Revista Exame

Influência de propósito: o marketing no olhar de Lourenço Bustani

A publicidade e o marketing de influência precisam estar alinhados com as demandas socioambientais de hoje, defende Lourenço Bustani, fundador da consultoria Mandalah, que ajuda companhias a se reinventar

Lourenço Bustani: o consultor criou um braço da Mandalah focado em liderança e gestão (Divulgação/Divulgação)

Lourenço Bustani: o consultor criou um braço da Mandalah focado em liderança e gestão (Divulgação/Divulgação)

DS

Daniel Salles

Publicado em 28 de abril de 2022 às 05h14.

Última atualização em 29 de abril de 2022 às 18h52.

Com cabelos compridos, fala pausada e ar sereno, Lourenço Bustani virou uma espécie de guru para companhias como Vivo, Heineken, Gerdau, Nike, Ambev, Unilever, Itaú e Natura. Todas constam da lista de clientes da Mandalah, consultoria fundada por ele em 2006. Eleita uma das dez companhias mais inovadoras de 2021 pela revista americana Fast Company, ela ganhou fama ao ajudar empresas a encontrar outros propósitos que não o lucro. Hoje com escritórios em São Paulo, Tóquio, Cidade do México, Portland, Berlim e Nova York, também propõe ajustes na cultura corporativa e mudanças de marca e de comunicação.

No ano passado, em parceria com o médico Paulo Chapchap, ex-diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, a consultoria ganhou um braço focado em CEOs e presidentes de conselhos de administração. É a Mandalah Liderança. Um dos CEOs da Mandalah — o outro é Victor Cremasco, seu sócio —, Bustani conversou com a EXAME CEO por chamada de vídeo de sua casa na Granja Viana, na Grande São Paulo. Na conversa, comemorou o fato de que a busca por propósitos sociais se intensificou com a pandemia. Mas também reclamou da atuação da publicidade e do marketing de influência — que precisam se engajar mais em causas socioambientais, defende ele — e alertou para o que chama de “ESGwashing”.

Quer investir na bolsa e não sabe como? Aprenda tudo com a EXAME Academy

As demandas dos clientes da Mandalah mudaram com a pandemia?

Ela colocou quase todo mundo, incluindo as empresas, numa espécie de crise existencial. E a beleza desse fenômeno é que ele transformou as discussões a respeito do propósito das companhias em uma prioridade. Num momento de crise, afinal, quando tudo vai para o alto e só há incertezas, é o propósito que faz as vezes de bússola. Recebemos muitas demandas na pandemia de companhias interessadas em entender melhor qual foi o propósito que as nortearam nesse período. Também fomos procurados por empresas sem muita inserção na sociedade, mas que se deram conta da importância estratégica disso. Propósito deixou de ser visto como uma conversinha encantadora de CEOs. Agora é um orientador de negócios e um retentor de talentos. Porque, com a pandemia, muita gente passou a se perguntar o seguinte: até que ponto as minhas horas trabalhadas estão contribuindo com o mundo em que vivemos?

O ESG virou sigla obrigatória para as grandes empresas, mas ele envolve questões muito amplas e distintas. Que pontos ainda são pouco observados?

O pé frágil desse tripé é mesmo a governança. É o que garante que as conquistas não sejam efêmeras. E que dá cobertura para diversas decisões difíceis, que miram o longo prazo. Porque, inúmeras vezes, ESG significa abrir mão de lucro no curto prazo para garantir ganhos mais sustentáveis no futuro. É uma virada de chave difícil para quem é míope e tem uma visão muito obtusa e gananciosa. Exige pensar não só em si mas nas próximas gerações. Temos a obrigação moral de deixar o mundo melhor para elas. Melhor, aliás, já é impossível. Deixemos o menos pior possível.

Até onde a publicidade ajuda e até onde atrapalha o ESG?

A publicidade é uma grande oportunidade perdida. Se fosse direcionada para conscientizar a sociedade de que precisamos mudar nossos hábitos de consumo, as mudanças necessárias viriam muito mais rapidamente. Mas a publicidade, tirando exceções, continua a promover o consumo desenfreado e insustentável, sem discernimento. Está fora de sintonia com os problemas do planeta.

E de que forma o marketing de influência, cada vez mais forte, pode contribuir com a sociedade?

O problema é a falta de discernimento dos influenciadores. Claro que há nomes bem intencionados, que dão visibilidade a causas indígenas, defendem os animais, posicionam-se sobre as desigualdades de gênero e a questão ambiental, por exemplo. Existem muitos influenciadores comprometidos com temas que afetam o bem-estar da população e a preservação e a regeneração do planeta. Mas são minoria, e não os com maior número de seguidores. Outra oportunidade perdida.

As empresas deveriam recorrer mais ao marketing de influência para reverberar o impacto social que promovem?

A lógica mais sustentável é a inversa: a partir do impacto que as companhias promovem, os influenciadores dão visibilidade, por conta própria, ao que elas fazem. Deixo aqui uma dica clara para as empresas: foquem menos o reconhecimento e mais a ação em si. O reconhecimento virá por tabela, do jeito certo, na hora certa.

Como os influenciadores podem contribuir para a busca das companhias por propósito?

Não vejo o propósito de uma empresa sendo definido a partir dos olhares de influenciadores. O propósito de uma companhia nasce na sua história de origem, ganha vida no que ela é hoje e evolui a partir do que ela quer se tornar no futuro. Além disso, o propósito responde a uma ambição interna e a uma demanda externa. É como Aristóteles dizia: “Onde as necessidades do mundo e os seus talentos se cruzam, aí está a sua vocação [ou propósito”.

De que forma a Mandalah faz uso dos influenciadores?

São uma das inúmeras fontes de pesquisa na hora de decodificarmos o zeitgeist, o espírito do tempo. Dito isso, a hegemonia que as marcas estão dando aos influenciadores é oportunista.

Dar preferência aos influenciadores com propósito não seria a escolha mais sensata?

Depende do que é valorizado pelas grandes marcas. Muitas delas nem sequer têm um propósito que não seja enriquecer acionistas no curtíssimo prazo e a qualquer custo. Outras têm um propósito que se restringe a uma frase clichê num relatório anual. São poucas as empresas que de fato vivem um propósito nobre com coerência. Que olham para todos os stakeholders de seu ecossistema numa visão regenerativa de longo prazo. Para as que fazem parte desse grupo, aliar-se com influenciadores que lutam pelas mesmas causas pode fazer sentido. Mas só se for para potencializar o impacto, e não apenas para ganhar popularidade nas redes sociais.

Buscar uma consultoria para achar um propósito que não só o lucro não é um mau sinal?

Não, porque o propósito envolve a origem da companhia, o momento que ela está vivendo e o que ela quer ser no futuro. Não pode ser arbitrário nem é tão fácil de pescar ou de colocar em palavras. Exige um trabalho de arqueo­logia e de concatenação que precisa de uma facilitação — ainda mais em se tratando de empresas muito grandes, com muitas vozes, espalhadas geograficamente, ou daquelas que são fruto de fusões e aquisições. Achar o denominador comum e entender como o propósito se traduz para cada stakeholder é um trabalho complexo. Se não for feito com certo rigor, o resultado é muito superficial. Tem de haver autenticidade e profundidade. Afinal, não basta simplesmente aspirar um propósito. É preciso defendê-lo na prática, no dia a dia.

Outdoors em Nova York: a publicidade deve ser direcionada para mudanças de hábitos de consumo (Arturo Holmes/Getty Images)

As companhias não deveriam definir seus propósitos antes de abrir as portas?

É caso a caso. Trabalhamos com muitas start­ups que definiram seus propósitos antes mesmo de iniciar as operações. Fizeram isso porque sabiam que eles servem de baliza para qualquer decisão estratégica. Eles ajudam a companhia a não ser “pivotada” toda hora na esperança de que as coisas deem certo. Evita tiros para tudo que é lado e dão consistência aos processos decisórios. É muito legal iniciar a jornada já com isso definido. Mas as empresas são entidades orgânicas. O propósito de qualquer pessoa muda ao longo da vida. Nos adaptamos às circunstâncias externas e ao nosso autoconhecimento. Com as companhias não é diferente. Mesmo que tenham feito uma reflexão lá no início, uma nova talvez seja necessária.

É enorme o número de companhias que anunciaram metas rumo à neutralidade de carbono, muitas delas às vésperas da COP26 e com prazos inócuos. Até a China afirmou que vai liquidar as emissões do poluente, embora só em 2060. Estamos diante de uma nova onda de greenwashing?

O que vivemos é uma onda gigantesca de “ESGwashing”, talvez maior do que a do green­washing, surgida na época em que a sustentabilidade entrou para a ordem do dia. Os cientistas apontam para um apocalipse climático, que virá até o fim do século, e a reação das empresas a isso é incongruente. A mobilização atual não é suficiente para reverter a tendência em curso. Firmar um compromisso rumo à neutralidade de carbono é muito fácil, mas as metas não estão sendo alcançadas. Estão ficando no discurso.

No ano passado, a agência ganhou um braço focado nos tomadores de grandes decisões, a Mandalah Liderança. Por quê?

A ideia nasceu da constatação de que CEOs e presidentes de conselho sofrem pressões de todos os lados. Da própria família, que sempre exige mais tempo de convivência; das instâncias de governança; dos liderados; e ainda há o mercado de capitais, que cobra resultados. E os líderes precisam se mostrar muito fortes, resilientes e assertivos. Resolvemos, portanto, ampará-los. Para que não se sintam tão sozinhos, possam se vulnerabilizar em algum momento. O objetivo do processo de autoconhecimento que desenhamos é fazer deles não só líderes mais efetivos mas também pais ou mães mais presentes. Em resumo, é isso.

Como se dá na prática?

É um trabalho feito de maneira bastante discreta. Uma das quatro jornadas ganhou o nome de Busca. Dura um ano, ao longo do qual acompanhamos o participante para mapear que tipo de líder ele é e que tipo quer ser no futuro. Para facilitar a transição, fornecemos uma quantidade extensa de conteúdos. Também auxiliamos o participante a se comunicar melhor com os diferentes stakeholders. A ideia é fomentar um estilo de liderança basea­do na empatia e na assertividade. O líder do futuro precisa estabelecer uma relação pessoal­ com seus liderados e, ao mesmo tempo, ser contundente e assertivo — mas não a ponto de abalar os laços firmados. Implantamos esse modelo de liderança com muito sucesso na Vivo, em diversos níveis gerenciais.

Selfie na rua: influenciadores captam o zeitgeist, mas o uso pelas marcas não pode ser oportunista (Jeffrey Greenberg/Getty Images)

Vocês propuseram ajustes na cultura corporativa de gigantes como Vivo e Gerdau. É mais fácil transformar empresas de grande porte?

De certa forma, não. Porque leva tempo para uma nova cultura se consolidar — ainda mais no caso de corporações muito grandes e ramificadas. Acredito, veementemente, que as mudanças começam com o líder principal e são cascateadas conforme o tempo passa. Até serem absorvidas pelos diferentes níveis hierárquicos e chegarem a quem trabalha na recepção vai-se um longo período. É um longo processo orgânico e fruto de repetição e consistência. Empresas menores costumam ter mais massa crítica, o que é um facilitador. Só que o líder de uma companhia pequena pode ser míope e teimoso. E daí a cultura corporativa jamais será transformada.

Dá para uma empresa que sempre se preocupou única e exclusivamente em lucrar achar um novo propósito e se reinventar? Não é um caminho hipócrita?

A gente tenta não desqualificar nenhuma companhia pelo que ela não soube fazer no passado. Já vi de tudo ao longo dos 15 anos da Mandalah. Já vi várias empresas e lideranças se reinventarem. Somos o que somos com base no que sabemos até agora. A transformação é fruto da consciência e de novos conhecimentos, e empresas são compostas de pessoas. Não podemos condenar aqueles que estavam no lado obscuro da força. Precisamos trazer todo mundo, mesmo que a duras penas.

Muita gente viu o advento do home office como uma ameaça à cultura corporativa das empresas. Qual é a sua opinião sobre isso?

Depende da cultura que está em jogo. Se ela for mais contemporânea, com liberdade para todo mundo se expressar do jeito e na hora que quiser, seja com superiores ou não, o home office ou o esquema híbrido de trabalho não são uma ameaça. No caso de culturas corporativas centralizadoras, muito hierárquicas, tóxicas, sem espaço de manobra para os funcionários, há um conflito. O que ficou claro é que a nova realidade de trabalho pode trazer ganhos para todos os lados. O desafio é descobrir qual é o sweet spot, o grau de autonomia para os colaboradores que funciona para cada companhia.

O trabalho híbrido e o home office não estimulam a cultura workaholic?

Podem estimular ou atenuar. Depende muito da herança cultural que a empresa trouxe de antes da pandemia e de quanto ela se transformou de lá para cá. Ela dá importância à qualidade de vida e ao bem-estar dos funcionários? As lideranças se sensibilizaram com a carga extra de trabalho imposta ao longo da pandemia? Dependendo das respostas, estaremos diante de uma organização que debelou a cultura workaholic. Já uma organização que reagiu à pandemia com desespero pode ter acentuado a obsessão pelo trabalho.

Acompanhe tudo sobre:exame-ceoLuxo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda