Revista Exame

Banco Sofisa é apenas um dos negócios do império da discrição

A família Burmaian fatura mais de 2 bilhões de reais por ano com outro banco na Flórida, oito redes com mais de 400 lojas e cinco shoppings no país

Loja da World Tennis, em São Paulo: uma das oito redes que a família Burmaian controla (Germano Luders/Exame)

Loja da World Tennis, em São Paulo: uma das oito redes que a família Burmaian controla (Germano Luders/Exame)

ML

Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 19 de dezembro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 19 de dezembro de 2016 às 06h07.

São Paulo — No fim de outubro, a empresária Hilda Burmaian desembolsou, em duas semanas, 60 milhões de reais para comprar ações do Banco Sofisa. Hilda é a controladora do banco desde a morte do marido, em 2006, e seus quatro filhos também são acionistas. O propósito era fechar o capital da empresa num momento de forte desvalorização das ações — os papéis foram comprados a 4,5 reais e haviam sido vendidos, na oferta pública inicial nove anos antes, a 12 reais.

Os controladores também precisavam obedecer a uma ordem da Comissão de Valores Mobiliários, que identificou, em 2014, que os Burmaian haviam comprado mais ações do que poderiam no mercado e que seriam obrigados a fazer uma oferta de compra aos minoritários — ou teriam de vender algumas de suas ações. Em dezembro, o Sofisa voltou a ser um banco de capital fechado.

De origem armênia, a família Burmaian operou sob absoluta discrição durante décadas. E o Sofisa é apenas um de seus vários negócios, que, somados, faturam mais de 2 bilhões de reais por ano. Os Burmaian têm um banco nos Estados Unidos, cinco shoppings no interior de São Paulo, três redes de alimentação, três redes de lojas de calçados e duas redes de vestuário, num total de quase 450 lojas no país, entre próprias e franqueadas.

O atual presidente do Sofisa é Alexandre, um dos quatro filhos de Hilda com Varujan Burmaian — este, o fundador do grupo. Antes de assumir o Sofisa, Alexandre morou sete anos nos Estados Unidos, onde comandava o outro banco da família — o Sunstate Bank, na Flórida. Criado em 1999, o Sunstate é um dos menores bancos do estado, com três agências de atendimento e 200 milhões de dólares em ativos.

No fim de 2014, o conselho de administração do Sunstate foi notificado pelos reguladores americanos de que deveria ter participação mais ativa no dia a dia do banco e melhorar suas práticas de controle de risco — consideradas fracas pelos reguladores em quesitos como identificação de lavagem de dinheiro. Em 2016, o Sunstate concluiu as mudanças de controle e ficou livre de multas administrativas. No Brasil,  a trajetória do Sofisa no mercado acionário não foi das mais brilhantes.

Criado na década de 60 como uma financeira especializada em varejo, foi comprado por Varujan em 1981 e transformado num banco dedicado a atender pequenas e médias empresas. Como as companhias menores foram as primeiras a sentir o impacto da atual crise econômica, o resultado do banco foi afetado. O Sofisa chegou a suspender novos empréstimos em 2014, abrindo mão de crescer para reduzir o risco de inadimplência.

O banco, que chegou à bolsa com patrimônio de 854 milhões de reais, despediu-se com patrimônio de 740 milhões de reais e uma carteira de crédito 30% menor. A principal inovação do banco foi a criação de um modelo de investimento online. O Sofisa Direto, plataforma de investimentos do banco, foi lançado em 2011, e o banco foi o primeiro a não cobrar taxa de abertura de conta e a comparar os papéis de renda fixa privados com títulos públicos.

Mas vieram concorrentes, como XP Investimentos, Órama, Rico e Easyinvest, e o Sofisa, que só oferece os próprios papéis, ficou para trás. A história do Sofisa não é muito diferente de outros bancos médios listados em bolsa que também foram pressionados pela crise: o Indusval busca uma nova capitalização, o banco BIC foi vendido a um grupo chinês, o Cruzeiro do Sul quebrou e o Daycoval encolheu.

Varujan e o varejo

Marcio Kumruiam, fundador da loja eletrônica de artigos esportivos Netshoes, gosta de dizer que os descendentes de armênios não têm antepassados, mas “antessapatos”. Sua família milita no varejo calçadista desde os anos 80, e ele adaptou a tradição aos tempos da internet. Não foi diferente com os Burmaian. Os pais de Varujan vieram para o Brasil fugidos do genocídio armênio no Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial.

A família abriu um armarinho nos anos 60, mas Varujan decidiu seguir o caminho da comunidade armênia e montou uma loja popular de sapatos, a Dic Calçados, na rua São Bento, no centro de São Paulo. Nos anos 90, inaugurou a rede de calçados esportivos World Tennis. O filho Ricardo, que era o encarregado das compras da Dic, assumiu o novo negócio. Ainda hoje a World Tennis é a única rede nacional especializada em tênis, com 255 lojas.

Em 1999, Ricardo fez uma parceria com o site de leilões Arremate para vender calçados pela internet, antes da existência de concorrentes como Dafiti e da entrada de outras redes tradicionais no varejo online, como a mineira Centauro. Nos últimos seis anos, a World Tennis fez duas aquisições para reduzir a concorrência, as redes especializadas Tennis One e Oxto. A Oxto acabou virando a marca própria de calçados do grupo e -suas lojas foram convertidas nas outras bandeiras. O grupo criou ainda uma nova rede, a World Tennis Classic, que voltou a incluir sapatos nas prateleiras, ao lado dos tênis.

Foi por meio de aquisições também que a família entrou no ramo de alimentação em 2014. Hoje tem três redes de franquias de comida, incluindo alimentação saudável, cafeteria e batatas recheadas. As redes mantêm um controle rígido da expansão e da vida financeira dos franqueados — que não podem tomar empréstimos bancários, por exemplo. Também há um sistema de multas aos franqueados se houver reclamações de clientes.

Com a experiência em comércio, o grupo da família Burmaian passou a investir também em shoppings — hoje é dono ou tem participação em cinco centros de compras no interior de São Paulo. Completam o império dos Burmaian outras duas redes de roupas, com seis lojas. Muitos de seus franqueados têm lojas de mais de uma das redes dos Burmaian. “Ter diversas marcas para oferecer aos franqueados virou uma forte tendência no Brasil”, afirma Alberto Serrentino, diretor da consultoria de varejo Varese.

Assim, os Burmaian emplacam todas as suas oito marcas nos shoppings de que são sócios, e o mesmo franqueado pode ter duas lojas de tênis de redes diferentes e um restaurante. Procurada, a família não deu entrevista. Com a morte do patriarca, há dez anos, os dois filhos homens dividiram o comando dos negócios. Ricardo fica com o varejo; e Alexandre, com os bancos.

As duas filhas de Hilda e Varujan, Valéria e Cláudia, não interferem nos negócios e ficam longe das colunas sociais — só foram citadas na época de seus casamentos, na devida tradição armênia, com alianças trocadas logo no início da cerimônia e os noivos coroados pelo padre; o convite foi enviado até ao presidente da Armênia (que acabou não aparecendo). Hilda só participa de eventos oficiais, que tenham o intuito de promover a cultura armênia ou arrecadar fundos para causas no país.

Ela é hoje a cônsul da Armênia em São Paulo — a sede do consulado, aliás, fica no prédio do Banco Sofisa, na capital paulista. Ricardo é considerado centralizador e bem-sucedido nos negócios de franquias, mas poucas pessoas nesse setor o conhecem pessoalmente. Não investe em  campanhas de televisão nem bombardeia possíveis clientes com anúncios na internet. Alexandre, o rosto mais conhecido, foi sócio da boate Club Disco, em São Paulo, vai continuar à frente do Sofisa com a saída da bolsa e faz parte do conselho do banco Sunstate.

O período que se seguiu à abertura do capital do Sofisa foi o auge da notoriedade dos Burmaian. Nos tempos em que a ação subia, a família apareceu na lista de bilionários da revista Forbes. Como os resultados do banco pioraram e as ações caíram, deixou a lista. Agora que o Sofisa saiu da bolsa, vai ficar bem mais difícil calcular o patrimônio dos Burmaian, e seu nome tende a rarear ainda mais no noticiário — as coisas, portanto, vão voltar a ser do jeito que eles gostam.

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