Revista Exame

Hollywood descobre o Danúbio

Graças a incentivos fiscais, mão de obra especializada, baixos salários e uma arquitetura diversificada, Budapeste é a nova menina dos olhos dos produtores de cinema

Budapeste, na Hungria: o governo já decuplicou suas receitas com o cinema (Hannah Gleghorn/Stock.xchng)

Budapeste, na Hungria: o governo já decuplicou suas receitas com o cinema (Hannah Gleghorn/Stock.xchng)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Versatilidade não é problema: ela já “representou” diferentes períodos de cidades tão diferentes como Buenos Aires, Munique e Paris. Da mesma forma, é capaz de convencer “atuando” em filmes de época ou em narrativas contemporâneas. Esse curinga, sonho de qualquer diretor de cinema, fica bem no meio da Europa e atende pelo nome de Budapeste. A cidade aprovou em 2004 uma lei que oferece incentivo fiscal para permitir que até 20% do custo total de uma produção cinematográfica seja abatido dos impostos recolhidos, de forma a atrair estúdios estrangeiros para filmar na capital húngara. Desde então, só a receita recolhida pelo Estado com produções internacionais no país aumentou mais de dez vezes e atingiu 157 milhões de dólares, de acordo com a Agência Nacional Húngara de Filmes. Foram 52 produções estrangeiras rodadas por lá só no ano passado — seis vezes mais do que em 2004. Robert Pattinson, o galã que leva adolescentes à histeria na pele do vampiro da série Crepúsculo, está trabalhando na cidade, filmando com Uma Thurman o clássico Bel Ami. Levando em conta que a economia local está mergulhada em uma crise profunda, com uma contração do PIB de 6,7% em 2009 e um empréstimo de 25 bilhões com o FMI, não é nada mal atrair uma indústria milionária.

Mas seria ingenuidade apontar o incentivo fiscal como causa única da explosão de produções às margens do Danúbio. Vizinhos como a República Checa e a Bulgária também criaram seus me canismos econômicos para atrair os grandes estúdios, sem obter o mesmo efeito. A diferença é que a Hungria tem uma tradição cinematográfica de mais de 100 anos. São húngaros Michael Curtiz, diretor de Casablanca, e Adolph Zukor, fundador do gigante da indústria Paramount Pictures, para ficar apenas em exemplos de cidadãos do país que migraram e ficaram famosos em Hollywood. “O know-how das equipes húngaras não deixa a desejar em nada em relação ao das americanas, com a diferença importantíssima de que são muito mais baratas, trabalham mais e não fazem greve”, diz Denise Di Novi, produtora veterana que tem no currículo créditos por participações em Batman — O Retorno e Edward Mãos de Tesoura.


Em busca justamente das vantagens fiscais e do baixo custo, o maior estúdio independente americano, o Raleigh Studios, investiu 75 milhões de dólares para inaugurar, em abril, uma filial de 3 700 metros quadrados nos arredores de Budapeste. Assim, pode ter um acesso mais direto ao incentivo fiscal, que só é dado às companhias locais que se associam a produtores estrangeiros. O primeiro filme que o Raleigh está rodando dando na cidade é Monte Carlo, produzido por Nicole Kidman e com previsão de estreia para o início de 2011. “Os salários de equipe em Budapeste são um terço dos de Hollywood, com a mesma qualidade tanto em pré quanto em pós-produção e filmagens”, diz Michael Newport, diretor do Raleigh Studios. A arquitetura também ajuda. A região é habitada desde o Império Romano, e isso se reflete nas construções, que variam tanto em idade como em estilo. “Aqui você pode fazer 200 filmes diferentes, cada história ambientada em um lugar do mundo, e ninguém vai dizer que foram feitos na mesma cidade”, diz Daniel Kresmery, portavoz do Korda Studios, que atualmente filma a série de televisão Os Bórgias, uma superprodução que se passa no século 15, em Roma.

É claro que a crise econômica que vive a Hungria ajuda na disposição governamental de seduzir produtores estrangeiros, que trazem preciosos dólares e euros para o país — o florim húngaro nunca foi uma moeda forte —, mas o cinema é muito mais do que isso para os húngaros. “Você pode gastar seu PIB inteiro em relações públicas que ainda não chegará nem perto do tipo de exposição positiva que Hollywood consegue promover”, diz Geza Szocs, secretário de Cultura da Hungria. É por isso que o país, mais do que oferecer incentivos fiscais, dá todo o suporte a quem quer fazer filmes por lá. “O governo entende bem o ‘fazer cinema’ e se esforça ao máximo para facilitar a vida das produções, seja na parte burocrática da papelada, seja nas autorizações para as externas”, diz Renata Buzzar, produtora do filme Budapeste, baseado no livro de Chico Buarque e rodado na cidade. Com tanta vontade e com cenários tão fotogênicos, não admira que os esforços para se tornar um polo de cinema tenham funcionado. O que se espera é que tamanha versatilidade consiga ajudar a Hungria a sair do buraco.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0973[]

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda