Revista Exame

Disparos acidentais, brigas e prejuízo na Taurus

A Taurus, maior fabricante de armas da América Latina, vive sua maior crise. Os resultados pioraram, os acionistas não se entendem e algumas armas vendidas para a polícia dispararam sozinhas


	Revólveres da fabricante de armas: a Taurus passou a investir para melhorar a qualidade
 (Ethan Miller/Getty Images/Getty Images)

Revólveres da fabricante de armas: a Taurus passou a investir para melhorar a qualidade (Ethan Miller/Getty Images/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2014 às 06h29.

São Paulo - No ano passado, em meio à onda de protestos que assolava o país, a Polícia Militar de São Paulo resolveu parar de usar, temporariamente, 98 000 pistolas calibre .40.

A decisão foi tomada depois de 30 armas terem disparado sozinhas — com a trava de segurança ainda ativada — ou dado vários tiros consecutivos, apesar de o policial ter apertado o gatilho uma única vez. Em alguns casos, só uma chacoalhada foi suficiente para fazer a pistola atirar (a PM não comenta, mas policiais dizem que houve feridos).

Entre 2011 e 2012, problemas idênticos haviam sido relatados pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro. No fim de 2013, foi a vez da PM do Distrito Federal informar que três submetralhadoras davam tiros em rajada quando o seletor estava na posição de um tiro por vez.

O ponto comum desses casos é o fato de as pistolas e as submetralhadoras terem sido feitas pela Taurus, maior fabricante de armas da América Latina e uma das dez maiores do mundo.

Com faturamento de 800 milhões de reais, a Taurus reina quase sozinha no Brasil. Mesmo assim, vive uma crise sem precedentes — as armas disparam sozinhas, os acionistas brigam publicamente e, por fim, os prejuízos se avolumam. 

Fundada em 1939 em Porto Alegre, a Taurus começou como uma fábrica de ferramentas. Depois da Segunda Guerra Mundial, passou a produzir revólveres e, no início da década de 70, foi vendida para a americana Smith & Wesson. Mas os americanos não gostaram do negócio e, em 1977, decidiram revendê-lo para três diretores brasileiros — Luis Fernando Estima, Carlos Murgel e Hebert Haupt.

Estima é o único que continua até hoje: detém o maior número de ações com direito a voto, 35% do total. A companhia cresceu por 20 anos, ajudada pelas restrições à importação e à instalação de fábricas de concorrentes estrangeiros no país. Mas, a partir de 1995, com o aumento da fiscalização na venda de armamentos e a proibição da propaganda, as vendas começaram a cair.

A Taurus, então, resolveu diversificar. Passou a fabricar máquinas industriais, ferramentas, contêineres, capacetes para motociclistas e coletes à prova de bala. Investiu 100 milhões de reais nisso, um terço de seu faturamento na época, mas só as linhas de capacetes e de coletes deram certo.

Também pesou no caixa da empresa a compra das ações dos dois sócios de Estima, que morreram. O melhor resultado da Taurus foi em 2010, quando lucrou 70 milhões de reais. Depois disso, os números pioraram.

Nos últimos dois anos, fechou no vermelho — em 2013, o prejuízo foi de 80 milhões de reais — e o endividamento, que respondia por quatro vezes a geração de caixa em 2012, cresceu para oito vezes.

Além disso, as exportações para os Estados Unidos, seu maior mercado fora do Brasil, diminuíram 28% no primeiro trimestre, porque a concorrência tem vendido produtos de melhor qualidade pelo mesmo preço, segundo executivos do setor. Procurados, os executivos da Taurus não deram entrevista. 

Com poucos recursos disponíveis, a companhia deixou de investir em modernização. Profissionais do setor dizem que a linha de produção é antiga e pouco eficiente e que a quantidade de produtos que eram fabricados até o fim do ano passado, cerca de 5 000, era excessiva. Nem todos davam lucro e era impossível fazer testes de qualidade cuidadosos.

A Taurus começou a fazer mudanças em 2013. Está implementando um novo sistema de produção para tentar minimizar falhas e, em março, reduziu o número de produtos fabricados para 800 — o objetivo é chegar a 400 até dezembro. Mas os investidores ainda não se convenceram do plano: neste ano, as ações caíram 64%, a maior baixa da Bovespa. 

Mesmo que as mudanças deem certo, há outro risco para os investidores: a disputa entre Estima e os acionistas minoritários — o principal deles é a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil — para conseguir maioria no conselho de administração e, assim, mandar na empresa.

No início de 2013, Estima propôs fazer uma oferta de ações para captar recursos e reduzir o endividamento da companhia. Os minoritários, que tinham maioria no conselho, vetaram. Para eles, ainda que tenha prejuízo, a empresa consegue renegociar as dívidas e amortizá-las com a geração de caixa.

Em seguida, Fernando Estima, sobrinho de Luis Fernando e conselheiro da Taurus, pediu para sair do cargo, o que dissolveu o conselho e obrigou a empresa a convocar uma nova eleição de conselheiros.

Antes da eleição, Estima negociou a entrada da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), maior fabricante de munição do país, no capital da empresa: vendeu parte de suas ações à CBC, que comprou outras no mercado até ficar com 15% de participação.

Assim, Estima, CBC e outros acionistas passaram a ter maioria no conselho. De acordo com investidores, o objetivo da nova oferta de ações é permitir que a CBC compre mais papéis e que as duas empresas caminhem para uma associação (a CBC não deu entrevista). 

Numa reunião de conselho em 27 de junho, Estima conseguiu outra vitória: não ser questionado sobre a venda da subsidiária de máquinas e ferramentas da Taurus, feita em 2012.

Uma consultoria contratada pelo conselho anterior apontou irregularidades na venda da subsidiária para a metalúrgica ­SüdMetal, do empresário Renato Conill, que foi lobista da Taurus junto ao governo na votação do estatuto do desarmamento, em 2003.

O atual conselho decidiu que o parecer precisa ser analisado por uma nova empresa. “Essa disputa está tirando o foco do que importa, que é investir para melhorar a qualidade”, diz André Gordon, sócio da gestora GTI, que investe na Taurus.

Em tese, a sociedade entre Taurus e CBC, que tem o monopólio da fabricação de munição no país, é ótima para as empresas. Juntas, elas têm mais força para competir com companhias estrangeiras, como a austríaca Glock e a checa CZ, que planejam instalar fábricas aqui (a lei brasileira passou a permitir isso em 2012).

Ainda assim, os minoritários estão torcendo contra: esperam que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica vete a união, porque assim voltariam a ter ingerência na gestão da Taurus. Os investidores fizeram duas reclamações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que, até o fechamento desta reportagem, não havia aberto processo para investigar o caso.

A Taurus afirmou, por e-mail, que o problema das armas com defeito já foi resolvido. Já a PM de São Paulo disse, também por e-mail, que “há relatos, relatórios e laudos de armas que, após a correção efetuada, ainda apresentaram problemas de disparos acidentais”. É um problemão — mas apenas um dos que a Taurus precisa resolver.

Acompanhe tudo sobre:Armascidades-brasileirasComércio exteriorCrises em empresasEdição 1069EmpresasEquipamentos e peçasExportaçõesIndústriaIndústria de armasIndústrias em geralMáquinas e peçasPorto AlegreSóciosTaurus

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda