Revista Exame

Para Donald Trump, ficou mais difícil governar os Estados Unidos

Com a vitória do Partido Democrata na Câmara dos Estados Unidos, o presidente Trump será obrigado a conviver com um maior equilíbrio de forças na política

O presidente Donald Trump: laços econômicos suspeitos  (Nicholas Kamm/AFP Photo)

O presidente Donald Trump: laços econômicos suspeitos (Nicholas Kamm/AFP Photo)

DR

Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h46.

Última atualização em 22 de novembro de 2018 às 11h32.

O mandato dos deputados americanos é de apenas dois anos, e isso significa que todo presidente tem de lidar com uma potencial mudança na composição da Câmara dois anos depois de tomar posse. Historicamente, o presidente sai derrotado nesse tipo de eleição, conhecida como midterms: nos últimos 70 anos, o partido do ocupante da Casa Branca perdeu, em média, 25 cadeiras a cada pleito. A exceção mais notável ocorreu em 2002, quando o Partido Republicano, do então presidente George W. Bush, aumentou a bancada em oito deputados na esteira dos atentados terroristas do 11 de setembro.

O maior fiasco ocorreu em 2010. Os democratas perderam 63 cadeiras, uma derrota descrita como uma “surra” pelo então recém-empossado presidente Barack Obama. Na comparação, o revés sofrido por Donald Trump em novembro não parece tão desastroso — o Partido Republicano perdeu 36 assentos, com alguns distritos indefinidos até o dia 16. Mas as circunstâncias não poderiam ser mais diferentes. A Câmara hostil representou um desafio de governabilidade para Obama. Para Trump, pode significar o começo do fim.

O resultado era esperado, e os líderes democratas têm sido cautelosos nas declarações sobre o que vai acontecer a partir de janeiro, quando os deputados começarão novos mandatos. Mas o espectro que ronda a Casa Branca é real. Das várias acusações e suspeitas que pesam contra Trump (veja quadro), a primeira que deve ser alvo da oposição democrata é a da declaração de renda do presidente.

Desde a campanha, Trump tem se recusado a divulgar as informações (é o primeiro presidente em décadas a não abrir suas finanças voluntariamente). Richard Neal, deputado democrata que deve chefiar a comissão da Câmara responsável por temas fiscais, já disse que, se Trump seguir se recusando a abrir as contas, entrará com um pedido formal — invocando uma lei obscura, num imbróglio que poderá resultar numa longa batalha jurídica. “Não ligo. Eles podem fazer o que bem entenderem, e eu posso fazer o que bem entender”, disse Trump, dias antes da eleição.

A deputada Nancy Pelosi, que deve voltar a assumir a presidência da Câmara, vem afirmando que a agenda democrata será positiva, com foco em questões que unem os dois partidos, como o preço dos remédios e a espinhosa questão da imigração. Mas o tema que vai fazer sombra sobre todos os outros deve ser a investigação da interferência russa na eleição de 2016. O promotor especial Robert Mueller estaria entrando na fase final do inquérito que apura se o círculo de Trump agiu em conluio com hackers russos — supostamente sob ordens do Kremlin — que espalharam notícias falsas durante a campanha.

Nos últimos dias, vem crescendo o burburinho de que pessoas próximas do presidente, incluindo seu filho, Donald Jr., poderão ser indiciadas. “Sinto que o cerco está se fechando. As pessoas estão se preparando para o pior”, disse ao site Politico um republicano próximo da Casa Branca. Um dos indícios seria uma nova onda de tuítes coléricos de Trump contra a “caça às bruxas” de Mueller, depois de semanas de silêncio sobre o assunto.

Imediatamente após a eleição, Trump demitiu Jeff Sessions e em seu lugar nomeou interinamente Matthew Whittaker para o Ministério da Justiça, órgão que tem poderes sobre Mueller. Se a Casa Branca quiser cercear o trabalho do promotor, cabe aos democratas da Câmara o papel de insistir na investigação. E, dependendo do desenrolar do caso, a Câmara poderá dar início a um processo de impeachment. A hipótese ainda é considerada remota, e os republicanos detêm a maioria no Senado, onde acontece a votação que determina o afastamento.

Os próximos dois anos não devem ser diferentes dos dois anteriores: atribulados, com um aprofundamento das divisões políticas. Trump, que se vendeu como um especialista em fechar negócios, já demonstrou que prefere as provocações típicas do período eleitoral ao diálogo. Pode ser o cenário ideal para a campanha da reeleição, que começa de fato agora. E a história mostra que ele pode ter sucesso. “Ronald Reagan também perdeu as midterms do primeiro mandato, era impopular e teve de enfrentar um Congresso dividido”, diz o sociólogo Musa Al-Gharbi, da Universidade Columbia. “Dois anos depois, ele foi reeleito com folga.” De qualquer modo, o controle da Câmara pelos democratas deixou mais tortuoso o caminho para a reeleição de Trump. 

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEstados Unidos (EUA)Política

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda