosto, mas só em 15 de setembro será divulgado o vencedor da batalha.

Aos 64 anos, Nelson Peltz faz parte de um grupo peculiar e cada vez mais importante de investidores, conhecidos nos Estados Unidos como "ativistas". Sua estratégia de investimento é quase sempre a mesma. Eles escolhem empresas que valem menos do que poderiam (pelo menos em tese) e começam, muito discretamente, a acumular suas ações. Tudo é feito na surdina, até que, num belo dia, os ativistas surpreendem o mercado ao anunciar que acumularam uma participação que lhes garante assentos no conselho de administração -- e é aí que começam a aterrorizar os executivos.

Ao contrário de outros investidores institucionais, que não palpitam agressivamente nos rumos da companhia em que colocam seu dinheiro, os ativistas são conhecidos pela capacidade de arrumar confusão. Logo depois de anunciar a entrada no capital de uma empresa, eles iniciam campanhas públicas pedindo as mais diversas mudanças. Nas mais amenas, clamam por desvios de rumo nas estratégias das companhias. Nas mais drásticas, pedem a cabeça do presidente da empresa-alvo numa bandeja. Peltz é uma espécie de caçula dessa turma. Seus mais ilustres colegas são Kirk Kerkorian (de 89 anos) e Carl Icahn (de 70), ambos com fortunas pessoais que beiram os 10 bilhões de dólares.


Já existem no Brasil investidores com perfil semelhante ao dos ativistas americanos -- um número ainda irrisório, mas que tende a crescer em razão do reaquecimento do mercado de capitais. Dois deles se destacam pela ousadia e pelo sucesso de alguns de seus investimentos: o coreano Mu Hak You e o paulista Silvio Tini de Araújo. Em seus negócios mais conhecidos, Mu Hak e Tini se tornaram grandes acionistas de empresas que tiveram valorizações expressivas, a Lojas Americanas e a Alpargatas.

Em meados dos anos 90, quando as ações da Lojas Americanas eram negociadas por cerca de 2 reais, o coreano Mu Hak decidiu investir na companhia. Começou a comprar, literalmente, todas as ações ordinárias (com direito a voto) que encontrava pela frente. Quando os controladores da empresa -- ninguém menos que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira -- acordaram, Mu Hak já tinha direito a uma vaga no conselho de administração da Lojas Americanas. "Eles ficaram tão irritados com a obrigação de dividir as decisões com alguém de fora que, desde então, todas as suas empresas monitoram detalhadamente a negociação das ações", diz um executivo próximo aos três investidores.

O golpe de mestre do coreano, no entanto, viria em 2004, quando Lemman, Telles e Sicupira decidiram comprar todas as ações da Americanas.com, então uma empresa independente. "A intenção deles era valorizar as ações da empresa-mãe com o potencial de crescimento da loja online", diz um dos ex-sócios da Americanas.com. Todos decidiram vender suas ações, exceto a AIG e alguns executivos que deixavam a empresa, entre eles Richard Lark, hoje diretor financeiro da Gol. Foi quando, mais uma vez discretamente, Mu Hak decidiu fazer uma proposta quase três vezes superior à dos controladores.

Ele levou a fatia da AIG e as dos executivos, o que, segundo os ex-sócios, enfureceu os fundadores do Garantia. O resultado é que somente em julho a Americanas.com foi incorporada à Lojas Americanas. E o coreano, que comprou sua fatia na loja online por cerca de 15 milhões de dólares, ganhou aproximadamente 300 milhões de reais em apenas dois anos. Seu investimento na empresa-mãe também se provou extremamente bem-sucedido. As ações que ele comprou por 2 reais há dez anos valem hoje 90 reais.


Como eles se comportam
Veja como alguns minoritários perturbam grandes empresas - no Brasil e no exterior
Empresa Minoritário Atitude
Timewarner Carl Icahn Vem fazendo feroz campanha pública para que o conglomerado seja quebrado em quatro
Heinz Trian Group Em julho, liderou ofensiva para conquistar cinco assentos no conselho e mudar a estratégia da empresa
Alpargatas Silvio Tini Recentemente, impediu que o caixa da empresa fosse unido ao da controladora, a Camargo Corrêa
Lojas Americanas Mu Hak You Acumulou ações e conseguiu um assento no conselho, contra a vontade dos controladores
Fontes: empresas e acionistas

O paulista Silvio Tini é o mais antigo representante do clube dos investidores ativistas brasileiros. Há mais de 20 anos ele vem investindo em empresas abertas. Hoje, Tini tem participações relevantes em empresas como Paranapanema, Bombril e Alpargatas. Desde 2004, ele tem direito a dois assentos no conselho de administração da Alpargatas (os outros quatro são da controladora, a Camargo Corrêa). Tini teve de enfrentar o desafio de ser o único minoritário a dividir o conselho com um gigante como o conglomerado paulista.

"Demorou um ano e meio para eles começarem a me tratar como eu acho que deveriam", diz Tini. Uma das maiores disputas entre os sócios aconteceu no início deste ano. A Camargo Corrêa propôs a Tini que os caixas da Alpargatas e da controladora fossem unidos -- mas o incômodo minoritário não deixou. "Resolvemos o assunto na conversa, mas, se precisasse, eu iria à Justiça defender minha posição", diz Tini. Ele tem experiência no ramo. No ano passado, foi aos tribunais para reivindicar a transformação de suas ações prefe renciais da Bombril (10% do capital da companhia) em ordinárias. O caso ainda não foi decidido.


A multiplicação de ativistas é um dos mais espantosos fenômenos do capitalismo atual. A maior novidade tem sido o surgimento de uma nova geração de investidores que começa a dar as caras, especialmente nos Es tados Unidos: são os hedge funds ativistas. Segundo um estudo da consultoria Hedge Fund Research, esses fundos administram mais de 1,2 trilhão de dólares apenas nos Estados Unidos. Ou seja, qualquer empresa aberta pode ser alvo. O peso desses investidores é tão grande que alguns estudiosos temem que os ativistas causem efeitos nocivos no capitalismo americano.

O advogado Martin Lipton, célebre por ter inventado as pílulas envenenadas que protegem as empresas contra ofertas hostis, afirmou que os ativistas representam o início de uma espécie de ditadura dos acionistas -- forçando os executivos a pensar no curto prazo para obter rápidos ganhos financeiros. A capacidade de definir estratégias de médio e longo prazos, fundamental para a saúde das empresas, fica comprometida pelo apetite dos ativistas, defende Lipton.

O mercado, no entanto, parece gostar dos minoritários barulhentos. Um estudo do Citigroup mostrou que as ações das empresas sobem em média 10% depois que o ativista torna público seu investimento. "A chegada de um ativista pode representar a chicotada de que uma administração incompetente precisa", diz um executivo de um banco de investimento. "O acionista minoritário, claro, adora que isso aconteça." Tome-se o que ocorreu com a própria Heinz. Desde que Peltz anunciou seus planos, as ações subiram mais de 20%. E os lucros da companhia também aumentaram. Segundo alguns analistas, os bons resultados foram conseqüência, em boa medida, da adoção de estratégias defendidas pelo próprio Peltz.

Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, os investidores ativistas brasileiros não enfrentam publicamente os executivos das empresas pedindo mudanças estratégicas. O motivo para esse comedimento é simples: a via do confronto só faz sentido quando a empresa tem controle pulverizado e os ativistas podem convencer um conjunto de minoritários a adotar suas idéias e votar por elas nas assembléias.

No Brasil, as decisões são tomadas entre quatro paredes pelos controladores. "Não adianta nada brigar com controlador", diz Bruno Levacov, sócio do Investidor Profissional, firma de investimentos com perfil ativista e participações em companhias como Saraiva e Ponto Frio. Os fundos brasileiros, então, centralizam seus esforços no avanço da governança corporativa e num melhor relacionamento com o mercado -- medidas que também podem se refletir na alta das ações. Mas isso tende a mudar nos próximos anos, com o surgimento de empresas pulverizadas, como Renner e Submarino, que abrem espaço para os minoritários barulhentos. "Com a evolução do mercado brasileiro, nossos ativistas vão se aproximar do perfil americano", diz Levacov.

Acompanhe tudo sobre:AlpargatasAmericanasaplicacoes-financeirasB2WBilionários brasileirosCalçadosCarl IcahnCarlos Alberto SicupiraComércioEmpresáriosEmpresasEmpresas americanasEmpresas brasileirasFundos de investimentograndes-investidoresJorge Paulo LemannKraft HeinzMarcel TellesMercado financeiroPersonalidadesRoupasVarejo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda