Revista Exame

Para Rogoff, de Harvard, a economia inicia um novo ciclo de crescimento

Para Kenneth Rogoff, um dos mais respeitados economistas americanos, só agora os países ricos começaram a se recuperar do choque de 2008

O economista Kenneth Rogoff: “Uma crise tende a levar de oito a dez anos para cicatrizar. Já se passaram dez anos e ainda há muito a ser curado”  (Jason Alden/Getty Images)

O economista Kenneth Rogoff: “Uma crise tende a levar de oito a dez anos para cicatrizar. Já se passaram dez anos e ainda há muito a ser curado” (Jason Alden/Getty Images)

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Filipe Serrano

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 10h48.

Última atualização em 17 de setembro de 2018 às 13h44.

Dez anos depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em 14 de setembro de 2008 — o marco zero da crise financeira —, a economia global passa hoje por um momento de reaquecimento. A boa fase é visível nas economias ricas, como Estados Unidos, Europa e Japão, mas tem levado a uma rápida desvalorização das moedas de países emergentes, como Brasil e Turquia. Para Kenneth Rogoff, professor na Universidade Harvard e um dos mais respeitados economistas do mundo, os emergentes estão sendo afetados pelo fim de um superciclo de endividamento, depois de um longo período de juros baixos no mundo e de uma grande entrada de capital estrangeiro. É algo parecido com o que ocorreu com os Estados Unidos em 2008 e com a Europa em 2009. Junto com a economista Carmen Reinhart, Rogoff é autor de um estudo pioneiro que analisou o padrão das crises financeiras ao longo de oito séculos em 66 países. Para ele, se a história servir de exemplo, a economia global ainda continuará sua fase de expansão pelos próximos cinco ou dez anos.

Que tipo de lições a crise financeira de 2008 deixou para o mundo?

A crise deixou uma marca muito profunda sobre políticos, reguladores, consumidores e banqueiros. Mas existe uma ampla gama de conclusões. Os bancos centrais chegaram à conclusão de que é necessário monitorar o sistema financeiro mais de perto. É preciso ter regulamentações mais rígidas e mais transparência no sistema financeiro. Ao mesmo tempo, políticos populistas decidiram que Wall Street não é confiável e defendem um modelo econô-mico de esquerda para prevenir que outra crise aconteça. Por outro lado, nas pesquisas que fiz, e que cito em meu livro Oito Séculos de Delírios Financeiros, vemos que as crises financeiras são parte da natureza humana. E a crise de 2008 foi, em muitos aspectos, muito típica. É claro: ela não atingiu apenas os Estados Unidos. Foi em todo o mundo. Mas tinha características típicas de outras crises. Então, acho que a lição mais importante é: temos de reconhecer que há sempre uma chance de uma crise financeira acontecer. E os governantes, investidores, consumidores têm de reconhecer isso. Sempre há um risco.

Mas por que essa crise se alastrou tão rapidamente, por tantos países?

Porque começou nos Estados Unidos. E vivemos num mundo muito dolarizado, em que metade de todo o mercado de capitais está cotada em dólares. Muitas pessoas pensavam que os Estados Unidos eram o único lugar em que não poderia ocorrer uma crise financeira. E, como vimos, os bancos europeus estavam muito expostos à dívida hipotecária subprime [empréstimos imobiliários dados a pessoas que não têm garantias suficientes]. A crise europeia que se seguiu é um pouco diferente. A zona do euro é uma construção incompleta. É extremamente vulnerável a qualquer tipo de choque. Se a crise do subprime não tivesse feito a zona do euro entrar em colapso, é muito provável que outro fator levasse a isso. Costumo descrever que tivemos uma crise causada pelo fim de um superciclo de endividamento. Primeiro, isso ocorreu nos Estados Unidos. Depois, na Europa. Há uns anos escrevi um artigo dizendo que os problemas poderiam se irradiar para os mercados emergentes. Acho que pode estar acontecendo agora.

Por que agora?

A crise do endividamento aconteceu em todo o mundo, mas não em todos os países ao mesmo tempo. Num primeiro momento, os Estados Unidos e o Reino Unido foram os mais atingidos. E, claro, pouco depois a crise europeia estava em plena força. Já os mercados emergentes se saíram muito bem após a crise. Mas alguns fizeram empréstimos excessivos em dólares. Alguns não fizeram reformas estruturais suficientes e estão começando a sentir dificuldades à medida que a economia dos Estados Unidos e a da Europa estão se normalizando.

A que países o senhor se refere? Argentina e Turquia? Ou incluiria também a China e o Brasil?

Obviamente, Argentina e Turquia são os que foram mais prejudicados recentemente. Mas uma série de outros mercados emergentes estão vulneráveis, como Indonésia, África do Sul, Índia, ou mesmo o Brasil, se as coisas piorarem.

Se o Fed (Banco Central americano)  mantiver o aumento das taxas de juro, quais podem ser os efeitos?

A grande questão é saber quantos países terão realmente uma grave crise da dívida e quantos vão somente sofrer uma grande desvalorização da moeda. Comparo com o que aconteceu em 2014, quando a cotação do rublo caiu pela metade num curto período. E, no entanto, a Rússia não decretou moratória. Portanto, o regime de câmbio flutuante é uma espécie de “colchão” para conter uma crise. Dito isso, países como a Turquia, que tem problemas políticos graves, ou a Argentina, que tem problemas estruturais, ainda vão ter dificuldades. Enquanto as taxas de juro ajustadas pela inflação não se moverem muito — isto é, as taxas de juro de 30 anos —, não acredito que vamos ver um monte de países entrando em moratória. É impossível prever, mas, quando o dinheiro é tão barato, é difícil ter um calote.

O Brasil corre risco?

A razão pela qual o Brasil está vulnerável é mais a questão política do que a econômica. A economia global vai continuar crescendo e, provavelmente, os preços das commodities vão subir. Isso pode ajudar o Brasil porque o país é bastante sensível aos preços globais das commodities. Mas há muitos problemas internos. Espero que isso diminua com o tempo.

Voltando ao tema da crise de 2008, o sistema financeiro está mais protegido?

Sim, e não é somente por causa das regulações. Mas porque as pessoas ainda sentem medo de investir por causa do que viveram em 2008. Os investidores ainda se comportam de maneira diferente. Os consumidores também se comportam de maneira diferente. Todos ainda têm consciência de que uma crise pode acontecer. Agora, por outro lado, há toda uma geração de pessoas nos Estados Unidos e na Europa que pensam que é impossível ter inflação alta. Provavelmente, voltaremos a ver uma inflação alta nesses países, em torno de 8% ao ano. Vamos ver isso ocorrer antes mesmo da próxima crise financeira. Porque todo mundo se esqueceu de que é possível ter inflação nos países ricos, do mesmo jeito que antes se pensava que os Estados Unidos nunca passariam por uma crise financeira. Isso é loucura. Claro que vamos ter inflação de novo.

Por que o senhor diz isso?

As coisas acontecem. Coisas surpreendentes, fora da caixa. E nós certamente podemos ter inflação e crises novamente. Há questões de economia política envolvidas. Há pressões políticas que levam a essas crises. E nenhum país, nem mesmo os Estados Unidos, está imune. A situação agora é muito, muito estável nos Estados Unidos. Ainda devemos ter um forte crescimento, uma inflação baixa por um longo tempo. Não acho que algo esteja prestes a acontecer tão cedo.

Funcionários deixam o banco Lehman Brothers após a falência em 2008: uma década desde o maior choque econômico do século 21 | Joshua Lott/REUTERS

O senhor se surpreende com o bom desempenho da economia americana?

Não estou surpreso. Acho que houve toda essa conversa sobre estagnação secular e que a economia nunca cresceria em ritmo forte novamente. Alguns economistas confundiram essa ideia com o período de recuperação pós-crise. Para mim, os Estados Unidos estão vivendo um período de lento crescimento da produtividade por causa da atuação de monopólios muito poderosos na economia. E as mudanças demográficas tornam o crescimento mais difícil. Mas venho dizendo há muitos anos que a economia voltaria a ter um longo período de forte crescimento, até para compensar a perda após os anos de lenta expansão. Isso explica grande parte do que estamos vendo ocorrer agora. Apoiei Hillary Clinton nas eleições em 2016, mas é preciso reconhecer que parte disso tem a ver com a desregulamentação feita pelo governo de Donald Trump e com um ambiente mais favorável às empresas.

Alguns economistas dizem que a boa fase tende a esfriar por causa do aumento dos gastos e da dívida pública nos Estados Unidos. Concorda?

Em nossas pesquisas, a economista Carmen Reinhart e eu mostramos que uma crise financeira sistêmica profunda tende a levar de oito a dez anos para cicatrizar. Já se passaram dez anos e ainda há muito a ser curado. Ainda estamos saindo da crise. E, portanto, há bastante espaço para a economia crescer. Mais pessoas estão voltando para a força de trabalho. Há mais investimento, o que leva a um aumento da produtividade. Quanto ao déficit fiscal, as taxas de juro são muito baixas. Por isso, não é caro gerenciar o déficit. Mas, se as taxas de juro aumentarem significativamente, em especial para os empréstimos de longo prazo, os Estados Unidos terão de fazer um ajuste muito grande. Não sei quando isso vai acontecer, e vai ser pior para a Europa do que para os Estados Unidos. Mas agora não há nenhum sinal de que isso vá acontecer tão cedo.

A próxima crise ainda está distante?

Em minha opinião, sim. Não acho que vamos ver outra crise financeira global agora. O que deve ocorrer é uma crise isolada em alguns países emergentes, a menos que haja uma crise na China. Temos de manter nossos dedos cruzados para que isso não aconteça. 

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