Revista Exame

Ilhas de excelência apontam caminho para educação no Brasil

O Brasil colhe resultados frustrantes na educação, mas tem ilhas de excelência. É preciso aprender com elas, mostrou o EXAME Fórum Educação


	Em busca da qualidade: André Lahóz, de Exame; Barbara Bruns, do Banco Mundial; e Ricardo Paes de Barros, do Insper
 (Leandro Fonseca/Exame)

Em busca da qualidade: André Lahóz, de Exame; Barbara Bruns, do Banco Mundial; e Ricardo Paes de Barros, do Insper (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2015 às 14h36.

São Paulo — Os 800 alunos da escola municipal Paulo Fer­raz, localizada em Capitão de Campos, cidade de 10 000 habitantes no interior do Piauí, têm bons motivos para se orgulhar. No ano passado, saíram da instituição oito medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática, competição organizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro.

Trata-se do maior evento do gênero no mundo, com 18 milhões de estudantes disputando 6 500 medalhas. Dois alunos da Paulo Ferraz ganharam o ouro em 2014. Para ter ideia de como o feito é difícil, redes de ensino de estados como Ala­goas, Sergipe e Acre não tiveram nenhum primeiro colocado nas provas da competição.

“Foi o segundo ano consecutivo em que subimos ao pódio”, diz Werbety Ney Costa, professor de história que usou a competição para promover uma mudança profunda na escola. Até pouco tempo atrás, a Paulo Ferraz era um retrato da educação brasileira.

A média de seus alunos no Ideb, principal indicador de qualidade do ensino público fundamental no país, era 3,3 — nota que estava 20% abaixo da média nacional. Cerca de um terço dos alunos repetia de série e de 20% largavam os estudos no decorrer do ano. Em 2011, Costa assumiu a direção da Paulo Ferraz.

Uma das primeiras coisas que fez foi espalhar cartazes pelos corredores mostrando os benefícios de tirar uma boa nota na Olimpíada. Além da medalha, os mais destacados ganham bolsa de iniciação científica e o direito de ingressar num mestrado em matemática. “Não tinha nada muito planejado, mas minha intuição dizia que isso mudaria a atitude dos alunos”, afirma Costa.

Em 2012, os resultados começaram a aparecer. Um dos estudantes recebeu menção honrosa na competição — seu nome foi inscrito numa placa, fixada numa das salas de aula. A partir daí, aprender matemática virou um objetivo desejado. Hoje, a evasão e a repetência na escola estão praticamente zeradas. A nota no Ideb subiu para 4,5 — agora 10% acima da média nacional.

Nos preparativos para a Olimpíada de 2015, os professores da Paulo Ferraz tiveram de usar um salão de igreja para dar aulas de reforço a 300 estudantes, não só da Paulo Ferraz mas vindos também de outras escolas do município e de cidades vizinhas. Como multiplicar país afora ganhos de qualidade desse tipo?

Esse foi um dos principais assuntos debatidos no 2º EXAME Fórum Educação, realizado no dia 15 de setembro em São Paulo. Participaram do encontro o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro; a americana Barbara Bruns, economista-líder do Banco Mundial para a área de educação na América Latina; e Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor da escola de negócios Insper, de São Paulo.

Também discutiram os caminhos para melhorar o ensino Fernando Sakane, reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); César Camacho, diretor-geral do Impa; e Nelson Wolosker, vice-presidente do Hospital Albert Einstein.

O matemático Artur Ávila, único brasileiro a conquistar a Medalha Fields — prêmio internacional conhecido como o “Nobel da matemática” —, falou sobre sua expe­riên­cia como aluno do Impa, uma das ilhas de excelência no sistema educacional brasileiro. A constatação: a má gestão da rede de ensino e as dificuldades causadas pela burocracia do setor público atrapalham muito o desenvolvimento da educação.

De fato, apesar de ter conseguido, nas últimas décadas, universalizar o acesso à educação básica, o Brasil está muito atrasado nesse setor. Para ficar em alguns números: mais de 60% dos estudantes brasileiros não dominam o suficiente de matemática para resolver uma equação de 1o grau.

Nos países desenvolvidos, a parcela dos alunos com essa dificuldade é de 23%, segundo dados da Organização para a Coope­ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apenas um terço dos brasileiros acima de 25 anos completou o ensino médio. Nossa escolaridade média é de 7,2 anos de estudo.

“É um indicador semelhante ao de países mais pobres, com renda per capita de 7 000 dólares, metade da brasileira”, diz Paes de Barros, do Insper. Não se pode atribuir a dificuldade de elevar o nível das escolas à falta de dinheiro.

O investimento público em educação no Brasil é de quase 6% do PIB por ano, superior ao de nações como o Chile, cujos estudantes superam os brasileiros no Pisa, teste internacional de qualidade da educação organizado pela OCDE. A questão principal, porém, é saber aplicar bem os recursos disponíveis.

É um desafio que se torna ainda mais urgente num momento em que o país atravessa uma severa crise fiscal e que os planos para aumentar o orçamento da educação têm tudo para fazer água. Uma das metas do Plano Nacional de Educação, sancionado pela presidente Dilma Rousseff em junho do ano passado, é elevar os repasses à área para 10% do PIB até 2024.

Os recursos adicionais deveriam vir da exploração do petróleo da camada do pré-sal. Nos estudos para a lei, feitos no início da década, considerou-se o preço médio do barril acima de 100 dólares — hoje, a cotação é menos da metade disso. “Cumprir a meta não vai ser fácil”, diz o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, que fez a palestra de abertura do evento.

Um ponto de partida é melhorar a qualidade dos professores. “Um bom currículo e material didático de qualidade só são eficazes nas mãos de um profissional competente”, afirma Barbara Bruns, do Banco Mundial. De 2009 a 2013, Barbara coordenou um estudo de observação em 15 000 salas de aula, metade delas no Brasil.

A pesquisa deu origem ao livro Professores Excelentes, publicado no ano passado, que compara o desempenho de profissionais de escolas públicas de sete países latino-americanos e do Caribe. As conclusões são desanimadoras.

Aqui, os professores perdem, em média, um terço do tempo de aula tratando de impor disciplina à classe, executando tarefas burocráticas, como o preenchimento de listas de chamada, ou mesmo fora da sala. Em comparação, nos países desenvolvidos as atividades que não estão relacionadas à transmissão de conteúdo levam metade desse tempo.

Um professor brasileiro consegue reter a atenção da classe inteira por apenas 23% do tempo — ou em 11 dos 50 minutos de aula. A média na OCDE é ter os estudantes concentrados durante 80% do tempo. Premiar os melhores professores e facilitar a demissão dos que mostram não ter vocação para ensinar ajudaria a mudar esse estado de coisas.

O Chile vem trilhando esse caminho. Em 2005, o governo chileno implantou um programa de avaliação anual de professores. De lá para cá, mais 70 000 docentes já se submeteram aos testes. Pelas regras, o salário de um profissional aumenta em caso de boa avaliação. Quem fica mal colocado em duas avaliações consecutivas é demitido.

Em uma década, o Chile elevou de 60% para 77% a parcela dos professores considerados competentes. Os de baixo desempenho em sala de aula atualmente correspondem a apenas 1% do total — um terço do que eram em 2005.

Em 2012, os estudantes chilenos fizeram, em média, 423 pontos em matemática no Pisa, 12 pontos mais do que em 2006, uma das melhorias mais expressivas entre os 65 países avaliados. Numa escala menor, algumas expe­riências de avaliação no Brasil começam a apresentar resultados animadores.

Que o digam os 4 000 estudantes de Cariré, município cearense a 270 quilômetros de Fortaleza. Nos últimos sete anos, a rede municipal de ensino teve o maior avanço no Ideb entre os 5 561 municípios brasileiros. Há sete anos, a nota média dos estudantes do 1o ao 5o ano era 3, uma das piores do Ceará. Em 2013, a cidade alcançou a média de 7,4 — a 17a mais alta entre as cidades do Brasil todo.

As melhorias co­meçaram com a adoção de um currículo unificado nas 21 escolas e a implantação de um sistema de avaliação mensal dos alunos. “Se uma turma foi mal num assunto, o professor recebe aulas de reforço para melhorar o jeito como passa o conteúdo”, diz Virgina Souza, secretária de Educação de Cariré.

A 212 quilômetros de Cariré, também no sertão cearense, o município de Novo Oriente viu sua nota média no Ideb melhorar 124% nos últimos sete anos. Atualmente, a nota está em 7,6, o que lhe confere o oitavo lugar entre os melhores ensinos públicos do país. A mudança começou em 2009, após uma avaliação dos 300 professores com base em indicadores como experiência e notas dos estudantes.

Os 13 melhores mestres foram retirados de sala de aula. Loucura? Nem tanto. Esses professores formam atualmente uma equipe de tutores. A função deles é visitar as 25 escolas públicas da cidade, assistir às aulas e conversar com pais de alunos. Com base nas observações, eles elaboram relatórios, utilizados em sessões periódicas de avaliação.

“Procuramos averiguar se o professor segue o currículo, tem domínio da turma e monta uma aula inspiradora”, diz Joseronisia Alves de Araújo, professora há 20 anos e chefe dos tutores. “Em caso de mau desempenho, podemos mudar o profissional de turma ou, numa situação extrema, afastá-lo.”

Em novembro, Novo Oriente deve começar a premiar com bônus os professores bem avaliados por tutores, colegas, pais e alunos. “É a meritocracia em sala de aula”, diz Ana Cynthia Fernandes, secretária municipal de Educação. Nas duas cidades cearenses, a melhoria dos resultados começou com a iniciativa de gestores que adotaram experiências que já davam certo.

Trata-se de um desafio no Brasil, segundo os especialistas reunidos no EXAME Fórum Educação. O país já avançou ao implantar ferramentas como o Ideb para mensurar resultados. “Mas o MEC divulga pouco as boas práticas de quem está indo bem no Ideb”, diz Paes de Barros. “Falta disseminar as iniciativas que merecem ser copiadas.”

A culpa está, em boa medida, nas amarras do Estado. “As instituições públicas sofrem com o excesso de regulamentação”, afirma Fernando Sakane, reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica. O ITA conseguiu se tornar uma das melhores escolas de engenharia do país justamente por se livrar de parte das amarras.

Na origem, na década de 40, a instituição contratou professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos centros de excelência americanos, para criar aqui um centro de pesquisa em engenharia aeronáutica. Até hoje, o ITA mantém certo grau de liberdade por não estar vinculado às regras do Ministério da Educação, mas ao Ministério da Defesa.

Outro exemplo é o Impa. Fundado em 1952, nos anos seguintes o instituto tornou-se um órgão federal cuja missão é disseminar o ensino de ciências exatas. Mas sua vocação só foi plenamente desenvolvida a partir de 2000, quando a gestão foi repassada pelo governo a um grupo de matemáticos num modelo de entidade privada sem fins lucrativos autorizada a prestar serviços ao governo.

“Nosso contrato com o Ministério da Ciência e Tecnologia tem metas claras de desempenho”, diz César Camacho, diretor-geral do Impa. Com esse arranjo, o Impa ganhou mais liberdade para contratar pesquisadores estrangeiros. Também conseguiu gerir melhor o orçamento. Assim, foi possível montar a Olimpíada de Matemática nas escolas públicas.

O orçamento da Olimpíada varia de acordo com o número de participantes. Foi no Impa que se formou o matemático Artur Ávila, que em 2014 se tornou o primeiro brasileiro a ganhar o “Nobel da matemática”. Não faltam bons exemplos no Brasil. Basta copiar as lições que eles oferecem.

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