Apple Vision Pro: headset da Apple se tornou item de luxo desejado pelos consumidores mais tecnológicos (Julien de Rosa/AFP/Getty Images)
Repórter de Projetos Especiais
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
Bernard Arnault, fundador e ceo do Grupo LVMH, conglomerado cujo portfólio inclui marcas como Louis Vuitton, Dior e Tiffany & Co, costuma dizer em entrevistas que “luxo é uma combinação de qualidade e criatividade”. Considerando a premissa do executivo, vemos que a incorporação da internet das coisas (IoT) ao mercado premium tem permitido ao setor explorar ainda mais a criatividade, possibilitando a oferta de experiências que elevam o conceito de exclusividade a novos patamares.
A integração da IoT ao setor de luxo tem acontecido de forma sutil, especialmente em relação aos produtos. Segundo Mauricio Queiroz, especialista no segmento premium e CEO da MQ Design de Consumo, itens tradicionais desse nicho, como artigos feitos a mão, são conhecidos pela resistência ao tempo. No entanto, quando tecnologias disruptivas entram em cena, essa longevidade torna-se um desafio, uma vez que a necessidade de atualizações e até mesmo a substituição por novos modelos viram parte natural do processo.
“Muitas vezes, itens como bolsas e relógios de grifes tradicionais são utilizados por diferentes gerações e vistos quase como peças de arte. Por isso, a integração da IoT em alguns nichos desse mercado ainda enfrenta certa resistência. É comum vermos essa tecnologia mais atrelada às experiências e a produtos de marcas já nativas digitais, como o caso da Apple, cuja experiência de consumo é tecnológica e premium ao mesmo tempo”, diz Queiroz.
O Apple Vision Pro é um exemplo do quanto a big tech consegue, como poucos, transformar seus produtos em artigos instantaneamente requisitados, independentemente do preço. Lançado em 2024, o headset de realidade virtual permite ao usuário interagir com conteúdos digitais usando a voz, gestos com as mãos e o rastreamento ocular. O hype foi tão grande que, mesmo sem ser vendido oficialmente no país, usuários brasileiros chegaram a pagar quase 40.000 reais pelo wearable.
Mas, apesar da resistência, algumas marcas bastante tradicionais também têm explorado a conectividade em suas peças. É o caso da Louis Vuitton. Em 2018, a grife lançou um rastreador de bagagem chamado Louis Vuitton Echo. O dispositivo rastreia a mala durante toda a viagem e, ao pousar, notifica o viajante com informações sobre a localização da bagagem pelo aplicativo LV Pass, disponível para Android e iOS. O gadget vem, ainda, com uma assinatura de três anos do Sigfox, um serviço global que rastreia bagagens em vários aeroportos ao redor do mundo. Segundo a grife, o LV Echo foi projetado para funcionar conectado à linha de malas Horizon, cujos valores variam entre 22.000 e 32.000 reais.
Já em 2019, a LV apresentou no Viva Technology, festival de tecnologia e inovação que acontece anualmente em Paris, dois protótipos de bolsas conectadas. O projeto foi desenvolvido em parceria com a Royole, empresa chinesa considerada uma das pioneiras dos smartphones com telas dobráveis. Na ocasião, a grife mostrou dois modelos de bolsa conectada: um com duas telas touch screen e outro com quatro telas que exibem imagens ou vídeos diretamente do smartphone dos usuários.
Embora a bolsa conectada ainda não tenha sido oficialmente comercializada pela LV, o projeto mostra como a marca tem estudado as possibilidades de conectar os seus produtos à IoT, algo que outras empresas do Grupo LVMH também têm feito. A Dior Parfums, por exemplo, apresentou no ano passado a Dior Astra, uma ferramenta que utiliza inteligência artificial para analisar dados dos consumidores e conseguir otimizar o desenvolvimento de produtos de acordo com essas preferências. “Algumas marcas mais tradicionais perceberam que podem desenvolver produtos e soluções que usam IoT ao se valerem do conceito de quiet luxury, que valoriza a discrição e a qualidade acima da ostentação. Ou seja, introduzir conectividade e tecnologia de uma forma que, muitas vezes, o cliente nem se dá conta de que está usando um item hipertecnológico”, analisa Mauricio Queiroz.
Louis Vuitton: protótipos de uma bolsa conectada da grife foram apresentados durante o Viva Technology 2019 (Philippe Lopez/AFP/Getty Images)
Personalização desde a compra
O conhecimento profundo do cliente sempre foi um pilar fundamental do luxo, mas a tecnologia, em especial a IA, elevou esse conceito, oferecendo uma compreensão ainda mais precisa dos usuários e possibilitando a criação de experiências hiperpersonalizadas desde o momento da compra. A L'Occitane en Provence, por exemplo, lançou a The L’Occitane Greenhouse, uma experiência virtual, desenvolvida em parceria com a construtora Emperia, que permite aos clientes explorar a linha de fragrâncias de verão da marca como se estivessem em meio a paisagens do sul da França.
Os wearables também foram absorvidos pelo mercado imobiliário de alto padrão. No caso da Idea!Zarvos, incorporadora conhecida por transformar a paisagem urbana de São Paulo, uma nova experiência de compra oferece headset de realidade virtual da Meta como ferramenta para promover uma imersão total aos clientes. Ao vestir o dispositivo, o convidado consegue passear por todo o projeto do imóvel, como se estivesse dentro do espaço, mesmo com a obra ainda em fase inicial. “Esse é o nosso projeto mais emblemático. A proposta é permitir que o cliente tangibilize de forma precisa o que será o empreendimento, desde a escolha das materialidades e dos acabamentos até a inserção do edifício no contexto urbano”, explica Guilherme Sawaya, diretor comercial e de vendas da Idea!Zarvos.
Entre os nichos do segmento de luxo, o setor de hospitalidade talvez seja o que mais tem aproveitado a IoT. Unindo personalização e conveniência, diversos hotéis, resorts, cruzeiros e restaurantes passaram a incorporar sistemas inteligentes para oferecer experiências mais personalizadas, discretas e conectadas. O conceito de hospitalidade sob medida, antes limitado ao atendimento humano, agora é reforçado com sensores, assistentes virtuais e softwares preditivos que reconhecem hábitos, preferências e até estados emocionais dos hóspedes.
No universo gastronômico, além dos pratos excepcionais que garantiram três estrelas Michelin ao estabelecimento, o restaurante Ultraviolet, em Xangai, propõe uma experiência multissensorial aos visitantes. Liderado pelo chef francês Paul Pairet, o lugar recebe 12 pessoas por noite, acomodadas em uma única mesa rodeada por telões que transmitem imagens e sons de acordo com o menu. Se o prato tem frutos do mar, por exemplo, o espaço é tomado por sons e imagens de ondas quebrando na praia e até pelo cheiro de maresia. Se forem cogumelos, o cenário passa a ser uma floresta. A experiência completa dura 4 horas e o valor do menu degustação é de aproximadamente 1.230 dólares, quase 7.000 reais.