Rafaella Machado, da editora Record: “Só teremos leitores adultos se tivermos leitores jovens” (Editora Record/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 06h00.
Quem visitou a Bienal do Livro em São Paulo neste ano bem que poderia se sentir num intervalo de colégio ou faculdade. Praticamente metade dos 722.000 visitantes do maior evento literário da América Latina tinha menos de 24 anos. Uma garotada trocando a atenção entre celulares e novos livros, e mais sedenta por literatura do que nunca. Não à toa, para quase todas as editoras presentes por ali, esta foi a melhor edição em vendas da história.
Uma comunidade engajada na internet e um gênero literário ajudam a explicar esses bons números. Desde a pandemia, influenciadores digitais recomendam na plataforma de vídeos curtos TikTok os seus livros favoritos, e as obras, imediatamente, viram best-sellers. Principalmente se forem de um gênero conhecido como young adult. O termo em inglês se refere a histórias voltadas para jovens adultos, geralmente de até 20 anos, e explora temas de crescimento pessoal, identidade e desafios da adolescência, com questões emocionais e sociais típicas dessa fase. O exemplo mais claro desse fenômeno vem da escritora americana Colleen Hoover. Os livros dela, grandes melodramas sobre amor e violência, são publicados no Brasil desde 2013 pela Galera, o selo jovem da editora Record, uma das mais tradicionais do setor. “Ela sempre teve boas vendas, mas não era nada de mais. Vendia de 10.000 a 30.000 exemplares”, diz a editora-executiva do selo há seis anos, Rafaella Machado. “Na pandemia, um influenciador fez um vídeo chorando com uma história dela, falando sobre saúde mental. Aos poucos, ela foi conquistando o mundo. Aqui no Brasil, já vendeu mais de 4 milhões de exemplares.”
O sucesso de vendas da americana ajudou a colocar a Record como uma referência na publicação de literatura jovem adulta. O selo para esse tipo de obra hoje representa 38% do faturamento da editora carioca criada pelo avô de Rafaella em 1942. Há cinco anos, eram 13%. O número de lançamentos também escalou. Em 2019 eram 20 obras, hoje são 70. Dos 100 livros mais vendidos atualmente no Brasil, um quarto é da empresa. “Esse sucesso acontece porque tivemos a humildade de perceber a necessidade de fazer o livro junto com o leitor”, diz ela. “Hoje em dia, nossa comunidade de jovens leitores ajuda a aprovar a capa, escolher a data de lançamento, sugerir ilustradores e propor novas histórias.” Foi ouvindo esse grupo ávido por leitura que Rafaella encontrou a baiana Elayne Baeta. A garota fazia sucesso publicando uma história sobre amor lésbico na internet. A editora foi atrás da escritora e negociou a publicação de um livro. O sucesso não poderia ter sido maior: a obra já vendeu mais de 100.000 exemplares, e a sua continuação teve 10.000 cópias reservadas em um único dia de pré-venda.
Encontrar nos jovens uma nova trilha de crescimento de vendas é um bálsamo aos ouvidos de qualquer editora, ainda mais num momento de transformação profunda do setor e com as vendas de livros, se não empatadas, recuando ano após ano. “O mercado editorial é, naturalmente, apavorado”, brinca Rafaella. “Quando começamos a ter rede social, um dos medos era o fim do livro físico, porque o jovem estava no computador o tempo todo. A rede social mudou a vida do jovem, mas não acabou com as histórias. Pelo contrário, ela ajuda os leitores a criar essa comunidade e a engajar.” Uma estratégia fundamental para garantir o futuro da empresa — e, por que não, do setor: “Só teremos leitores adultos se tivermos leitores jovens. Vamos continuar apostando neles para podermos estar aqui por mais 80 anos”.