Christopher Freeman: sua missão era vender a Granado, mas decidiu ficar com ela (Marcelo Correa/Exame)
Da Redação
Publicado em 12 de março de 2016 às 05h56.
São Paulo — O que faz uma empresa sobreviver mais de 100 anos? Especialistas em gestão vivem debruçados sobre essa pergunta. Afinal, a regra é morrer, e morrer rapidamente. As estatísticas são cruéis. Apenas 3% das companhias familiares aguentam até a chegada dos bisnetos dos fundadores. Nas últimas décadas, a tendência se agravou.
Até os anos 60, as maiores empresas americanas viviam, em média, 61 anos. Hoje, a taxa passou para 18 anos. Então qual é o segredo das centenárias? Saber se adaptar, não vender um produto só, entender que desempenho passado não é garantia de sucesso futuro. São as lições mais comuns — mas, como em tudo na vida, as exceções estão por aí.
Quando o inglês Christopher Freeman comprou a fabricante de produtos de higiene carioca Granado em 1994, assumiu uma empresa com 124 anos que fazia rigorosamente a mesma coisa — um talco — havia pelo menos 90. Gastou 8 milhões de dólares. Nas duas décadas seguintes, Freeman virou a Granado pelo avesso. E, hoje, tem uma empresa centenária que vale cerca de 1,5 bilhão de reais.
Comprar a Granado foi quase um ato de loucura. Freeman, então um auditor e consultor de negócios, havia sido contratado pela família fundadora para vender a empresa. Tentou de todo jeito, mas não houve quem se interessasse pela fabricante de um produto só. Freeman decidiu vender tudo o que tinha, tomar dinheiro emprestado com amigos e bancos e fechar ele mesmo o negócio.
A loucura foi plenamente recompensada pela sorte. Dias depois de concluída a compra, entrou em vigor o Plano Real. O mercado brasileiro de consumo começaria ali a melhor fase de sua história. E Freeman tinha uma marca conhecida por todos. Podia até ser a “marca da vovó”, como diziam os concorrentes. Mas já era um começo.
Quando comprou a Granado, Freeman pretendia se concentrar na produção, inclusive de outras marcas. Passou a fabricar produtos da americana Sara Lee, que havia comprado a marca de sabonetes Phebo da também americana Procter&Gamble em 1998. Seis anos depois, a Sara Lee passou por uma reestruturação e se retirou do segmento de cuidados pessoais.
Foi quando Freeman decidiu ficar com a Phebo e investir numa rede de lojas próprias. Para isso, contou com a ajuda de sua filha Sissi, hoje diretora de marketing e vendas da Granado. Na época, Sissi tinha voltado de uma temporada de estudos nos Estados Unidos, onde trabalhara em pequenas fábricas de cosméticos.
“Começamos a pensar em redesenhar as embalagens e criar novas lojas com visual retrô”, diz Freeman. As lojas replicaram espaços das antigas boticas. “Fizemos a primeira no centro do Rio e deu tão certo que fomos expandindo.” Atualmente, a Granado tem 45 lojas próprias — o plano é abrir mais sete unidades até o fim do ano.
Com uma operação relativamente pequena, sobretudo se comparada ao poder das multinacionais do setor, Freeman conseguiu colocar seus sabonetes nas prateleiras dos supermercados ao lado dos produzidos por gigantes como Johnson&Johnson e Unilever (a Granado fatura 400 milhões de reais por ano).
E, enquanto as multinacionais vendem seus produtos na casa de 1 real, o consumidor paga duas ou três vezes mais por um Phebo ou um Granado. As lojas próprias representam 25% do faturamento da Granado e vendem mais em datas festivas graças aos kits de presentes.
Já os itens mais básicos, como o famoso talco de polvilho antisséptico, são encontrados em mais de 50.000 pontos de venda, como farmácias, perfumarias e supermercados, responsáveis por 75% da receita da Granado. A empresa deixou de depender de talcos e sabonetes e passou a fabricar mais de 800 itens, incluindo linhas para bebês e para pets.
O mercado brasileiro de higiene e beleza é um dos que mais crescem no mundo, o que aguça o apetite dos gigantes do setor. Em 2014, a francesa L’Oréal comprou a marca popular Niely e, no ano passado, a americana Coty adquiriu a divisão de higiene da brasileira Hypermarcas.
Ambas pagaram muito — cerca de 15 vezes a geração de caixa das empresas brasileiras —, o que levou, naturalmente, à pergunta: qual é a próxima? Em janeiro, Freeman contratou os bancos BTG Pactual e Itaú BBA para procurar um sócio minoritário para a Granado.
Os bancos têm conversado com fundos de investimento, mas as grandes do setor decidiram perguntar se Freeman quer ou não vender a empresa inteira. Como tem uma geração de caixa de 100 milhões de reais, a Granado poderia valer 1,5 bilhão de reais ou mesmo mais, segundo executivos que participam das conversas. O momento parece mesmo propício.
Dados da Abihpec, associação que reúne fabricantes de cosméticos e produtos de higiene, mostram que, em 2015, o setor viveu a primeira retração em 23 anos, com queda de 6% em relação ao ano anterior. Com crise e tudo, a Granado aumentou 14% seu faturamento em 2015 — nos três anos anteriores, porém, a receita havia crescido 20% ao ano.
“O cenário atual para o consumo é delicado”, diz Ricardo Boiati, analista da Bradesco Corretora. “Está havendo um movimento de migração para produtos mais baratos.” Aos 70 anos, Freeman diz que o objetivo da venda de uma participação é levantar dinheiro para acelerar a expansão internacional da Granado.
Desde 2013, a empresa mantém um espaço na seção de beleza da loja de departamentos Le Bon Marché, a mais luxuosa de Paris. Ele afirma estar disposto a abrir mão de até 30% da empresa. Vender sua empresa centenária, diz Freeman, nem pensar.