Sede do Facebook, em Seattle: direitos trabalhistas garantidos aos colaboradores (Bernd von Jutrczenka/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de outubro de 2022 às 06h00.
As últimas quatro décadas de globalização e inovação tecnológica foram uma dádiva para aqueles com habilidades, com dinheiro e conexões para aproveitar as vantagens de novos mercados e oportunidades. Mas os trabalhadores comuns têm muito menos motivos para comemorar.
Nas economias avançadas, os rendimentos daqueles com menos escolaridade frequentemente estagnaram, a despeito dos ganhos na produtividade geral do trabalho. Desde 1979, por exemplo, a remuneração dos trabalhadores da produção nos Estados Unidos aumentou menos de um terço da taxa de crescimento da produtividade. A insegurança e a desigualdade no mercado de trabalho aumentaram e muitas comunidades foram deixadas para trás com o fechamento de fábricas e a migração de empregos para outros lugares.
Nos países em desenvolvimento, onde a teoria econômica padrão previa que os trabalhadores seriam os principais beneficiários da expansão da divisão global do trabalho, novamente as empresas e o capital colheram os maiores ganhos. O novo livro de Adam Dean, da Universidade de George Washington, mostra que, mesmo onde prevaleciam governos democráticos, a liberalização do comércio andou de mãos dadas com a repressão dos direitos trabalhistas.
As mazelas do mercado de trabalho criam tensões sociais e políticas mais amplas. Em seu pioneiro livro de 1996, When Work Disappears (“Quando o trabalho desaparece”, numa tradução livre), o sociólogo William Julius Wilson descreveu como o declínio dos empregos de colarinho azul alimentou o aumento no colapso familiar, no uso de drogas e no crime. Mais recentemente, os economistas Anne Case e Angus Deaton documentaram o aumento das “mortes por desespero” entre os homens americanos menos instruídos. E uma crescente literatura empírica relacionou o aumento do populismo autoritário de direita nas economias avançadas ao desaparecimento de bons empregos para trabalhadores comuns.
Como resultado da pandemia global de covid-19, os problemas trabalhistas estão recebendo atenção renovada — e com razão. Mas como os trabalhadores podem não apenas receber sua justa parte mas também ter acesso a empregos decentes que possibilitem uma vida significativa?
Uma abordagem é confiar no interesse próprio e esclarecido das grandes corporações. Trabalhadores felizes e realizados são mais produtivos, menos propensos a pedir demissão e mais inclinados a oferecer um bom atendimento ao cliente. Zeynep Ton, do MIT, mostrou que os estabelecimentos de varejo podem cortar custos e aumentar os lucros pagando bons salários, investindo em seus funcionários e atendendo às suas necessidades.
Mas muitas empresas que afirmam seguir o melhor caminho conforme os padrões de trabalho também são veementemente antissindicais. Pegar o caminho pior, minimizando o pagamento dos trabalhadores, digamos, é muitas vezes uma estratégia corporativa lucrativa. Historicamente, é a contraposição ao poder do trabalho — por meio da ação coletiva e da organização sindical — que tem trazido os ganhos mais significativos para os trabalhadores.
Assim, uma segunda estratégia para ajudar os trabalhadores consiste em aumentar o poder organizacional da mão de obra vis-à-vis aos empregadores. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, endossou explicitamente essa abordagem, argumentando que o encolhimento da classe média americana é uma consequência do declínio do poder sindical, e prometeu fortalecer o trabalho organizado e a negociação coletiva.
Em países como os Estados Unidos, onde os sindicatos se tornaram significativamente mais fracos, essa estratégia é indispensável para corrigir os desequilíbrios no poder de barganha. Mas a experiência em muitos países europeus, onde a organização do trabalho e a negociação coletiva permanecem fortes, sugere que essas podem não ser a solução completa.
O problema é que sólidos direitos trabalhistas também podem criar mercados de trabalho dualísticos, em que os benefícios são atribuídos aos insiders, enquanto muitos trabalhadores menos experientes lutam para encontrar emprego. A extensiva negociação coletiva e os robustos regulamentos trabalhistas geralmente têm atendido bem os trabalhadores franceses. Mas a França tem uma das maiores taxas de desemprego juvenil entre as economias avançadas.
Uma terceira estratégia, que visa minimizar o desemprego, é garantir uma demanda de trabalho adequada por meio de políticas macroeconômicas expansionistas. Quando a política fiscal mantém a demanda agregada alta, empregadores vão atrás de trabalhadores — e não o contrário —, e o desemprego pode permanecer baixo. A pesquisa de Larry Mishel e Josh Bivens, do Instituto de Política Econômica, mostra que a austeridade macroeconômica é uma das principais razões pelas quais os salários nos Estados Unidos ficaram para trás em relação à produtividade desde os anos 1980. Em contraste, a agressiva resposta fiscal do governo Biden à crise de covid-19 garantiu que os salários nos Estados Unidos aumentassem em meio a uma acentuada queda do desemprego.
Mas, embora os restritos mercados de trabalho possam ajudar os trabalhadores, eles também podem representar um risco de inflação. Além disso, a política macroeconômica não pode visar os trabalhadores menos qualificados ou as regiões onde os empregos são mais necessários.
Uma quarta estratégia, então, seria mudar a estrutura da demanda na economia a fim de beneficiar os trabalhadores com menor escolaridade e, em particular, as regiões deprimidas. A escassez de empregos seguros para a classe média está intimamente ligada ao desaparecimento — como resultado da globalização e da mudança tecnológica — do trabalho industrial de colarinho azul e das vendas no setor de serviços e empregos administrativos. Os formuladores de políticas devem se concentrar na expansão da oferta de empregos no meio da distribuição de habilidades para reverter esses efeitos polarizadores.
Isso envolve a revisão dos existentes programas de desenvolvimento industrial e de negócios, de modo que os incentivos sejam alocados para as empresas com maior probabilidade de gerar empregos decentes nos lugares certos e sejam elaborados com as necessidades dessas empresas em mente. As políticas industriais convencionais que visam a fabricação intensiva em habilidades e capital, e que dependem fortemente de incentivos fiscais, não farão muito para estimular a expansão de bons empregos para aqueles que mais precisam deles. Minha colega de Harvard Stefanie Stantcheva e eu discutimos algumas ideias preliminares em um relatório que preparamos para o presidente francês Emmanuel Macron.
Em última análise, aumentar os rendimentos do trabalho e sua dignidade requer tanto o fortalecimento do poder de barganha dos trabalhadores quanto o aumento da oferta de bons empregos. Isso daria a todos os trabalhadores uma situação mais vantajosa e uma justa parte da prosperidade futura.