Revista Exame

Faltam 20 bilhões de reais

É o valor que a Sete Brasil, empresa que tem de entregar 29 navios para a Petrobras conseguir explorar o pré-sal, precisa receber para continuar construindo. Não está fácil fechar a conta

Estaleiro Atlântico Sul: houve atraso na construção dos navios da Sete Brasil (Divulgação/Divulgação)

Estaleiro Atlântico Sul: houve atraso na construção dos navios da Sete Brasil (Divulgação/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 21 de novembro de 2014 às 09h23.

São Paulo - Pouquíssimos projetos de infraestrutura no mundo já demandaram tantos investimentos quanto a exploração de petróleo na camada do pré-sal.

Estima-se que será necessário, ao todo, mais de 1 trilhão de reais para construir plataformas, importar máquinas e desenvolver tecnologia para explorar as novas reservas, que foram descobertas em 2007 e ficam a quilômetros de profundidade, em alto-mar.

Ainda que o governo tenha pressionado a Petrobras para que assumisse boa parte da operação, logo ficou claro que a companhia não teria estrutura para fazer tudo sozinha. Assim, em 2010, o governo e a Petrobras arquitetaram a criação de uma empresa para dividir o ônus com a estatal — a Sete Brasil. Ela é responsável por fornecer quase todos os navios que serão usados na exploração do pré-sal.

De cara, recebeu uma encomenda para fabricar 29 embarcações, a um custo de cerca de 50 bilhões de reais. Um incauto poderia chegar à conclusão de que era muito para uma empresa (iniciante) só. E estaria certo. Quatro anos depois, a companhia que surgiu para ser uma das principais engrenagens do pré-sal se transformou em mais um problema. E dos grandes. 

EXAME apurou que a Sete Brasil está sem recursos para continuar operando e pagando as contas. A empresa não constrói os navios — ela os encomenda a outras companhias, paga por eles e os aluga para a Petrobras depois de prontos. Como o dinheiro da Petrobras só virá depois da coisa pronta, a Sete Brasil precisa captar recursos em outro lugar.

Quando a empresa foi criada, ficou acertado que parte do capital viria dos sócios, um grupo que inclui fundos de pensão e bancos como BTG Pactual, Bradesco e Santander. Outra parcela era um financiamento total de cerca de 20 bilhões de reais, com juros baixos, concedido por ­BNDES, fundo da Marinha Mercante e Agência de Financiamento de Exportação do Reino Unido.

Mas desavenças entre a Petrobras, a Sete Brasil e as empresas responsáveis por construir os navios estão emperrando a liberação dos recursos. E aí a conta não fecha. 

Em agosto deste ano, as construtoras Odebrecht, Queiroz Galvão e Petroserv — que estão construindo alguns navios — informaram à cúpula da Sete Brasil que estavam insatisfeitas com a operação e que só colocariam mais recursos nos projetos se a companhia mudasse as condições do contrato.

Pediram que sua participação societária nos projetos fosse reduzida e que fossem encarregadas de fazer a manutenção dos navios depois de entregues. “É chantagem para conseguir vantagens”, diz um executivo de uma das instituições que são sócias da Sete Brasil.

A companhia rejeitou os dois pedidos e, até o fechamento desta edição, a Petroserv havia dito que desistiria do negócio, a Queiroz Galvão que continuaria e a Odebrecht ainda não havia respondido, segundo EXAME apurou.

Procurada, a Odebrecht disse, em nota, que “sempre apoiou e continua colaborando para a viabilização dos financiamentos necessários na implantação do projeto”. As demais companhias e a Sete Brasil não deram entrevista. 

Diante do enrosco, o BNDES decidiu esperar a definição das empresas para liberar o empréstimo. Em nota a EXAME, o banco afirmou que “o processo é bastante complexo do ponto de vista financeiro e envolve um montante de recursos muito expressivo, sendo natural que as partes demandem um tempo maior para concluí-lo”.

Sem uma nova injeção de capital, a Sete Brasil não deve conseguir pagar seus fornecedores em novembro, segundo executivos que conhecem a operação. Para evitar a falta de pagamento, a empresa avalia duas alternativas. Uma delas, que já está sendo negociada, é tomar um empréstimo de cerca de 800 milhões de reais no Banco do Brasil — a Previ, fundo de pensão do BB, é sócia da companhia.

Só que os juros devem ser maiores do que os cobrados pelo BNDES, e esse volume só resolve o problema dos próximos meses (estimativas de mercado indicam que os gastos mensais da companhia com o pagamento de fornecedores e empregados são de cerca de 200 milhões de reais).

Outra opção seria um novo investimento dos sócios, mas EXAME apurou que a maioria não quer aumentar sua participação nos projetos por temer os riscos da operação. O endividamento da Sete Brasil, que era de 2,2 bilhões de reais em 2012, chegou a 9,8 bilhões em 2013.

Desafios

Mesmo que consiga levantar recursos, a empresa precisa resolver uma série de desafios operacionais para conseguir entregar os navios necessários para a exploração do pré-sal. Pelas regras da Agência Nacional do Petróleo, a Petrobras só pode ter fornecedores que garantam, no mínimo, 55% de sua produção feita no país.

Para cumprir essa exigência, a Petrobras incentivou o surgimento de novos estaleiros comandados por construtoras brasileiras que nunca haviam feito um navio capaz de extrair petróleo em grandes profundidades — chamado sonda.

Ainda que a maioria dos estaleiros tenha sócios estrangeiros, o fato é que pelo menos seis das 29 sondas em construção estão entre seis meses e um ano atrasadas, de acordo com informações de profissionais envolvidos na construção. É o caso dos estaleiros Enseada, na Bahia, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

Os projetos do estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, que foi contratado para fornecer sete sondas, atrasaram no início por causa de uma mudança societária ocorrida em 2012, que resultou na saí­da da coreana ­Samsung. Além dos atrasos, o orçamento da Sete Brasil está estourado. ­EXAME apurou que os custos de fabricação estão 4 bilhões de reais acima do previsto.

Para tentar fazer frente ao aumento de despesa, os sócios Bradesco, BTG Pactual e Santander iniciaram em setembro, em parceria com o banco Goldman Sachs, uma operação para captar recursos com fundos estrangeiros — o objetivo é vender títulos de dívida da empresa ou convencer algum deles a se tornar sócio. 

Não é incomum que surjam imprevistos em projetos do porte dos que vêm sendo tocados pela Sete Brasil. Um estudo da consultoria EY mostra que 71% das obras do setor de petróleo e gás na América Latina estão atrasadas e que 57% delas custam mais do que o previsto.

No caso da Sete Brasil, esses problemas se tornam mais graves em razão da falta de recursos. As dificuldades levaram à queda de João Carlos Ferraz, presidente da Sete Brasil, em abril deste ano. Ele foi demitido por Graça Foster, presidente da Petrobras, que, pelo acordo de acionistas da Sete Brasil, tem a prerrogativa de indicar o principal executivo da empresa.

Para o lugar dele, Graça Foster indicou Luiz Eduardo Carneiro, que foi presidente da petroleira OGX, de Eike Batista, depois de ter trabalhado na Petrobras por 30 anos.

Quatro meses depois de assumir o cargo, Carneiro e outros executivos da OGX (incluindo Eike) tornaram-se réus de um processo criminal, conduzido pelo Ministério Público Federal, em que são acusados de induzir investidores a erro ao divulgar informações falsas sobre a capacidade de exploração de petróleo da companhia.

Investidores dizem que a Sete Brasil é “grande demais para quebrar” e que, no limite, seus vários sócios — e o governo — darão um jeito de mantê-la funcionando.

Acompanhe tudo sobre:Capitalização da PetrobrasEdição 1076EmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasEmpresas estataisEnergiaEstatais brasileirasGás e combustíveisIndústria do petróleoPetrobrasPetróleoPré-sal

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda