Revista Exame

Ingleses querem investir no Brasil, mas encontram barreiras

O governo brasileiro procura investidores para a infraestrutura. Os britânicos têm o dinheiro. Mas ninguém do Brasil foi procurá-los ainda

EXAME.com (EXAME.com)

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Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 10h26.

Última atualização em 2 de agosto de 2017 às 16h30.

São Paulo – Há algo de ancestral no trabalho do britânico Alderman Alan Yarrow, o Lord Mayor, prefeito da City, como é chamado o distrito financeiro de Londres, no Reino Unido.

Ele foi eleito para o cargo no final do ano passado, numa eleição entre os integrantes de organizações que descendem das guildas, como eram chamadas as associações de profissionais formadas na Idade Média — o mandato é de um ano, com possibilidade de uma única reeleição.

Em algumas de suas aparições públicas, Yarrow também precisa vestir uma indumentária que parece saída de um livro de história, incluindo tricórnio, capa e colar. Suas atribuições, porém, são bastante contemporâneas: percorrer o mundo para fechar acordos e fortalecer as relações com empresas e países que podem receber investimentos de bancos e instituições financeiras com sede na City.

Nesta entrevista a EXAME, Yarrow diz que os britânicos têm interesse em investir no Brasil, em setores como o de infraestrutura. Há, no entanto, obstáculos a superar. O maior deles: a aparente falta de interesse brasileiro em atrair os trilhões de dólares administrados pelos bancos e corretoras londrinos.

EXAME - Os investidores britânicos estão à procura de oportunidades no Brasil?

Yarrow - Sim. Os gestores de bancos e instituições financeiras com sede no distrito financeiro de Londres administram trilhões de dólares. Eles procuram ativamente, no mundo todo, oportunidades para aplicar esses recursos. Mas a verdade é que não há conhecimento suficiente sobre as oportunidades que existiriam para os investidores britânicos no mercado brasileiro.

Vou dar um exemplo. Fiquei sabendo que a presidente Dilma Rousseff foi recentemente aos Estados Unidos apresentar o segundo Programa de Investimentos em Logística (PIL), um conjunto de obras de in­­­fraes­­trutura nas quais devem ser investidos 68 bilhões de dólares.

O plano, porém, ainda não foi sequer apresentado no Reino Unido. Estamos esperando chegar até nós. O Brasil tem uma pro­ximidade histórica com nosso país. Essa relação foi forte no século 19 e depois acabou murchando. Precisamos fortalecer de novo esses laços.

EXAME -  O novo PIL traz avanços em relação ao anterior?

Yarrow - Ainda não dá para dizer. Aguardo para ver se o governo brasileiro vai adotar padrões globais para a gestão do projeto. Explico: o que os investidores esperam é que sejam definidas regras claras para as disputas das concessões e para a governança do projeto. A primeira versão do plano tinha deficiências nessas áreas.

Se as falhas não forem corrigidas, será mais difícil que o programa tenha bons resultados e contribua para tirar do papel os projetos de infraestrutura. No entanto, como em todas as áreas da vida, as pessoas podem melhorar se aprenderem com seus erros.

Existem muitas empresas britânicas no Brasil, em ­áre­­­­as como telecomunicações e combustíveis. Mas podem vir muito mais para atuar no setor de infraestrutura. Basta tornar as concessões mais ­atraentes para o mercado.

EXAME - Como os estrangeiros veem a economia brasileira hoje?

Yarrow - O Brasil tornou-se muito dependente da exportação de matérias-primas, cujos preços estão em queda no mercado internacional. É preciso que o país se livre dessa dependência. Para isso, a infraestrutura precisa melhorar.

Transportar algo produzido no Norte ou no Nordeste do país para o Sul às vezes custa mais do que importar uma mercadoria semelhante produzida no Reino Unido. Quando esse tipo de situa­ção acontece, algo está errado.

EXAME - E como isso se reflete no interesse dos investidores?

Yarrow - A economia do Brasil sofre com a queda nos preços internacionais das matérias-primas. O movimento dos preços contribui para aprofundar os desequilíbrios da economia local. O Brasil tem também um governo que gasta mais do que arrecada.

Nada disso favorece a criação de um bom ambiente para atrair investidores interessados em obter resultados de longo prazo. Uma das áreas que sairiam beneficiadas é a de infraestrutura, na qual é preciso planejar para anos à frente.

EXAME - Ainda assim, este é um bom momento para investir no Brasil?

Yarrow - É hora de observar o que vai acontecer no futuro próximo. Várias questões políticas e econômicas ainda preocupam os investidores, especialmente no que diz respeito aos desdobramentos das investigações sobre a corrupção na Petrobras. O mais crítico: o Poder Judiciá­rio é independente e vai investigar o caso até encontrar a verdade?

Eu acredito que sim. Esse é um teste para a seriedade da Justiça do país. Mas será necessário aguardar para ver como as coisas vão evoluir. Creio que não seja bom para o Brasil que os investimentos venham neste momento. Neste clima de incerteza, os preços dos ativos tendem a cair — e eles poderão valer mais no momento em que a estabilidade retornar.

EXAME - É difícil fazer negócios no Brasil?

Yarrow - Sim. Uma das dificuldades é compreender o mercado brasileiro. A existência de regras bem definidas tornaria mais atrativo o investimento no país. É preciso ter uma regulamentação mais clara e contar com um Judiciário independente.

Nos últimos anos, o governo aumentou sua presença na economia. Deu errado. A atitude tem de mudar, porque o Brasil compete com outros mercados pelo dinheiro dos investidores. E essa mudança cabe ao governo.

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