Revista Exame

A guerra pela Hillshire entre a Tyson Foods e a JBS

A disputa bilionária por uma empresa americana deixa claro — o gigantismo da brasileira JBS está mesmo incomodando as mais tradicionais empresas de carne do mundo

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Da Redação

Publicado em 10 de junho de 2014 às 11h58.

São Paulo - Dois adversários bastante diferentes entre si protagonizam aquela que é a mais animada disputa empresarial do mercado de alimentos americano. De um lado está a tradicionalíssima Tyson Foods. Fundada pela família Tyson em 1931, no estado americano de Arkansas, a empresa tem capital aberto desde 1963 e há décadas é uma das maiores processadoras de carne do planeta.

Nos últimos dez anos, porém, a Tyson vem crescendo em ritmo, digamos, de vacas pastando tranquilamente no campo. Em 2007, faturou 26 bilhões de dólares. No ano passado, chegou a 34 bilhões, numa expansão de 30%.

Do outro lado está a brasileira JBS, uma das empresas mais agressivas do mundo — e que cresce em ritmo de estouro da boiada (turbinada, é bom que se diga, pelo dinheiro do BNDES). Há dez anos, a empresa, comandada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, faturava 1 bilhão de dólares.

Em 2007, ano em que abriu o capital, chegou a 8 bilhões. No ano passado, atingiu 39 bilhões de dólares. Nenhuma empresa do setor gastou tanto com aquisições no período. Foram 17 bilhões de dólares, boa parte destinada à compra de empresas americanas, como Swift e Pilgrim’s Pride.

Para a Tyson, acostumada ao posto de maior dos Estados Unidos, foi um baque. Não apenas a JBS se tornou maior como passou a incomodar para valer no quintal (ou na cozinha) da Tyson. Isso explica por que, no dia 29 de maio, a empresa americana ofereceu 6,8 bilhões de dólares para comprar a processadora de carnes Hillshire Brands, de Chicago.

Dois dias antes, a JBS havia oferecido 6,4 bilhões de dólares pela mesma empresa. Até o fechamento desta reportagem (no dia 30 de maio), não havia uma definição sobre quem levaria a Hillshire. 

A Pilgrim’s Pride, subsidiária americana da JBS que oficialmente fez a oferta, ofereceu 45 dólares por ação da Hillshire. A Tyson ofereceu 50 dólares logo depois. Onde o leilão vai parar? A empresa de análise americana Gimme Credit calcula que 55 dólares por ação é o valor máximo que as empresas poderão pagar caso a disputa se mantenha em bases racionais (o que nem sempre acontece).

Esse preço significaria um prêmio de 50% em relação ao valor da ação no início de maio. E quem tem mais chance de chegar a esse preço é a Tyson. “A JBS não costuma pagar caro”, diz Vicki Bryan, analista da Gimme Credit. Para ajudar, a Tyson praticamente não tem dívidas, o que dá uma boa margem para ser mais voluntariosa se necessário. 

Mas não convém duvidar da agressividade dos irmãos Batista. Desde 2007, quando compraram a americana Swift, uma das maiores processadoras de carne dos Estados Unidos, analistas e concorrentes repetem que a empresa dá passos ousados demais (ou seja, se endivida abusivamente e arrisca tentando fazer o que não sabe).

Depois, em 2009, foi a vez de comprar a Pilgrim’s, segunda maior processadora de carne de frango dos Estados Unidos, e o frigorífico brasileiro Bertin. Mas, a cada nova aparente loucura, a JBS mostrou que sabia o que fazer com as empresas compradas. A Pilgrim’s, que estava agonizando em 2009, lucrou 554 milhões de dólares em 2013, oito vezes mais do que há cinco anos.

O lucro do grupo cresceu dez vezes em cinco anos, para 1,2 bilhão de reais. Melhorar a eficiência de processadoras de carne moribundas é uma especialidade de Wesley, presidente da JBS. Na Swift, ele reduziu os níveis hierárquicos de nove para cinco. E passou a aprovar na hora projetos que antes levavam meses. 

Tudo isso vai ser testado caso a compra da Hillshire se concretize. Pela primeira vez, a JBS tenta comprar uma grande empresa que não passa por dificuldades — logo, as oportunidades de redução de custos diminuem e torna-se mais importante ter uma boa ideia acerca do que fazer com a empresa comprada.

A Hillshire é um sonho antigo. Em 2010, quando a empresa ainda era o braço de alimentos do conglomerado Sara Lee, a JBS fez uma oferta pelo grupo. Por falta de um acordo sobre o preço e o financiamento, a negociação não foi em frente. Em junho de 2012, a Sara Lee anunciou que iria separar seu negócio de café da unidade de alimentos, que recebeu o nome Hillshire Brands.

A empresa faturou 3,9 bilhões de dólares em 2013 e é dona de marcas conhecidas nos Estados Unidos, como Jimmy Dean e Hillshire Farm, que fabricam de salsichas a ­waffles. Seu maior atrativo é justamente a gama de produtos de alto valor, que fogem do tradicional negócio de carne in natura que marcou a história tanto de JBS quanto de Tyson.


Em 2013, a Hillshire teve margem operacional de 7,4%, ante 4,8% da JBS e 4,5% da Tyson. Em fevereiro deste ano, os executivos da JBS e da Hillshire voltaram a conversar, num encontro na sede da Hillshire, em Chicago. Três meses depois, no dia 27 de maio, veio a oferta Procurada, a JBS não deu entrevista.

Na teoria, não é o melhor momento para fazer uma oferta dessas. Em junho de 2013, a JBS pagou 5,8 bilhões de reais pela fabricante de alimentos processados Seara, que pertencia ao concorrente Marfrig. Em abril, começou a preparar a abertura do capital da companhia, rebatizada de JBS Foods e com faturamento de 12 bilhões de reais.

A aquisição fez a dívida líquida da JBS saltar de 15 bilhões de reais em 2012 para 23,7 bilhões de reais no ano passado — equivalente a 3,8 vezes a geração de caixa, patamar considerado alto. O plano para 2013 era integrar a nova empresa ao restante do grupo e, aos poucos, reduzir o endividamento.

Era o que os acionistas estavam esperando. Mas, se comprar a Hillshire, a conta subirá — o que, para a agência de classificação de risco Moody’s, poderá derrubar a nota da dívida da empresa. Para aliviar a alavancagem, no dia seguinte à oferta pela Hillshire a JBS anunciou que recompraria títulos com vencimento em 2016 e emitiria novos papéis com vencimento em dez anos.

No mundo dos negócios — e especialmente na cabeça de quem pensa como os Batista — nem sempre faz sentido ficar esperando pelo momento ideal de fazer as coisas. No caso da Hillshire, essa era uma chance única. No dia 12 de maio, a Hillshire anunciou uma oferta de 4,3 bilhões de dólares para comprar a Pinnacle, fabricante de molhos e tortas.

Se a coisa andasse, uma possível aquisição pela JBS no futuro ficaria cara demais. “A oportunidade para seus acionistas não existirá mais caso a aquisição com a Pinnacle seja consumada”, disse Wesley Batista na proposta enviada à Hillshire.

Onda de consolidação  

Além da disputa particular entre ­Tyson e JBS por espaço na cozinha dos americanos, o que explica a disputa pela Hillshire é uma onda de consolidação que está bagunçando o mercado de alimentos. Nos últimos anos, uma série de companhias entrou em novos setores, comprou concorrentes, separou operações, de olho em maiores lucros e menores custos.

A Sara Lee é um exemplo. Outro é a Kraft, que no fim de 2012 separou sua unidade de doces do restante da companhia. No mercado de carnes, em 2013, a processadora de carne suína americana SmithField foi vendida à chinesa Shuanghui.

Além da JBS, outra brasileira que protagoniza essa mexida global é a BRF, comandada desde 2013 pelo empresário Abilio Diniz. Mas as duas gigantes nacionais têm estratégias opostas. A BRF, ao contrário da JBS, manteve uma postura mais cautelosa nos últimos anos. Faturou 30 bilhões de reais em 2013 — 50% mais do que em 2009 —, enquanto a JBS triplicou de tamanho.

A alavancagem é de apenas duas vezes a geração de caixa. A ordem na BRF é manter os pés no chão — talvez esperando que, alguma hora, o rival mais agressivo e endividado enfrente uma crise. Hoje, a JBS é três vezes maior do que a BRF. Se crescer como projetam os analistas, terminará o ano quase quatro vezes maior. Talvez seja o caso mesmo de começar a torcer contra.

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