Revista Exame

Harley-Davidson de volta à estrada

Após dois anos de estagnação e uma briga com seu sócio local, a Harley-Davidson voltou a crescer no Brasil — para isso, foi preciso começar tudo do zero

“Harleyro” nos Estados Unidos: para recuperar espaço no Brasil, a empresa teve de baixar os preços (Divulgação)

“Harleyro” nos Estados Unidos: para recuperar espaço no Brasil, a empresa teve de baixar os preços (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 11 de fevereiro de 2012 às 07h00.

São Paulo - É difícil encontrar uma empresa que tenha consumidores tão devotados quanto a montadora americana Harley-Davidson — uma turma cujo maior prazer é ir para lá e para cá em estradas, sem destino, de preferência em bando, com jaquetão de couro, calça jeans surrada e aquele olhar de desprezo para os motoqueiros normais.

No Brasil, eles se autodenominam “harleyros”, ou PhDs para os íntimos — a sigla significa Proprietário de Harley-Davidson, e seu sonho é conseguir gravar as iniciais nas placas de suas­ motos. Pois, apesar da paixão dos harleyros, a vida estava dura para a montadora no Brasil, quinto maior mercado de motos do mundo.

Enquanto as concorrentes cresciam, a Harley-Davidson entrava numa crise sem precedentes em 2009, quando a matriz e seu representante local começaram a brigar. As vendas caíram 35% em dois anos. Para piorar, a falta de peças para manutenção deixou os clientes em polvorosa: as reclamações foram tantas que até o Ministério Público gaúcho decidiu investigar o que estava acontecendo.

No fim de 2010, a matriz da empresa e seu sócio Paulo Izzo desistiram de uma ação na Justiça, e um acordo colocou a Harley-Davidson no comando da operação brasileira. Passado um ano de paz, os primeiros resultados começam a aparecer. As vendas subiram 50% em 2011.

Um ano atrás, era difícil imaginar que a reversão do declínio aconteceria tão rapidamente. Na manhã do dia 8 de fevereiro, todas as oito concessionárias da Harley — que pertenciam à empresa de Izzo — fecharam as portas. Simultaneamente, a matriz inaugurou duas lojas, uma em São Paulo e outra em Belo Horizonte.

“Precisávamos praticamente começar do zero”, diz Longino Morawski, executivo trazido da Toyota para comandar a Harley-Davidson no Brasil. “Tínhamos de estar com tudo pronto — concessionárias, pós-venda, entrega de peças — entre dezembro de 2010, data do acordo na Justiça, e fevereiro do ano seguinte, quando a Harley-Davidson assumiria de vez a operação.”

A empresa não tinha sequer um escritório no país. Além das duas revendas abertas em fevereiro, outras oito foram inauguradas em 2011. 

Concorrência

Para reconquistar espaço, a Harley-Davidson teve de se adaptar. Enquanto a montadora patinava, a concorrência aumentava seus investimentos no Brasil. As vendas de motos no segmento de altas cilindradas vêm crescendo 38% ao ano. Para atender à demanda, a BMW expandiu sua rede de concessionárias (eram 12 em 2009, hoje são 26).


No ano passado, a Honda abriu uma rede de lojas dedicada somente a modelos mais sofisticados, a Honda Dream. Já são 70 lojas, e a meta dos japoneses é chegar a 100 até o fim de 2012. 

Em sua tentativa de encontrar novos PhDs e minar o terreno da concorrência, a Harley-Davidson teve de ampliar o número de motos — e baixar os preços significativamente. Uma pesquisa realizada com 200 consumidores mostrou que os brasileiros também queriam modelos mais leves e, sobretudo, baratos.

Em vista disso, a Harley-Davidson trouxe oito novas motos ao mercado, entre elas a Street Glide, modelo mais vendido pela empresa no mundo, e uma nova versão da V-Rod, voltada para o público jovem por parecer mais uma moto esportiva do que uma Harley-Davidson tradicional. Ao mesmo tempo, a montadora reduziu, em média, 10% o preço de suas motos — em alguns casos, o desconto chegou a 50%. 

Além de conquistar novos clientes, os executivos da montadora tiveram de se preocupar em remendar a relação com os velhos harleyros. Como a fábrica da empresa fica em Manaus, muitas vezes os clientes tinham de esperar meses até que determinada peça ou acessório fosse enviado, o que gerava uma enxurrada de reclamações.

Para contornar o problema, a Harley construiu um armazém nas proximidades do rodoanel de São Paulo com espaço para mais de 11 000 itens. ­“Tínhamos de esperar meses por uma simples pastilha de freio”, diz o empresário carioca Rodrigo Azevedo, diretor da uma das organizações de proprietários da marca, a Harley’s Owner Group Rio. (Por e-mail, Paulo Izzo afirma que a responsabilidade sobre a fabricação e a importação das peças ficava a cargo da matriz.)

Para melhorar o clima, a empresa passou a apoiar cafés da manhã de consumidores nas concessionárias e trouxe para o Brasil alguns de seus eventos internacionais, como o Harley Day. O primeiro deles, realizado no Rio de Janeiro em novembro do ano passado, reuniu mais de 30 000 pessoas.

A recuperação da operação brasileira não poderia ter chegado em melhor momento para a Harley-Davidson. Impedida de crescer na China devido a restrições ao uso de motocicletas de alta cilindrada e recém-chegada à Índia, a empresa tem no Brasil sua principal aposta de crescimento — as vendas na América Latina subiram 17,5% em 2011, o melhor resultado da Harley no mundo.

“Hoje, quase dois terços da receita vêm dos Estados Unidos, que está em crise”, diz Morawski. Em 2011, a receita global da montadora cresceu pela primeira vez desde 2006.

A participação do Brasil nessa virada foi ínfima: o país representa apenas 2% das unidades vendidas pela Harley no mundo. O objetivo da matriz é fazer o Brasil, hoje o sétimo maior mercado da montadora, chegar a segundo ou terceiro em cinco anos. Haja PhD.

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