Revista Exame

Ian Parry, economista do FMI, defende imposto sobre emissões de carbono

Economista britânico defende a criação de um imposto sobre a emissão de carbono para acelerar a meta do Acordo de Paris

O economista britânico Ian Parry, uma das principais autoridades do Fundo Monetário Internacional para políticas fiscais, defende a criação de impostos sobre a emissão de carbono, um dos vilões do aquecimento global. Para ele, esse é o caminho mais direto para o Acordo de Paris, de 2015, engrenar — e evitar um desastre ambiental  (Divulgação/Divulgação)

O economista britânico Ian Parry, uma das principais autoridades do Fundo Monetário Internacional para políticas fiscais, defende a criação de impostos sobre a emissão de carbono, um dos vilões do aquecimento global. Para ele, esse é o caminho mais direto para o Acordo de Paris, de 2015, engrenar — e evitar um desastre ambiental (Divulgação/Divulgação)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 05h33.

Última atualização em 8 de novembro de 2020 às 21h04.

O economista britânico Ian Parry é a maior autoridade em economia ambiental do Fundo Monetário Internacional (FMI). Parry pesquisa a eficiência das políticas fiscais, ambientais e energéticas de uma série de países. Suas conclusões são de causar calafrios no empresariado: Parry defende a criação de um imposto sobre a emissão de carbono para acelerar a meta do Acordo de Paris (manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius). Segundo Parry, a taxação seria a maneira mais eficiente de chegar a uma economia de baixo carbono.

      É uma ideia polêmica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito a interlocutores que não quer nem ouvir falar em imposto sobre carbono. Assim como economistas mundo afora, Guedes defende a criação de um mercado de carbono para penalizar poluidores e recompensar quem ajuda a salvar o planeta do aquecimento global. Para Parry, esperar o mercado funcionar só vai custar mais tempo e dinheiro.

      De Londres, Parry falou sobre o tema em um webinar promovido pela Câmara de Comercio Internacional Brasil e a Convergência pelo Brasil (coordenada pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Instituto O Mundo Que Queremos), na semana passada. O economista também falou à EXAME por videoconferência. Parry é otimista com a criação de impostos sobre o carbono. Um sinal é a relevância do tema aquecimento global nas eleições americanas. O democrata Joe Biden quer reduzir as emissões de carbono. Para Parry, os democratas precisam ser mais específicos sobre como atingir esse objetivo. Criar um imposto é o caminho mais curto para chegar lá. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

      O senhor defende a ideia de um imposto para reduzir as emissões de carbono. O foco das discussões, no entanto, tem sido criar um mercado de carbono. Como vender essa ideia sem que o setor produtivo se assuste?
      Há duas maneiras de precificar o carbono, via taxação ou mercado. A criação de um imposto é a mais natural. É um mecanismo assertivo, capaz de prover uma estimativa de preço de longo prazo, o que é importante para os investimentos em tecnologias desse tipo. Também gera receita aos governos, que podem investir na busca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [compromissos ambientais da Organização das Nações Unidas] e permite a redução de outros impostos. Do ponto de vista técnico, é mais direto.

      Como seria esse imposto?
      Estamos conversando sobre a integração da taxa sobre carbono em estruturas fiscais existentes, como os impostos sobre combustíveis, já estruturados em boa parte do mundo. Seria uma questão de estender o tributo a setores como o de gás natural.

      O mercado de carbono não teria o mesmo resultado?
      Em princípio, os dois mecanismos funcionam. Mas o imposto é mais direto. Para um mercado de carbono funcionar, é preciso estabelecer um intervalo de preços, com piso e teto, e esperar pela realização dos leilões. Como os mercados de carbono são criados pelos ministérios do meio ambiente, o foco tende a ser nos setores de energia e indústria.

      As emissões dos transportes, por exemplo, acabam ficando de fora. Claro que é possível incluir outros setores, porém é mais fácil implementar um imposto via Receita Federal. Por outro lado, pode haver restrições legais para a criação de um tributo, como aconteceu na União Europeia, que não conseguiu justificar uma nova taxa e optou por criar um sistema de compra e venda.

      A implementação do imposto sobre carbono depende da regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris (tratado de 2015 para combater o aquecimento global), sobre o mercado de carbono?
      Diretamente, não. Os blocos econômicos podem definir um valor mínimo para o carbono, independentemente dos outros. Não há necessidade­ de um sistema de compra e venda de carbono global.

      A implantação do imposto teria de ser coordenada globalmente, como é a ideia para o mercado de carbono, ou apenas localmente?
      A implementação deve ser feita pela Receita Federal de cada país. Agora, no caso da América Latina, a recomendação é que exista uma coordenação entre os países para resolver questões de competição e livre mercado. Seria bom se nações que já têm impostos de carbono, como Chile, Colômbia e Argentina, concordassem com um valor mínimo de tributação para o grupo.

      Também é crucial que seja instituído um piso entre os maiores emissores globais. Sabemos que, para alcançar os objetivos determinados no Acordo de Paris, será preciso diminuir em 25%, ou mais, as emissões globais até 2030. O acordo, no entanto, não traz os incentivos necessários para que as nações aumentem suas ambições. Mesmo que todos os signatários atinjam suas metas, só chegaremos a um terço do que é necessário para manter a elevação da temperatura global em 2 graus Celsius até 2050.

      Lavoura no Brasil: uma regularização fundiária seria o primeiro passo para um tributo sobre o carbono no país (Chico Ferreira/Pulsar)

      As metas do Acordo de Paris são suficientes para conter o aquecimento global?
      Não são suficientes. Os países, unilateralmente, não têm incentivos para cortar as emissões. Globalmente, é preciso que os grandes emissores determinem um valor mínimo ao carbono. Blocos como a América Latina e o Caribe também devem se unir para determinar um piso.

      A precificação do carbono é a maneira mais eficiente de avançar o Acordo de Paris?
      É crucial. A recomendação do FMI é que os grandes emissores, como China, Estados Unidos, União Europeia e Índia, tenham um mecanismo conjunto para impor um preço mínimo ao carbono. Os países desenvolvidos, obviamente, pagariam um valor mais alto do que a Índia.

      Reduzir as emissões de carbono será uma condição para os países tomarem empréstimos no FMI?
      Essencialmente, todos os paí­ses fizeram compromissos de descarbonização. Mesmo para países de renda baixa, recomendamos a implementação de um sistema de precificação de carbono. Em termos de recuperação econômica, a crise atual tornou a questão das emissões ainda mais relevante.

      Diversos países estão incluindo a transição para a economia de baixo carbono em seus planos de retomada. É importante que os investimentos sejam alocados em energias renováveis e em outro setores de baixa emissão. Para isso, é preciso colocar um preço no carbono, o que permite igualar a competição de setores de baixo carbono com os tradicionais. Adicionalmente, um imposto sobre o carbono aumentaria a receita dos governos.

      Em relação aos programas do Fundo Monetário Internacional, é possível recomendar a um país que esteja recebendo financiamento a criação de um mecanismo de precificação. No entanto, não podemos exigir isso, em especial se criar um tributo for complicado politicamente.

      A redução das emissões não é uma tarefa dos países ricos, os maiores poluidores?
      Do ponto de vista global, o que importa mesmo são os grandes emissores — China, Estados Unidos, União Europeia e Índia —, juntamente com outros países do G20, como Japão, Canadá e Reino Unido. A parte que cabe aos países de baixa renda é a construção de infraestruturas resilientes para lidar com as consequências das mudanças climáticas, como desastres naturais e o aumento do nível dos oceanos. Mas, mesmo que a contribuição no contexto global seja pequena, recomendo a instituição de um mecanismo de precificação.

      O imposto sobre carbono funcionará em países de baixa renda cuja economia depende do petróleo, como a Venezuela?
      Os exportadores de petróleo, em geral, precisam considerar que a demanda pelo combustível fóssil deve cair, especialmente se as grandes economias aumentarem seus esforços de mitigação. Com isso, o preço do petróleo poderá cair mais. Será preciso encontrar receita para compensar essa queda.

      A criação de um imposto sobre carbono depende de uma reforma tributária?
      Hoje, a maioria dos países não tributa o carvão e o gás natural, mas tributa pesadamente a gasolina e o diesel. O imposto sobre o carbono nada mais é do que uma reorganização do que já existe. Ele gera um grande impacto no preço do carvão e do gás natural e quase nenhum impacto nos combustíveis. Para alguns países, no entanto, a reforma fiscal é necessária para reduzir a tributação sobre a força de trabalho e introduzir um novo tributo sem afetar a receita do governo.

      O Brasil usa pouco carvão e tem uma matriz tida como limpa. Como funcionaria um imposto sobre carvão aqui?
      Em países com grande consumo de carvão, a precificação do carbono tem um impacto mais significativo. Num cenário dominado por energias renováveis, o incentivo é menor, pois não há a substituição de uma fonte pela outra. Na maioria dos países, a queima de combustíveis fósseis representa de 70% a 90% das emissões.

      No Brasil, as florestas têm um papel mais relevante. O ideal seria complementar o mecanismo de precificação com medidas para aumentar o estoque de carbono, o que pode ser feito com a manutenção e a restauração da cobertura vegetal. Primeiro é preciso fazer uma regularização fundiária. Em seguida, eu recomendaria a introdução de uma taxa para proprietários de terras que diminuírem seus estoques de carbono, juntamente com um sistema de incentivo para o aumento desse estoque.

      A ideia é penalizar os proprietários que desmatam e recompensar aqueles que reflorestam ou que, de algum forma, aumentem seus estoques de carbono. O sistema é parecido com o implementado pela Costa Rica, que ajudou a reflorestar boa parte do país.

      Pagamento por serviços ambientais, no caso…
      Sim. As opções para monetizar ativos florestais estão cada vez maiores graças ao avanço de tecnologias como monitoramento por satélite. É bem mais viável, hoje, a implementação desses mecanismos de incentivo. É uma abordagem melhor do que a de fomentar projetos específicos de reflorestamento, pois eles acabam tendo impacto fiscal grande. Um sistema federal de incentivo pode ser construído de forma a não gerar impacto nenhum na receita e nas despesas do governo.

      Uma mudança de governo nos Estados Unidos pode fazer com que o segundo maior emissor global seja mais ambicioso em suas metas de descarbonização?
      Joe Biden [candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos] tem um plano estabelecido para cortar as emissões. Envolve diversas ações setoriais e fomento para o carro elétrico e energias renováveis. As metas são ambiciosas, mas não está especificado de que maneira elas seriam atingidas ou quais políticas fiscais seriam implementadas. Estou especulando, mas acredito que os democratas façam isso para não serem acusados pelos republicanos de tentar criar novos impostos. Uma vez na Casa Branca, Biden terá de ser mais específico. Como disse, a tributação do carbono é o sistema mais eficiente. Se o novo presidente não conseguir viabilizar isso politicamente, terá de fazer por meio de regulação, o que, todos sabem, tem custos maiores para as empresas.

      A China, maior emissora do planeta, anunciou metas ambiciosas para o corte de emissões. Como o senhor enxerga o cenário político no gigante asiático?
      Os chineses estão avançando na implantação de um mercado de carbono focado no setor elétrico. O plano é ampliar o mecanismo para outros setores. É um bom começo, mas a preocupação está no patamar de preços, que pode não ser alto o suficiente.

      Plataforma de petróleo: em breve, países exportadores de combustíveis fósseis vão precisar encontrar novas fontes de receitas (Germano Lüders/Exame)

      Um movimento global ajudaria países como o Brasil a superar percalços na implantação do imposto sobre carbono?
      A pressão externa, sem dúvida, faz diferença. A União Europeia está discutindo a taxação do carbono na fronteira. A tributação considera o carbono incorporado na fabricação de cada produto, o que afetaria países que exportam para o bloco. Se colocada em prática, a medida deve criar incentivos para outros países implementarem seus mecanismos de precificação. Porém, não sei qual seria o impacto disso. Há outras maneiras de garantir um processo político mais tranquilo.

      Por exemplo, implantar a precificação em fases, e não fazer como o Equador, que acabou sofrendo com um aumento expressivo dos custos de energia do dia para a noite. Criar uma reforma fiscal que balanceie a criação de um novo imposto com a revogação de outros, sem gerar impacto fiscal, também ajuda.

      Os europeus querem taxar o carbono na fronteira. Essa medida pode ser encarada como protecionismo?
      Depende da maneira como o sistema for desenhado. Se a taxação na fronteira for uma medida ambiental, não estará violando nenhuma regra da Organização Mundial do Comércio [OMC]. A Europa já tem um mecanismo de precificação de carbono, que está perdendo a eficiência. O que está se fazendo é substituir um pelo outro. Não é o caso, mas, se a União Europeia estivesse tomando medidas mais amplas de tributação, incluindo setores de baixa emissão, poderia ser contestada na OMC. Em relação ao Brasil, a tributação europeia não se aplica a commodities agrícolas.

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