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Da Redação
Publicado em 6 de setembro de 2011 às 08h32.
Em sua história, os Estados Unidos sempre procuraram subjugar seus vizinhos, seja por meio da conquista de fronteiras, seja pela conversão dos indivíduos a seus ideais políticos e econômicos. Os americanos entendiam que tais esforços redundariam em benefícios para a condição humana ao promover a liberdade pessoal, a prosperidade e as perspectivas -- internas e externas -- de paz. Se todos compartilhássemos os mesmos ideais democráticos e as mesmas oportunidades econômicas, as chances de vivermos juntos em harmonia seriam maiores.
Há um ano, porém, aprendemos que há limites para essa busca. O episódio de 11 de setembro foi como o último suspiro dos anos 90 -- um período cujo otimismo ilimitado dera lugar à ingenuidade. O horror de 11 de setembro lembrou-nos de que o mundo não pode ser moldado facilmente. Redescobrimos os fanatismos desenfreados, os ressentimentos cruéis e a falta mútua de confiança. Um mundo menor não é necessariamente mais seguro. As coisas que defendíamos -- a difusão da tecnologia, a abertura das fronteiras -- aumentaram nossa vulnerabilidade.
Suspeito de quaisquer outras "lições" que possam ser tiradas da tragédia de 11 de setembro além dessa que mencionei. Ainda estamos muito próximos dos acontecimentos para avaliar seu verdadeiro significado. Desconfio principalmente das pesquisas que mostram como a psicologia nacional e a política teriam mudado desde o atentado. Tais resultados não passam, o mais das vezes, de factóides duvidosos.
É o caso, por exemplo, de uma pesquisa realizada recentemente pelo Pew Center for the People and the Press. De acordo com os dados obtidos, 11% dos entrevistados conheciam "alguém que se feriu ou morreu durante os ataques". Ora, o número de vítimas foi de aproximadamente 3 000, e 11% da população americana corresponde a 30 milhões de pessoas. Isso significa que cada uma das vítimas teria conhecido cerca de 10 000 pessoas, o que é pouco provável.
É claro que os eventos de 11 de setembro tiveram efeitos muito palpáveis. Vivemos o despertar de intenso patriotismo. Houve uma escalada de gastos militares (de 306 bilhões de dólares em 2001 para aproximadamente 347 bilhões de dólares em 2003). O índice de aprovação do presidente Bush disparou (chegou a 92%, de acordo com levantamento feito pelo Washington Post, embora hoje seja de 69%).
Acrescentamos ao nosso vocabulário a expressão "segurança da pátria". Houve mudanças na política interna e externa. Antes de 11 de setembro, a grande questão era saber se a China devia ser vista como "inimiga" ou "rival". Agora, isso acabou. A política de imigração, quase sempre em segundo plano, ganhou o centro das atenções.
Todavia, o mais surpreendente de tudo é perceber como as coisas mudaram tão pouco em relação ao ano passado. Para a maior parte dos americanos, a vida continua como sempre foi. Poucos fizeram algum tipo de sacrifício. O recrutamento foi nulo e a mobilização pequena. Cerca de 130 000 reservistas foram convocados e, de acordo com o Pentágono, 76 658 continuam na ativa. Os impostos não subiram. Com exceção de algumas indústrias (empresas aéreas, turismo) e da cidade de Nova York, a economia pouco sofreu. A recessão de 2001 começou antes de 11 de setembro. As fraquezas persistentes da economia são reflexo principalmente da ressaca decorrente do clima de especulação no mercado acionário e do excesso de investimentos corporativos de fins dos anos 90. Para a maior parte dos americanos, o único prejuízo real resumiu-se ao inconveniente de check-ins mais demorados nos aeroportos.
Os ataques revelaram nosso grau de resistência e de vulnerabilidade. Não foi só o ânimo nacional que resistiu bravamente. Foi igualmente surpreendente constatar a solidez de inúmeros sistemas críticos de suporte. Não há dúvida de que o colapso do World Trade Center instalou o caos nas finanças. Sistemas vitais de comunicação ficaram prejudicados ou foram destruídos. Bancos e corretoras foram afetados. Bilhões de dólares em transações comerciais jamais foram concluídos. Contudo, o Federal Reserve (Fed) liberou cerca de 100 bilhões de dólares em créditos temporários até que as contas fossem restabelecidas. As falhas de comunicação foram sanadas -- ou remediadas -- rapidamente.
O fato de que o país foi capaz de suportar ataques desse porte sem se desmantelar pode servir de barreira a futuras investidas do terror. O medo da retaliação, como no caso do Afeganistão, pode levar outros países a policiar as atividades dos terroristas. Talvez não. O que ninguém pode afirmar é se os acontecimentos de 11 de setembro assinalaram o começo do fim do terrorismo mundial ou se as ameaças teóricas se tornarão realidade um dia.
Isso porque não estamos em guerra no sentido tradicional do termo, apesar de toda a retórica "bélica". Não há um adversário específico que, depois de eliminado, ponha fim automaticamente à ameaça do terror. Mesmo que o corpo de Osama bin Laden aparecesse amanhã -- e todas as células da Al-Qaeda fossem dizimadas --, nada impediria que outros utilizassem as técnicas terroristas: Estados dominados por bandidos, fundamentalistas religiosos, nacionalistas extremados, anarquistas, ambientalistas radicais. As possibilidades são infinitas.
O significado do 11 de setembro depende obviamente também do que acontecer no Iraque. Aqui, é igualmente muito pouco o que sabemos. O governo insiste em que Saddam Hussein seja deposto porque muito em breve ele poderá adquirir armas nucleares. No entanto, são poucos os indícios de que isso seja possível. Os críticos de Bush afirmam que a guerra criará mais problemas em vez de resolver os que já existem. Saddam poderá usar armas químicas ou biológicas, e os países vizinhos ficariam desestabilizados. O preço do petróleo subiria. Contudo, esses mesmos críticos presumem, sem provas, que Saddam não teria armas nucleares -- o que seria uma catástrofe se estiverem errados. Ambos os lados confiam em palpites.
Estamos imersos em hipóteses. Só elas nos dirão, no momento em que se concretizarem ou não, se os eventos de 11 de setembro foram um marco na história nacional ou apenas uma tragédia isolada. Não há como sabermos, essa é a questão. Muitos anos atrás achávamos que sabíamos. Pensávamos ter nas mãos um mundo que podíamos moldar à nossa imagem. Era miragem.