Revista Exame

Faltou até picanha durante a crise da churrascaria Porcão

Dezenas de processos na Justiça, despejo, greve de garçons e perda de clientes. Como a rede de churrascarias mais famosa do Brasil chegou a esse ponto

Porcão de Ipanema: a crise diminuiu de dez para quatro os restaurantes da rede, que chegaram a funcionar até sem picanha (Eduardo Zappia/EXAME)

Porcão de Ipanema: a crise diminuiu de dez para quatro os restaurantes da rede, que chegaram a funcionar até sem picanha (Eduardo Zappia/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 25 de junho de 2014 às 06h00.

São Paulo - A rede de churrascarias Porcão nasceu como um restaurante de beira de estrada, em 1975, na nada glamorosa Avenida Brasil, na zona norte do Rio de Janeiro. A origem modesta começou a ficar para trás com a abertura da filial de Ipanema, em 1980.

A partir daí, o Porcão virou símbolo de churrasco nobre, e seus endereços tornaram-se ponto de encontro de artistas, empresários e jogadores de futebol. A rede chegou a ter oito restaurantes no Brasil e dois nos Estados Unidos — em Miami e Nova York — e a faturar 140 milhões de reais em 2011. Mas, desde então, o rodízio desandou e o Porcão entrou numa crise sem fim.

Em abril, a empresa foi despejada de um imóvel no Leblon, bairro mais caro do Rio, onde seria aberto um Porcão para clientes endinheirados. A reforma nem terminou e o proprietário do imóvel cobra 174 000 reais de aluguel da empresa BFG, dona do Porcão.

O que aconteceu com a mais tradicional rede de churrascarias do país? Como costuma ocorrer, esse foi um fracasso cuja origem remonta a tempos de euforia. No início de 2008, a família gaúcha Mocellin, fundadora do Porcão, estava entusiasmada com o negócio e queria abrir até 20 restaurantes em cinco anos.

Para financiar a expansão, o banco americano Merrill Lynch comprou 49% de participação da empresa. A eclosão da crise nos Estados Unidos, seis meses depois da operação, mudou tudo. Os investimentos necessários para a expansão foram para a geladeira e, em 2010, o banco pôs muitos de seus ativos à venda, incluindo a participação na churrascaria brasileira.

Os empresários Raphael Vargas e José Ricardo Tostes, donos da rede carioca de restaurantes Garcia & Rodrigues, surgiram como interessados na participação do Merrill Lynch. ­Nascia uma aliança inusitada.

Vargas e Tostes haviam disputado com a família Mocellin, naquele mesmo ano, o privilegiado ponto no aterro do Flamengo, de frente para o Pão de Açúcar, onde funciona a maior unidade do Porcão desde 1998.

A concessão do espaço, pertencente à prefeitura, havia expirado e os dois grupos travaram uma disputa ferrenha, vencida pelos Mocellin na Justiça. Se já brigavam antes, os Mocellin e os donos do Garcia & Rodrigues entrariam em guerra depois de se tornarem sócios.

Herdeiros de famílias abastadas, Vargas e Tostes compraram 4% de participação de um terceiro sócio (somando, portanto, 53%) e assumiram o controle do Porcão. Em seguida, reuniram seus negócios na holding Brasil Foodservice Group (BFG) e começaram a reorganizar a contabilidade, centralizar estoques e cortar despesas.

Os fundadores e os funcionários mais antigos não gostaram muito das mudanças, mas a guerra só foi declarada quando começaram as demissões de parentes dos Mocellin. “Eles demitiram funcionários experientes e cortaram custos onde não deviam, economizando até mesmo na compra de carne”, diz Neodi Mocellin, fundador do Porcão.

Os novos donos afirmam que a gestão anterior trabalhava com controles precários. Numa tentativa de encerrar o conflito, a BFG propôs a compra da parte da família por 45 milhões de reais. O negócio foi fechado, mas a BFG interrompeu os pagamentos.

Eles alegam que os Mocellin não transferiram um terreno prometido. Os Mocellin dizem que não entregaram o terreno porque não receberam. Os dois lados alegam quebra de contrato e brigam na Justiça.

A situação do Porcão degringolou de vez no início do ano passado, quando a BFG comprou a massa falida de um frigorífico em Mato Grosso. A empresa tinha capacidade para abater 1 200 animais por dia e contava também com uma fábrica de alimentos no interior de São Paulo.

O plano era fornecer carne para as churrascarias e lançar no varejo uma linha de pratos prontos com a marca Porcão. O negócio não deu certo. A BFG teria de desembolsar 250 milhões de reais para cobrir as dívidas do frigorífico, mas só conseguiu levantar 120 milhões.

Com isso, a operação atrasou e, na tentativa de fechar a conta, os donos apertaram ainda mais os custos, cortando até o repasse aos garçons da taxa de 10% de serviço — em março do ano passado, os funcionários da maior churrascaria da rede cruzaram os braços na hora de pico do almoço.

O Porcão passou a ser cobrado na Justiça por fabricantes de uniformes, distribuidores de peixe e de bebidas, e por aí vai. O problema é tamanho que a marca Porcão foi penhorada por falta de pagamento de aluguel ao dono de um imóvel que a rede ocupa num shopping no Rio de Janeiro. É claro que tantos problemas acabaram afetando a qualidade do serviço.

Funcionários e clientes relatam que os restaurantes chegam a abrir sem camarão, algumas bebidas e até picanha. Resultado: o volume de clientes caiu 30% em dois anos e o número de unidades caiu para apenas quatro. De janeiro a setembro do ano passado, o grupo teve prejuízo de 137 milhões de reais.

Nesse momento, os controladores da BFG tentam fechar um plano de resgate do Porcão. A parte principal do plano consiste em levantar dinheiro novo para injetar no negócio (até o fechamento desta reportagem a operação não tinha sido concluída). Para ­coor­­denar a capitalização, a BFG contratou a gestora Bridge Trust, de ­Zeca Oliveira e Alberto Elias, ambos ex-funcionários do banco BNY Mellon.

Começa, aí, um capítulo à parte da história. Zeca Oliveira foi afastado do BNY Mellon no ano passado, depois que uma auditoria interna identificou “potenciais violações das políticas e procedimentos”, segundo uma nota do banco.

A relação dos controladores da BFG com Zeca não é nova. Em 2010, um fundo administrado pelo BNY Mellon investiu 60 milhões de reais em títulos da empresa Casual ­Dining, de Vargas e Tostes. 

A operação foi contestada pela prefeitura do Rio e pelo Ministério Público Estadual, que entenderam que os recursos — da caixa de previdência dos servidores municipais do Rio — só poderiam ser investidos em títulos públicos federais ou em fundos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. O dinheiro foi devolvido à prefeitura.

“Optamos pela devolução antes mesmo da decisão da Justiça, apesar de considerar que não havia nenhuma irregularidade”, diz Vargas. Os próprios sócios da BFG já levantaram recursos com fundos de previdência de funcionários públicos, como o da prefeitura de ­Nova Iguaçu, no Rio, e dos servidores de Tocantins, ambos questionados pelo Ministério Público e pela Previdência Social.

Até agora, do salvamento planejado, a BFG só conseguiu arrendar o frigorífico mato-grossense ao ­Marfrig. “A partir de julho, essa receita entrará”, afirma Vargas. Quem sabe, aí, a picanha pare de faltar.

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