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Da Redação
Publicado em 13 de setembro de 2011 às 18h54.
Em 2007, prevendo o boom imobiliário no país, Rubens Menin, presidente da construtora mineira MRV, resolveu comprar terras para erguer moradias populares. Uma das aquisições foi em Valparaíso, cidade da periferia de Brasília. Não fosse por um detalhe - a falta de saneamento básico -, o lugar seria perfeito.
Mesmo assim, Menin assumiu o risco, comprando o terreno onde hoje constrói 4 000 apartamentos para mutuários com renda de três a quatro salários mínimos, dentro do programa federal Minha Casa, Minha Vida. Para entregar os imóveis com água encanada e rede de coleta de esgoto - uma exigência do programa -, a MRV tomou para si uma tarefa que deveria ser do governo - estadual ou municipal - e desembolsou 3 milhões de reais, cerca de 1% do investimento total.
O custo será repassado aos imóveis, com preço médio de 90 000 reais. A MRV já assumiu a oferta de saneamento em empreendimentos localizados também em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. "Diante da escassez de terrenos com infraestrutura básica, se quisermos construir, temos de providenciar água e esgoto", diz Menin.
A história da MRV chama a atenção para um obstáculo - a precariedade da estrutura de saneamento no país - que surgiu no caminho do programa Minha Casa, Minha Vida, um dos principais deste final de governo Luiz Inácio Lula da Silva, e uma joia da plataforma eleitoral de sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff.
O programa prevê a construção de 1 milhão de moradias. Até o final de junho, conforme balanço da Caixa Econômica Federal, havia 521 000 propostas contratadas de casas e apartamentos, dos quais 125 000 estavam concluídos - um número que é, em larga medida, formado por residências que já estavam em construção antes mesmo de o Minha Casa, Minha Vida ser lançado.
O gargalo do saneamento se tornou uma ameaça à viabilização da segunda metade do programa e especialmente das moradias mais populares. Executivos de construtoras, que preferem não se identificar, dizem que suas empresas se restringem a tocar projetos para as faixas de renda mais alta do Minha Casa, Minha Vida - de quatro a dez salários mínimos -, porque neles é possível cobrar pela aquisição de terrenos em lugares já servidos por saneamento ou repassar ao cliente o custo das obras de água e esgoto.
"À medida que o programa se expande, o estoque de terrenos com infraestrutura se reduz rapidamente", diz Paulo Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção. "Essa carência é mais preocupante para as 400 000 unidades previstas na faixa de zero a três salários mínimos, cujo preço é fixado pelo governo e não permite repasses de custos da implantação da rede de água e esgoto no preço do imóvel."
Nessa faixa, 240 569 propostas de residências foram contratadas, mas apenas 565 ficaram prontas, segundo a Caixa. Ou seja, é justamente entre a população mais carente que o programa tem mais dificuldades de avançar.
De acordo com as estatísticas oficiais, menos de metade da população brasileira tem acesso a água tratada e coleta de esgoto. Por essa carência, a cada dia sete crianças brasileiras morrem de diarreia. A maior causa desse atraso é o atoleiro em que estão metidas muitas das empresas estaduais de saneamento, responsáveis no seu conjunto por 70% da oferta de serviços do gênero no país.
A pedido de EXAME, o Instituto Trata Brasil, uma ONG voltada à universalização do saneamento, fez um ranking das 26 empresas estaduais do ramo. O panorama é estarrecedor.
"Nada menos que 18 das companhias de água e esgoto têm um desempenho muito insatisfatório em indicadores como atendimento, tarifa e capacidade de investimento", diz André Castro, presidente do Trata Brasil. Ainda que se considerem as desigualdades regionais do país, boa parte das mazelas dessas empresas deve ser creditada à má gestão, ao empreguismo e à corrupção.
Para sanear as próprias empresas de saneamento, o governo cogita uma solução nos moldes do Proer - o programa federal que nos anos 90 socorreu o sistema financeiro nacional. O primeiro passo dado é uma parceria da Caixa Econômica Federal com o Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a maior fonte de dinheiro para saneamento no país.
Recentemente, três companhias estaduais assinaram um termo de adesão na Caixa para participar do programa de melhoria de gestão e capitalização. Elas são a Cosanpa, do Pará - por sinal, a penúltima colocada no ranking do Trata Brasil, com índice de 1,9% de esgoto tratado na Grande Belém -, a Sanesul, do Mato Grosso do Sul, e a Caema, do Maranhão.
"Até o final do ano deveremos ter um diagnóstico das empresas e poderemos iniciar o programa em 2011", diz Wellington Moreira Franco, vice-presidente da Caixa. Segundo ele, após o diagnóstico, para se engajar definitivamente no programa, as empresas terão de se comprometer a aprimorar a gestão.
Se a faxina funcionar, outros estados podem ser motivados a aderir. No que diz respeito à capitalização, há a possibilidade de que a Caixa se torne temporariamente acionista minoritária das empresas. Quando saneadas, elas deverão abrir o capital para investidores privados. Aliás, não falta apetite das empresas privadas pelo setor, seja como prestadoras de serviço seja com investidoras.
"Temos enorme interesse em expandir as atividades em saneamento e o nosso desempenho é a maior prova disso", diz Yves Besse, presidente da CAB Ambiental, companhia pertencente ao grupo Galvão. Criada em 2007, quando faturou 7 milhões de reais, a CAB prevê obter receita de 130 milhões neste ano com concessões e parcerias em São Paulo, Mato Grosso e Paraná.
A fim de ganhar a eficiência e a musculatura necessárias, as companhias estaduais de saneamento deveriam seguir o exemplo da Sabesp, a primeira colocada do ranking do Trata Brasil e cujo processo de recuperação começou nos anos 90.
Antes quebrada, a Sabesp passou a contar com capital privado em 1994 - hoje o governo paulista detém 50,3% das ações e o restante está nas mãos de investidores na BM&F Bovespa e na bolsa de Nova York. Em 2009, a Sabesp deu lucro de 1,3 bilhão de reais. "Hoje tratamos 73% do esgoto de nossa área de atuação e trabalhamos com a meta de universalizar o serviço até 2018", diz Gesner Oliveira, presidente da Sabesp.
Uma meta crucial da Sabesp é despoluir os rios Pinheiros e Tietê, verdadeiros esgotos a céu aberto. Outra grande empresa do setor, a carioca Cedae, há três anos passa por reforma administrativa com a consultoria da Fundação Getulio Vargas. Dilapidada por décadas de incúria, até 2006 a Cedae apresentava déficits mensais superiores a 30 milhões de reais.
"Ainda temos muito a caminhar, mas nosso desempenho já é positivo," diz Wagner Victer, presidente da empresa. "Estamos pagando as contas e geramos um caixa mensal da ordem de 40 milhões de reais." Em processo de reestruturação de uma dívida de 2 bilhões de reais, agora a Cedae tem fôlego para negociar uma linha de crédito de 1 bilhão de reais com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, para expandir os serviços.
A pressão por maior eficiência é grande, pois o governo fluminense se comprometeu com o comitê da Olimpíada de que até 2016 a baía de Guanabara estará despoluída - é pagar para ver, porque essa promessa já foi feita antes. Daqui por diante, espera- se que a Cedae entregue mais resultados palpáveis. O mesmo seria desejável - com urgência - das demais empresas públicas de saneamento.