Deputados celebram a aprovação da reforma da Previdência: mostra de comprometimento com o orçamento público (Lula Marques/Agência PT/Reprodução)
André Jankavski
Publicado em 18 de julho de 2019 às 05h30.
Última atualização em 6 de agosto de 2019 às 18h16.
O clima na feira de investimentos Expert XP, criada em 2011, nunca foi tão eufórico quanto na edição de 2019. Durante três dias no começo de julho, cerca de 30.000 investidores, especialistas do mercado financeiro, empresários e políticos passaram pela conferência promovida em São Paulo pela XP, maior corretora do Brasil. Personagens lendários das finanças, como o investidor Jorge Paulo Lemann, um dos sócios da gestora 3G, falaram de seus feitos a uma plateia ávida por descobrir o caminho da riqueza.
No palco ali montado para feras do mercado, ninguém foi mais ovacionado, porém, do que dois peixões de Brasília, o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Guedes disse que o país está no rumo certo para começar a recompensar quem aplicar seu dinheiro nos ativos locais. Viva! Maia reforçou seu comprometimento com as reformas liberais prometidas pelo governo Jair Bolsonaro. Salve!
De olho na leva de boas notícias que começam a vir da capital federal, o Ibovespa, principal índice da bolsa B3, vem batendo recorde após recorde. Chegou a atingir 106.000 pontos, numa alta de 35% em um ano e de 15% desde janeiro, o que, para a grande maioria dos analistas, é só o começo de uma trajetória de valorização. No final deste ano, a previsão é que chegue a 122.000 pontos, de acordo com cálculos do banco Bradesco, consolidando um ganho de 19%.
Em 2020, poderá alcançar 140.000 pontos, na avaliação da XP. E não é loucura imaginar que atinja 200.000 até o final de 2022, segundo Walter Maciel Neto, presidente da gestora de recursos AZ Quest. “Estamos entrando em um ciclo virtuoso. A cara do Brasil vai mudar”, afirma Maciel Neto. “Pela primeira vez na história, o país terá um mercado de capitais pujante.”
O grande marco dessa virada é a perspectiva mais concreta de reforma do sistema de previdência, que teve um rombo de 264 bilhões de reais em 2018, o equivalente a 4% do produto interno bruto. Mudando as regras para aumentar o tempo de contribuição dos trabalhadores e adiar um pouco as aposentadorias, conforme prevê o projeto de lei aprovado em votação em primeiro turno no plenário da Câmara em 10 de julho, deve ser possível evitar gastos de 865 bilhões de reais em dez anos, segundo cálculos do banco Itaú.
A pressão fiscal de curto prazo continuará nas alturas (veja quadro na pág. 26), mas, para os investidores, o que importa é a narrativa. O avanço da Previdência mostra que o governo e o Congresso estão comprometidos com o orçamento público, e isso deverá abrir espaço para investimentos em novos setores. “O tamanho da economia que a reforma poderia proporcionar acabou sendo maior do que o mercado esperava no início e a tramitação do projeto de lei também está mais rápida”, diz Marcelo Pacheco, diretor executivo da BB DTVM, gestora de investimentos do Banco do Brasil, a maior do país, com patrimônio de 1,2 trilhão de reais.
O segundo turno de votação da reforma na Câmara deverá se dar no começo de agosto, após o recesso parlamentar. Depois virá a análise da proposta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que deverá levar até um mês, e finalmente a votação em plenário. No melhor dos mundos, os senadores podem até aprimorar a proposta. Mesmo no pior cenário, a desidratação não será suficiente para acabar com o bull market nos mercados — o jargão dos investidores para batizar um momento de grande otimismo.
A desmontagem da bomba-relógio fiscal não é a única razão do otimismo que tomou conta da Avenida Faria Lima, na capital paulista, e do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, onde se concentram os grandes investidores. Uma conjunção de fatores tem ajudado a valorizar as empresas brasileiras na bolsa.
Primeiro, a redução dos juros. Em 6,5% ao ano, a taxa básica Selic está no menor nível da história, produzindo dois efeitos positivos no mercado acionário: a melhoria das perspectivas das companhias, com redução de dívidas e condições mais leves para financiar novas empreitadas, e a atração de novos investidores para aplicações em renda variável. O tempo das confortáveis e pouco arriscadas opções de renda fixa rendendo 1% ao mês já era. O número de pessoas físicas registradas para investir na B3 cresceu 43% de 2018 para 2019, atingindo 1,16 milhão até junho, o maior já visto.
A esperada redução dos juros nos Estados Unidos para o segundo semestre, que deve ser encampada por Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, banco central americano, tende a drenar investimentos para mercados menos seguros, como o brasileiro. A reforma tributária, que, segundo se espera, pode deixar o ambiente de negócios mais amigável e fazer sobrar recursos para empresas e consumidores, já está sendo discutida no Congresso.
A nova agenda de privatizações, de vendas de bens do Estado, como imóveis, e de concessões de sistemas de transporte e infraestrutura também deve ajudar a acelerar o crescimento, colocando o setor privado como protagonista dessa nova leva de expansão. “A bolsa já antecipou a aprovação da nova lei da Previdência. Mas o avanço das reformas ainda pode atrair os investidores estrangeiros”, diz Arlindo Penteado, diretor comercial da gestora de recursos do banco Itaú, segunda maior do país, com patrimônio de 685 bilhões de reais.
Contratempos e reveses nesse processo podem limitar os ganhos, claro. A bolsa, afinal, tende a antecipar e precificar eventos futuros. O economista americano Benjamin Graham, ídolo de investidores como Warren Buffett, costumava dizer que um padrão visto no passado é um fato, enquanto padrões futuros são meras suposições. E a quantidade de incertezas no caminho é tudo, menos desprezível. Liderado por Rodrigo Maia, o Parlamento vai conseguir o protagonismo que teve com a Previdência em outras reformas previstas?
A falta de foco do presidente — com a atenção voltada para temas como o horário de verão e os radares nas estradas — vai atravancar os avanços? As criticadas políticas ambiental e educacional vão manter investidores estrangeiros afastados? Que impacto a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos terá no PIB global no médio prazo? O Brexit, desembarque britânico da União Europeia, vai de fato acontecer? As trocas de farpas do presidente americano, Donald Trump, com a Coreia do Norte, o Irã e a Rússia vão levar a maiores consequências? Trump vai ser reeleito?
A verdade é que ninguém tem hoje uma resposta. A boa notícia: temos reservas altas e ainda espaço para cortar os juros na hipótese de uma tempestade lá fora. Até uma deficiência — o fato de termos uma economia ainda fechada — pode ser uma defesa num cenário de crise externa. “Sofreremos se houver uma hecatombe no exterior, mas provavelmente nada além do que tivemos em 2008”, afirma Frederico Sampaio, diretor de renda variável da gestora americana Franklin Templeton, que tem mais de 715 bilhões de dólares sob gestão no mundo, 8,4 bilhões localmente.
No Brasil, a grande dúvida é quando a economia vai engrenar. Na segunda-feira dia 15, foi divulgado o primeiro crescimento mensal do ano pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que é considerado por especialistas uma prévia do resultado do PIB. O crescimento de 0,54% em maio, no entanto, ainda é insuficiente para recuperar as quedas que somam 1% no acumulado dos cinco primeiros meses.
Segundo dados divulgados pelo Boletim Focus, termômetro do mercado financeiro compilado pelo Banco Central, a estimativa de crescimento do PIB de 2019 já caiu 20 vezes seguidas, para 0,81%. A previsão é que o país cresça 2,1% no ano que vem. “Os economistas e o governo continuaram a subestimar o impacto dos problemas políticos na economia”, diz Juan Jensen, sócio da consultoria econômica 4E.
O crescimento que não decola também é aparente na falta de recuperação do mercado de trabalho. No trimestre encerrado em maio, a taxa de desemprego ficou em 12,3%. O número é menor do que o pico do ano registrado em fevereiro, de 12,7%, mas ainda pior do que os 11,7% de outubro do ano passado. Para completar, aumentou a quantidade de brasileiros subutilizados, que trabalham menos horas do que gostariam, e desalentados, aqueles que simplesmente deixaram de procurar emprego por falta de perspectiva. No trimestre de março a maio, somando desempregados, subutilizados e desalentados, a taxa de desocupação ficou em 25%, representando 28,5 milhões de pessoas.
Um dos motivos para a retomada claudicante é a lentidão na recuperação da indústria no ano de 2019. Nos primeiros cinco meses, o setor acumulou 0,7% de queda na produção. O resultado representou uma distância de 17,5% em comparação com o pico de produção, ocorrido no mês de maio de 2011. Atualmente, a ociosidade da indústria como um todo está na faixa de 22% — no setor de construção é de 47%.
“O ambiente vai melhorar com as reformas, mas precisamos ter outras propostas de curto prazo. A realidade mostra que é necessário injetar recursos na economia”, diz Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria. Essa lenta retomada mantém um clima de desconfiança em parte dos empresários. Para Marco Stefanini, presidente e fundador da empresa de tecnologia Stefanini, o clima de “vai ou não vai” gera um cansaço nos que querem investir no Brasil.
Isso faz com que empresas como a dele olhem para fora para não perder o embalo de crescimento. Na Stefanini, do faturamento de 3 bilhões de reais registrado no ano passado, metade veio de operações no exterior. Antes da crise econômica, o percentual do faturamento local era de 55%. “Temos um mercado de consumo que, se bem explorado, gira a economia em um ciclo vir-tuoso”, afirma Laércio Cosentino, fundador e presidente do conselho administrativo da Totvs, outra multinacional brasileira de tecnologia.
Os 23 índices setoriais em que a bolsa se divide subiram no primeiro semestre deste ano. O melhor desempenho foi o de utilities, composto de empresas de energia elétrica, saneamento e gás, com alta acumulada de 39% em seis meses. O setor foi favorecido pela expectativa de privatizações e concessões. Carlos Daltozo, analista-chefe de renda variável na empresa de análise Eleven Financial, destaca ainda que esse setor sempre foi bem-visto pelos investidores por pagar bons dividendos.
“No governo Dilma, houve muita intervenção no setor. O otimismo também se deve à saída de um governo intervencionista”, diz Daltozo. Entre as ações com maior expansão está a da Sabesp, concessionária de água do estado de São Paulo, que pode ser privatizada. Os investidores estão à espera da aprovação do projeto de lei que atualiza o marco do saneamento básico, cuja votação na Câmara deverá se dar em agosto, e poderá impulsionar ainda mais os papéis.
O índice imobiliário (alta de 33%) e o de consumo (alta de 29%) também estão entre os de maior valorização, puxados pelos juros mais baixos e pela perspectiva de aumento da demanda. Mas as ações campeãs de crescimento no ano têm motivos muito particulares jogando a seu favor. A da Companhia Siderúrgica Nacional subiu 98%, impulsionada por um avanço de 63% no preço do minério de ferro.
Os papéis da fabricante de alimentos JBS, maior processadora de carne do mundo, valorizaram 83% em razão de uma explosão da demanda causada por um surto de gripe suína na China. Com mais investidores à caça das -boas oportunidades do mercado, o volume diário de negociações na B3 subiu 30% em 12 meses, para 16 bilhões de reais atualmente. Com mais volume na mesa, o índice de small caps, que inclui empresas com menor liquidez, subiu cerca de 28% no primeiro semestre.
O avanço de 35% em um ano levou o Ibovespa a quebrar recordes nominais, mas o índice ainda está longe dos melhores dias, quando a inflação e o dólar são levados em consideração. Dividindo a pontuação atual do Ibovespa, calculada de acordo com os preços das ações em reais, pela moeda americana na cotação corrente, o índice está em 28.011 pontos, nas contas da professora Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia da escola de negócios Insper.
No auge, em 30 de maio de 2008, o índice alcançou 43.788 pontos. A queda desde então foi de 36%, e isso significa que a bolsa local está mais barata para o investidor estrangeiro. Considerando o poder de compra do real hoje, o Ibovespa atingiu seu pico histórico aos 135.680 pontos no dia 28 de maio de 2008, pouco antes da crise financeira nos Estados Unidos que derrubou as bolsas de todo o mundo em um efeito dominó. Desde aquela data, o índice brasileiro perdeu 24%. “O número mágico dos 100.000 pontos, que o mercado tanto comemorou recentemente, na verdade está muito longe do real pico”, diz Juliana.
Os preços atuais do Ibovespa correspondem a 11,5 vezes o lucro das companhias listadas, um pouco acima da média histórica de 10,5 vezes. No entanto, com o horizonte de juros baixos pela frente, Alexandre Silvério, executivo-chefe de investimentos da corretora AZ Quest, calcula que haja potencial para um novo equilíbrio em torno de 14 vezes, que poderá ser alcançado nos próximos 12 meses.
A questão é que os investidores estrangeiros estão cansados de pagar para ver. Não embarcaram na euforia, como os acionistas locais. “O estrangeiro já deu muitas chances ao Brasil. Está vendo 13 milhões de desempregados e enorme capacidade ociosa na indústria. Por isso, está receoso de voltar a investir antes da aprovação definitiva da reforma da Previdência”, afirma Roberto Teperman, diretor da Legg Mason, gestora de 758 bilhões de dólares no mundo.
Apesar da euforia na bolsa, apenas duas empresas fizeram oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) neste ano. A varejista Centauro, do grupo SBF, captou 772 milhões de reais em abril, enquanto a companhia do setor energético Neoenergia levantou 3,7 bilhões de reais. Ainda é menos do que no conturbado 2018, quando três empresas abriram o capital — todas antes da greve dos caminhoneiros em maio.
Foram duas operadoras de saúde, a cearense Hapvida e a paulista Intermédica, além do banco mineiro Inter. A expectativa da B3 em janeiro era de pelo menos 30 operações entre IPOs e follow-ons, as ofertas secundárias, de empresas que já estão na bolsa. O número de –follow-ons no primeiro semestre — dez — é encarado por investidores como um indício de que há apetite por papéis. Há pelo menos uma dezena de empresas interessadas em se listar na bolsa, como a prestadora de serviços Tivit, a seguradora Austral e o banco BMG.
Pretendem seguir o mesmo caminho a loja de brinquedos Ri Happy, a holding Movile (dona do serviço de entregas iFood), a joalheria Vivara e a corretora XP Investimentos, além das áreas de cartões dos bancos Banrisul e Caixa. A Vamos, braço de locação de caminhões e equipamentos do grupo JSL, que cancelou a abertura do capital por falta de demanda, também pode retomar os planos.
Há ainda a expectativa de que, no segundo semestre, sejam realizadas operações de follow-on da Petrobras, da empresa de tecnologia Linx, da resseguradora IRB (com a saída do Banco do Brasil e da União da companhia), da distribuidora de combustíveis BR e do Banco do Brasil, o que deve somar quase 39 bilhões de reais. Procuradas, as empresas não quiseram se pronunciar. Mas houve quem desistisse de fazer IPO, pelo menos momentanea-mente. É o caso da rede de academias Smart Fit, que se capitalizou por meio de um aporte privado de 500 milhões de reais do fundo de participações Pátria.
Uma dúvida a ser respondida é se as empresas de tecnologia vão aproveitar o momento otimista e enfim inundar a bolsa brasileira, como ocorre em países como a China e os Estados Unidos. Nos últimos anos, só uma fintech abriu o capital por aqui, o banco Inter, e teve alta de 410% desde o IPO. Outra fintech, o banco digital Agibank, está analisando os prós e os contras de se listar na B3 ou em uma das bolsas americanas. Enquanto lá fora as captações contam potencialmente com cerca de 250 investidores institucionais, por aqui são 70.
“A liquidez é maior no exterior, fora os investidores de varejo. Também há mais analistas que cobrem com frequência empresas de tecnologia, algo que facilita a cobertura dos especialistas”, afirma Paulino Rodrigues, diretor financeiro do Agibank. “Por outro lado, como já fizemos uma tentativa no mercado local, estamos com os materiais prontos e só precisaríamos atualizar alguns dados.” Se tudo der certo, a abertura deverá ocorrer apenas no início de 2020.
O interesse do Agibank de acessar o mercado americano vem na esteira dos IPOs bem-sucedidos das credenciadoras PagSeguro e Stone e da empresa educacional Arco Educação, que fizeram sua estreia no ano passado. Quem puxou a fila foi a varejista Netshoes, que estreou na bolsa americana em 2017 e neste ano foi comprada pela brasileira Magazine Luiza. Esse intercâmbio acendeu um sinal amarelo na B3, no grupo Iniciativa de Mercado de Capitais, do Banco Central, e na Comissão de Valores Mobiliários, que estudam formas de permitir que essas companhias também sejam negociadas no Brasil.
Estão na mesa duas opções: autorizar as empresas a emitir certificados de depósito de ações (chamados de BDRs) ou liberar a dupla listagem. Hoje há restrição para que empresas brasileiras listadas no exterior com mais de 50% dos negócios no Brasil sejam negociadas por aqui.
A chegada de mais empresas de tecnologia poderia dar à bolsa brasileira uma dinâmica semelhante à observada nos Estados Unidos. Por lá, grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Facebook e Microsoft, têm puxado a valorização de 33% no índice S&P 500 vista durante o governo de Donald Trump, em 2017.
O maior IPO deste ano veio do Vale do Silício — a empresa de transportes Uber levantou 8 bilhões de dólares em sua estreia na bolsa de Nova York em maio. Um dos próximos da fila é a empresa de escritórios compartilhados WeWork, que também se vende como um negócio de tecnologia. As duas têm planos ambiciosos, e zero perspectiva de lucro, uma combinação cada vez mais aceita por investidores. As empresas de tecnologia também respondem por algumas das ações com os maiores volumes de negociação, segundo a empresa de informações financeiras Economatica — entre elas estão a fabricante de microchips AMD, a Microsoft e a Apple.
No Brasil, por sua vez, as empresas mais valiosas e as ações mais negociadas continuam a ser de companhias tradicionais, como Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco. “A bolsa brasileira ainda está concentrada em poucos setores e, mais especificamente, em poucas empresas, incluindo as que são muito relacionadas ao governo”, diz Carlos Takahashi, presidente executivo da gestora BlackRock no Brasil, que tem globalmente uma carteira de 6,5 trilhões de dólares. A ver se o esperado superciclo de crescimento da bolsa e o protagonismo do mercado privado no crescimento do país ajudam a mudar também essa dinâmica.
Com reportagem de Juliana Elias
Para o cientista político Christopher Garman, o presidente da Câmara saiu como o vencedor da aprovação da Previdência, mas o presidente é quem vai colher os frutos | Eduardo F. Filho
A aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência, com 75% dos votos da Câmara dos Deputados, não foi uma surpresa para a maior consultoria de risco político do mundo, a Eurasia Group. Para Christopher Garman, diretor nas Américas da empresa, a conclusão da votação foi boa para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alçado ao papel de grande articulador político do processo. No médio prazo, porém, os benefícios da reforma serão capturados pelo presidente Jair Bolsonaro, caso haja condições para uma recuperação econômica. Garman concedeu a seguinte entrevista a EXAME.
Como o senhor enxerga a vitória do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na votação do primeiro turno da reforma da Previdência?
Rodrigo Maia, sem dúvida, saiu como o grande interlocutor da reforma. Ele foi decisivo na articulação para criar maioria e poder aprovar uma Previdência robusta. Teve controle do plenário, conseguiu reunir lideranças partidárias e bolar estratégias. E deve permanecer como o interlocutor-chave da proposta daqui para a frente. Mas os condicionantes que permitiram a aprovação de uma reforma vigorosa como essa dificilmente vão se repetir nas outras.
Quais são esses condicionantes?
São dois os fatores. O primeiro eu resumo na palavra “medo”. Lideranças dos partidos do Centrão estavam preocupadas com a repercussão negativa caso a reforma não fosse aprovada, além do medo de uma nova crise econômica. O segundo fator foi o crescimento do apoio popular à reforma. Em abril, 40% eram a favor e 60% contra. No início de junho, esses números se inverteram. Maia conseguiu articular em cima do medo e do populismo.
O senhor acredita que essa vitória de Maia enfraquece o presidente Jair Bolsonaro?
No médio prazo, se houver condições para uma recuperação da economia, o vencedor será o presidente da República. Isso dará poder a Bolsonaro para concorrer à reeleição em 2022. O eleitor não terá a leitura de que o desemprego diminuiu porque Maia fez um trabalho excepcional como articulador político, e sim de que Bolsonaro lhe concedeu bem-estar econômico.
O Brasil tem hoje um “parlamentarismo branco”?
O que temos é um presidencialismo que não aceita coalizões. Com isso, temos um governo minoritário e um Congresso com um protagonismo forte, capaz de votar pautas importantes para a população. Não gosto da expressão “parlamentarismo branco” porque dá a conotação de que Maia seria um primeiro-ministro. E não é o que acontece. Não estou diminuindo a relevância dele na Câmara, mas eu acho que é uma analogia ruim. O poder do presidente da Câmara consiste mais em coordenar as preferências das lideranças e pautar a agenda.
Esse protagonismo do Congresso ajuda a melhorar a avaliação dos parlamentares perante os eleitores?
O que ocorre é que vários partidos e lideranças estão muito preocupados com o desgaste da classe política perante a opinião pública. Antes, os parlamentares buscavam cargos e verbas. Agora buscam estratégias de sobrevivência e tentam melhorar a reputação de partidos e políticos.
Levado por esse protagonismo, o Congresso assumirá a liderança das demais reformas, como a tributária?
Não dá para prever porque há muita coisa em jogo. A reforma tributária é mais complexa, tem muito mais pontos a ser vetados, em comparação com a da Previdência. Além disso, o eleitor não entende o teor da tributária.
A reforma da Previdência estancará a expansão dos gastos, mas ainda há um longo caminho para alcançar o equilíbrio fiscal | André Jankavski
O que, afinal, a reforma da Previdência, que ainda precisa vencer algumas etapas no Congresso, vai fazer pelo Brasil? Se aprovada, ela já reduzirá o rombo previdenciário previsto para mais de 300 bilhões de reais neste ano? A resposta é não, ou pelo menos não de imediato. O que a reforma promete é estancar a trajetória de expansão desse déficit, que tem inflado a cada ano. Trata-se, portanto, de evitar novos gastos futuros, e não de tapar o buraco que está aberto. As apostas quanto ao resultado final da reforma são diversas.
Para o governo, serão 900 bilhões de reais de despesas futuras ceifadas até 2029 — se as medidas forem postas em vigor no ano que vem. Já o Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, calcula que os gastos evitados serão de 745 bilhões. Um consenso é que a reestruturação da Previdência sozinha será insuficiente para tirar o Brasil do buraco fiscal em que se meteu. Talvez esse seja um dos motivos de o vice-presidente da República ter qualificado a reforma de boa, não ótima. Mas, como ele próprio acrescentou, “o ótimo é inimigo do bom”.
Em maio, de acordo com dados do Banco Central, a dívida bruta do governo geral, que abrange a União, estados e municípios, chegou a 5,5 trilhões de reais, ou 78,7% do produto interno bruto — até dezembro, deverá chegar a 80%. No final de 2013, a dívida correspondia a 51,5% do PIB. Sem nenhuma alteração no modelo de aposentadorias, segundo um estudo realizado pelo antigo Ministério da Fazenda no final de 2018, a dívida poderia chegar a 106% do PIB em 2022, e isso levaria o país ao estado de insolvência. Com a reforma, o cenário mais provável é que a dívida alcance 82% no mesmo prazo. Ou seja, todo o empenho na aprovação da reforma servirá para manter a situação fiscal brasileira basicamente no ponto em que está hoje, se ela não for acompanhada de mais providências.
O Brasil não apresenta um superávit primário, que nada mais é do que gastar menos do que arrecada, desde 2013. Para que as contas do país voltem ao azul em 2022, é necessário um conjunto de mudanças, que incluem, ainda, desde a reforma tributária e privatizações até a capitalização da Eletrobras. Caso propostas microeconômicas, que visam ao aumento da produtividade, sejam aliadas à agenda, o Brasil poderá obter um superávit de 0,8% do PIB e uma redução da dívida para 76% do PIB em 2022 — aí, sim, será possível dizer que o país começou a economizar. Por que melhorar esses índices ajudaria o Brasil? O endividamento bruto é utilizado pelas agências de classificação de risco para avaliar o estado de solvência de um país. O Brasil perdeu o grau de investimento em 2016, ainda no governo de Dilma Rousseff, e se afastou do clube dos bons pagadores. Segundo a agência americana Moody’s, a nota do país está dois degraus abaixo do grau de investimento.
Mesmo no cenário otimista, no entanto, há economistas que acreditam que o superávit deva demorar mais a chegar. Para Felipe Salto, diretor executivo do Instituto Fiscal Independente, o Brasil não terá contas no azul antes de 2026 — deixando longe o cenário que o ministro Paulo Guedes chegou a cogitar, de que esse resultado viria ainda em 2019. “O ministro está certo em cobrar resultados rápidos, mas temos uma rigidez no orçamento, com 90% dos gastos carimbados”, diz Salto.
Um fator que prejudicará a recuperação do país é a exclusão — caso se consuma — de uma reforma da Previdência dos estados e municípios. Com receio do impacto político nas eleições do ano que vem, muitos congressistas optaram por retirar esse ponto. A inclusão evitaria gastos de 400 bilhões de reais em dez anos, segundo cálculos do economista Paulo Tafner, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo. Seria uma ajuda providencial, pois 16 estados enfrentam déficits acima dos 10% da receita previdenciária no pagamento de aposentadorias. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, acima dos 20%. Se for aprovada pelos deputados em segundo turno, a proposta de reforma deverá seguir para o Senado para apreciação ainda em agosto. Lá, talvez haja a chance de consertar essa distorção. A questão é saber se a política vai deixar.