Revista Exame

Falta luz e sobra conchavo na estatal de energia CEA

A CEA, estatal de energia do Amapá, compete com a estatal amazonense pelo título de pior empresa do setor. Deveria ser saneada e vendida. Mas o governo do estado a considera um instrumento político poderoso

Cessar-fogo: Capiberibe, governador do Amapá, e o senador Sarney buscam uma saída para a CEA (Jane de Araújo/Agência Senado)

Cessar-fogo: Capiberibe, governador do Amapá, e o senador Sarney buscam uma saída para a CEA (Jane de Araújo/Agência Senado)

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2012 às 09h41.

São Paulo - Não existe cordialidade entre as famílias Capiberibe e Sarney. No Amapá, quem apoia um lado é inimigo do outro. Parte da rixa é alimentada pela lembrança de que, em 2002, José Sarney, hoje presidente do Senado, apresentou uma denúncia que tornou inviável a candidatura a senador de João Capiberibe, pai de Camilo Capiberibe (PSB), o atual governador do estado.

João foi acusado de comprar dois votos por 26 reais. A fraude afinal não foi comprovada, mas a cadeira no Congresso Nacional foi perdida. Chamou a atenção, portanto, que em fevereiro deste ano uma trégua tenha sido decretada entre os Capiberibe e Sarney — que é senador do Amapá pelo PMDB.

O governador busca uma saída política para salvar da falência uma estatal sob seu controle: a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). Como o PMDB é o partido de maior influência no setor elétrico — e Sarney é um cacique da legenda —, Capiberibe ergueu a bandeira branca e pediu ajuda ao ­adversário histórico. Agora eles articulam juntos o resgate da empresa. 

Não é por acaso que a operação de socorro segue pela via política. A CEA é uma daquelas estatais arcaicas que ainda subsistem no Brasil. No aspecto técnico, é um desastre. Mais de 39% de toda a energia que a estatal distribui para as 160 000 residências e empresas em Macapá e outros 13 municípios é desviada.

Nesse critério, a CEA só fica atrás da concessionária do Amazonas, que tem 40,5% de perda. Também é a segunda no ranking nacional de interrupção de energia. Tem uma média de 57 apagões por ano.

Nesse item, entre as 64 distribuidoras do país, perde apenas para a paraense Celpa, uma empresa privada problemática pertencente ao Grupo Rede desde 2008. Com uma dívida de 2 bilhões de reais, a Celpa pediu recuperação judicial no fim de fevereiro.

Parte do problema da CEA é atribuí­da às deficiências na gestão. Cerca de 20% de seus 1 100 funcionários estão em cargos comissionados. Um dos slogans usados pela população local em tempo de campanha é “Vá a todos os comícios e ganhe um cargo na CEA”.

Como não cumpre as exigências de qualidade da Agência Nacional de Energia Elétrica há dez anos, a empresa não consegue autorização para aumentar a tarifa. Descapitalizada, acumulou dívidas de 1,8 bilhão de reais, valor acima de seu patrimônio, de 1,2 bilhão.


Também tem dificuldades para investir. Com Amazonas e Roraima, o Amapá é um dos últimos estados que não estão conectados ao sistema nacional de energia. A ligação está prevista para 2013, quando uma linha de transmissão da usina de Tucuruí, no Pará, deve chegar até lá.

A conexão com a linha, no entanto, cabe à CEA, que nada fez até agora. “A CEA é uma máquina de votos”, diz Audrey Cardoso, presidente do sindicato dos trabalhadores da área de energia do Amapá. “Obras para aumentar a capacidade de distribuição não são prioridade.”

Leilão frustrado

Em 2010, a CEA virou um problema nacional. Para garantir abastecimento no futuro, a empresa participou como compradora de um leilão de energia eólica. Os leilões funcionam assim: uma empresa de geração apresenta um projeto de usina, vende a energia antecipadamente e o comprador serve de fiador nos financiamentos bancários para tocar as obras.

É pré-requisito que o comprador da energia tenha fôlego financeiro. Por causa de sua dívida, a CEA deveria ter ficado de fora do leilão, mas conseguiu uma autorização especial, num esquema de exceção que incluiu também a Companhia Energética de Goiás. A expectativa na época era que as duas empresas estaduais seriam saneadas.

Em janeiro deste ano, o governo de Goiás pagou a dívida de 3,5 bilhões de reais de sua concessionária e repassou o controle da empresa para a União. Na CEA nada foi feito. Como sua dívida é elevada, o ­BNDES negou financiamentos para os nove parques eólicos que ela deveria endossar. No início de março, o banco voltou atrás e liberou o dinheiro para quatro projetos. 

A saída para a CEA seria seguir o caminho da estatal goiana: o governo do Amapá assumiria toda a dívida e repassaria a concessão ao Ministério de Minas e Energia para ser leiloada. Essa recomendação já foi feita pela Aneel em 2007. O então governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), nem cogitou a alternativa.

O próprio Capiberibe resistiu à ideia de perder o controle da CEA. Agora, articula um jeito de transferir a empresa para a Eletrobras com todas as ineficiências e dívidas. “Nesse caso, a CEA seria mais uma operação deficitária a ser paga com dinheiro do consumidor”, diz o consultor Eduardo Bernini, ex-presidente da AES no Brasil. É mais uma comprovação de que quando se privilegia a política falta o mais importante: a racionalidade.

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