Avanço da IA: evento da Meta, nos EUA, trouxe novos chatbots voltados para a produtividade (Bloomberg/Getty Images)
Articulista
Publicado em 5 de outubro de 2023 às 06h00.
Em todo o mundo, a oferta vem lutando para acompanhar a demanda. A inflação continua teimosamente alta, apesar dos aumentos agressivos das taxas de juro. A força de trabalho global está envelhecendo depressa. A escassez de mão de obra é onipresente e persistente.
Essas são apenas algumas das forças por trás do desafio de produtividade que a economia global tem pela frente. E está ficando cada vez mais claro que devemos tirar proveito da inteligência artificial para encarar esse desafio.
Nas últimas quatro décadas, o rápido crescimento das economias emergentes trouxe um aumento na capacidade produtiva, que atuou como uma poderosa força desinflacionária do lado da oferta. A China, em particular, serviu como um robusto motor de crescimento. Mas esse motor de crescimento das economias emergentes tem perdido força de modo significativo nos últimos anos. O crescimento pós-pandemia da China está bem abaixo do potencial, e em queda.
Além disso, as tensões geopolíticas, os choques da era pandêmica e as alterações climáticas estão perturbando cadeias de abastecimento globais, e uma combinação de incentivos de mercado e novas prioridades políticas — como “desarriscar” e aumentar a resiliência — vem impelindo governos a buscar o processo (bastante caro) de diversificação da cadeia de abastecimento. Enquanto isso, os níveis de dívida soberana são altos e crescentes, reduzindo a capacidade fiscal dos países de realizar investimentos públicos orientados para o crescimento e desestabilizando algumas economias.
Essas são tendências seculares, o que significa que provavelmente serão características persistentes da economia global na próxima década. As restrições de oferta e o aumento dos custos vão reprimir o crescimento. A inflação continuará sendo uma ameaça persistente, exigindo taxas de juro mais altas, que elevem o custo do capital. Investimentos cada vez mais urgentes em larga escala na transição energética serão extremamente difíceis — em termos econômicos, políticos e sociais — de conseguir; sem eles, contudo, as perturbações relacionadas ao clima vão piorar.
Mas há notícias promissoras. Como Gordon Brown, Mohamed El-Erian e eu argumentamos em nosso próximo livro, Permacrisis: A Plan to Fix a Fractured World (“Permacrise: um plano para consertar um mundo fraturado”, numa tradução livre), uma ampla alta na produtividade poderia mudar esse cenário de modo significativo. E, com a tecnologia de inteligência artificial avançando depressa, dificilmente isso é papo-furado de vendedor. A chave é garantir que o crescimento da produtividade seja um foco central da inovação e das aplicações da IA nos próximos anos.
Mesmo que a IA tenha avançado do reconhecimento de caligrafia para o reconhecimento de voz, imagem e objetos, o consenso era que a tecnologia funcionava melhor em domínios bem definidos. Ela não tinha uma capacidade semelhante à humana de detectar em qual domínio estava trabalhando e trocar de domínio conforme necessário.
Isso mudou com o surgimento de grandes modelos de linguagem (large language models — LLMs, na sigla em inglês) e com a IA generativa em termos mais gerais. Os LLMs são capazes de compreender a linguagem e parecem capazes de detectar e alternar domínios de forma independente, talvez se aproximando da inteligência artificial geral. O potencial de aumento da produtividade ampla é considerável.
Os LLMs funcionam como plataformas de uso geral para a construção de aplicações para usos específicos em toda a economia do conhecimento. Por entenderem e produzirem linguagem comum, qualquer um pode usá-los. O ChatGPT supostamente atraiu 100 milhões de usuários nos dois meses posteriores a seu lançamento público.
Além disso, os LLMs são treinados num volume grande de material digital, ou seja, a variedade de tópicos que eles conseguem abordar é enorme. Essa combinação de acessibilidade e cobertura significa que os LLMs têm uma gama muito mais ampla de usos potenciais do que qualquer tecnologia digital anterior — inclusive as ferramentas anteriores baseadas em IA.
A corrida para desenvolver tais aplicações, ligadas a um grande número de setores e categorias de trabalho, já começou. A OpenAI, empresa por trás do ChatGPT, criou uma interface de programação de aplicativos (application program interface — API) que permite que outras pessoas criem suas próprias soluções de IA na base dos LLMs, adicionando dados e treinamento especializado para o uso específico que estão pensando.
Um estudo de caso recente do economista do MIT Erik Brynjolfsson e seus coautores dá uma indicação inicial do potencial de produtividade. O acesso a uma ferramenta fundamentada em IA generativa treinada com gravações de áudio de interações de atendimento ao cliente e métricas de desempenho aumentou em 14% a produtividade, em média, pelo critério de problemas resolvidos por hora.
Agentes de atendimento ao cliente menos experientes se beneficiaram mais da ferramenta, mostrando que a IA — que encapsula e filtra a experiência acumulada de um sistema inteiro ao longo do tempo — pode ajudar os trabalhadores a “escalar a curva de experiência” mais depressa. É provável que esse efeito de “nivelamento” seja um traço comum das aplicações de IA, particularmente aquelas que se encaixam nesse “modelo de assistente digital”.
Há muitas versões desse modelo, que podem tirar proveito da capacidade das IAs e dos sistemas de inteligência ambiental de rastrear e registrar resultados. Para os médicos que atendem pacientes ou fazem rondas em um hospital, as ferramentas de IA podem produzir um esboço inicial dos relatórios necessários, que o médico precisará apenas editar. As estimativas de economia de tempo variam, mas são todas muito grandes.
Sem dúvida, a IA também pode permitir a automação de muitas tarefas e a substituição de trabalhadores humanos. Mas as ferramentas de IA são fundamentalmente máquinas de previsão; elas cometem erros, inventam coisas e perpetuam os preconceitos em cima dos quais foram treinadas. Diante disso, é improvável que aplicações prudentes excluam os seres humanos tão cedo.
Para atingir o potencial de aumento de produtividade da IA, os formuladores de políticas terão de agir em várias áreas. Para começar, a inovação, a experimentação e o desenvolvimento de aplicações dependem do acesso generalizado aos LLMs. Talvez haverá concorrência suficiente para garantir o acesso a um custo sensato. Contudo, dada a escassez de empresas com capacidade computacional para treinar LLMs, os reguladores devem permanecer vigilantes nessa frente.
Além disso, o governo precisará colaborar com a indústria e os pesquisadores para estabelecer princípios amplamente aceitos para a gestão e o uso responsáveis de dados, além de implementar regulamentações para defender esses princípios. É essencial encontrar o equilíbrio certo entre segurança e abertura; as regras não podem ser tão restritivas que impeçam experimentação e inovação.
Por fim, os pesquisadores de IA precisam de acesso a um poder computacional significativo para testar e treinar novos modelos de IA. Os investimentos do governo num sistema de computação em nuvem gerariam avanços de longo prazo em IA e robótica, com benefícios econômicos de longo alcance. De fato, uma gestão eficaz e voltada para o futuro do desenvolvimento da IA, combinada a um compromisso renovado com a cooperação global, poderia muito bem ser a chave para um futuro mais próspero, inclusivo e sustentável.