Revista Exame

Impressão 3D para as massas, não só para nerds

Antes restrita à indústria e aos nerds, a tecnologia começa a se popularizar e atrai o interesse da gigante do varejo online Amazon

Centro de distribuição da Amazon, na Alemanha: desde 2010, a gigante do varejo online construiu 50 novos armazéns em todo o mundo (Uwe Zucchi/Divulgação)

Centro de distribuição da Amazon, na Alemanha: desde 2010, a gigante do varejo online construiu 50 novos armazéns em todo o mundo (Uwe Zucchi/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2014 às 13h34.

Berlim - Quem entra na cafeteria Dimension Alley,  em Prenzlauer Berg, um dos bairros mais descolados de Berlim, na Alemanha, não está à procura de tortas ou bolos — embora o cardápio de inspiração inglesa agrade aos frequentadores. Os clientes do café estão mais interessados nas quatro impressoras 3D que o lugar disponibiliza para os amantes da tecnologia.

Silenciosamente, as máquinas fabricam com plástico derretido, camada sobre camada, bonequinhos a partir de desenhos de crianças, protótipos de peças para pequenas empresas locais e até selfies de clientes.

Depois de ter o corpo escanea­do por duas câmeras, o consumidor pode acompanhar a impressão de sua estatueta, que demora pouco mais de 1 hora para ficar pronta e custa entre 75 e 150 reais.

“Não é necessário ser diplomado em engenharia ou ser um designer com 20 anos de experiência para criar peças para impressoras 3D”, diz a inglesa Norma Barr, engenheira de software e dona da badalada cafeteria, a primeira do gênero na Europa. 

A tecnologia de impressão 3D existe há mais de duas décadas, mas só agora começa a se popularizar. No ano passado, o mercado global de impressoras, suprimentos e serviços prestados por meio dessas máquinas atingiu 3 bilhões de dólares, uma expansão de 35% em relação a 2012. Nos próximos quatro anos, a expectativa é que o faturamento aumente para 12,5 bilhões. E isso por dois motivos principais.

Primeiro, patentes fundamentais para a impressão 3D já venceram ou, em outros casos, estão prestes a vencer. A tecnologia de uso de filamentos de plástico depositados em camadas  — a mais popular hoje — está sem proteção há cerca de cinco anos. Com isso, uma série de novas empresas passaram a tentar a sorte no mercado.

Em 2008, havia 20 fabricantes de impressoras 3D no mundo. Hoje, são centenas. “Não conseguimos mais acompanhar com precisão. Há empresas na Rússia, na Eslovênia, na Argentina, em rincões da China”, diz Terry Wohlers, da consultoria Wholers Associates, com sede em Fort Collins, no Colorado, e uma das mais respeitadas do setor.

Hoje, uma impressora simples pode ser adquirida por cerca de 200 dólares. Cinco anos atrás, as mais baratas custavam cinco vezes mais.

O segundo motivo para levar a sério as projeções de crescimento do segmento é o surgimento de um mercado de bens de consumo impressos em 3D. Estima-se que hoje 95% dos objetos fabricados com essa tecnologia envolvam o mercado industrial.

São grandes companhias que testam protótipos antes de iniciar a produção tradicional, fabricantes de aeronaves que encomendam peças específicas sem precisar arcar com os investimentos da produção em massa, companhias do setor de saúde que compram próteses personalizadas. Esses negócios continuam em expansão, mas há, agora, uma nova fronteira que está sendo explorada. 

Sai uma capinha de celular?

No fim de julho, a Amazon, gigante americana do comércio eletrônico, anunciou sua primeira loja online para produtos impressos em 3D. Agora  seus quase 250 milhões de clientes podem escolher entre 200 opções de joias, brinquedos e objetos de decoração, customizá-los por meio de ferramentas online e receber em casa o produto impresso (o serviço ainda não está disponível para entrega no Brasil).

“A Amazon não é a primeira a fazer isso no mundo, mas seu alcance fará com que os consumidores comecem a interagir com esse universo”, diz Renata Sollero, gerente da Stratasys no Brasil, m aior fabricante de impressoras 3D no mundo. A iniciativa também abre portas para novos negócios.

“Criamos um mercado para designers, que podem atingir uma audiência muito mais ampla”, diz John Hauer, presidente da americana 3DLT, que hoje é fornecedora da Amazon na loja de produtos 3D da varejista.

Além de popularizar ainda mais a tecnologia, a chegada da Amazon à venda de produtos manufaturados em impressão 3D é uma oportunidade de testar novos arranjos na forma de produzir e estocar os produtos.

“Hoje, as empresas desenham um artigo, colocam no mercado em grandes quantidades e esperam que as pessoas gostem. No futuro, teremos maior variedade de produtos em inventários digitais, que podem ser alterados e impressos conforme a demanda do consumidor”, diz Wohlers.

É a logística just in time levada ao extremo. A mercadoria não precisará ser produzida, embalada, transportada e armazenada até que haja, efetivamente, um pedido do consumidor. Desde 2010, a Amazon gastou 14 bilhões de dólares com sua área de logística, o que incluiu a construção de 50 novos centros de armazenagem e distribuição.

Hoje, no total, são 89 espalhados pelo mundo. Se essa primeira experiência de impressão 3D da Amazon der certo, a visão futurista de varejistas livres de grandes depósitos com certeza passará a ganhar mais crédito. 

Uma fábrica em casa

Ainda não é possível estimar a participação dos consumidores finais no mercado da impressão 3D, mas alguns sinais demonstram o rápido desenvolvimento desse segmento. Segundo a consultoria de tecnologia Canalys, de Singapura, pessoas físicas compraram 46% das impressoras 3D vendidas no primeiro trimestre do ano.

Até recentemente, sua participação era irrelevante. A varejista americana Home Depot, com mais de 2 000 lojas nos Estados Unidos, no Canadá e no México, passou a vender impressoras 3D no mês passado.

A rede americana Staples, líder mundial na comercialização de material para escritório, começou a oferecer o serviço de impressão 3D em algumas de suas lojas. O cliente pode levar seu projeto em um pen drive e imprimi-lo na unidade da Quinta Avenida, em Nova York.

Se o acesso aos produtos impressos em 3D nunca foi tão fácil, é preciso ainda ultrapassar um desafio prosaico: tornar os produtos impressos mais atraentes.

“Há uma disparidade entre o que a tecnologia promete e o que é atualmente acessível para os consumidores”, diz Joe Kempton, analista da consultoria Canalys. Por mais fascinante que seja desenhar e personalizar um artigo, as impressoras mais acessíveis ainda fabricam objetos de plástico mal-acabados, muitas vezes com qualidade pior do que aqueles produzidos em processos tradicionais.

Desenvolver materiais e produtos mais sofisticados é um dos desafios do setor. Já há impressoras que utilizam metais, mas essas máquinas ainda são inacessíveis. O preço, em média, é de mais de 100 000 dólares.

Enquanto a tecnologia ficar restrita a capinhas de celular e bonequinhos divertidos, talvez nem a força da Amazon seja capaz de popularizar seu uso em larga escala. De bugigangas, a casa da maioria das pessoas já está cheia.

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