Revista Exame

Bovespa vive mundo de Cinderela com euforia eleitoral

A Bovespa teve uma das maiores altas do mundo nos últimos quatro meses. Tudo baseado em algo que talvez, quem sabe, possa acontecer ou não: a troca no governo

Operadores na Bovespa: os estrangeiros compram; os brasileiros vendem (Germano Lüders/EXAME)

Operadores na Bovespa: os estrangeiros compram; os brasileiros vendem (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 16 de julho de 2014 às 18h36.

São Paulo - Os executivos do mercado financeiro costumam menosprezar quem diz que a bolsa de valores funciona como um cassino, onde ganhar dinheiro é questão de sorte, e não de conhecimento ou estratégia.

Para analistas e gestores, a comparação é um absurdo, porque comprar ações não é como fazer uma aposta no escuro: é colocar dinheiro numa empresa, que (na maioria dos casos, pelo menos) tem fábricas, produz bens etc. Pode haver excessos aqui e ali, dizem eles, mas, no fim das contas, são os “fundamentos” das companhias que importam. 

Recentemente, o Brasil tem dado sua contribuição para mostrar que as coisas nem sempre funcionam assim. Sem que nenhuma previsão para o país tenha melhorado — ao contrário, a estimativa de lucro das empresas diminuiu e a perspectiva de crescimento da economia é desanimadora —, a bolsa brasileira teve uma das maiores valorizações do mundo.

Em apenas quatro meses, o Ibovespa subiu 13%. A alta chama a atenção, mas o mais impressionante é que as ações que mais subiram no período foram de empresas estatais e de setores regulados, como energia elétrica — juntos, esses papéis responderam por quase metade da alta do Ibovespa.

Os papéis da estatal de energia elétrica Eletrobras subiram 28%; os da Petrobras, 23%. E nada melhorou na gestão dessas companhias. 

Os investidores, especialmente os estrangeiros, voltaram a comprar ações na Bovespa em março. Foi quando saíram os resultados de pesquisas que mos­tram a queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff e o crescimento das intenções de voto para os candidatos de oposição.

Até o início do ano, as pes­qui­sas indicavam que Dilma venceria as elei­ções ainda no primeiro turno. Na época, a dúvida era que tipo de governo ela faria num segundo mandato: tentaria se aproximar de empresá­rios e inves­tidores? Seria ainda mais in­terven­cio­nista?

As últimas pesquisas dos institutos Datafolha e Ibope mostram que as chances de segundo turno aumentaram significativamente. Isso foi suficiente para mudar completamen­te o comportamento de investidores es­trangeiros que, até fevereiro, estavam bastante pessimistas com o Brasil.

“Sei que nada melhorou em termos econômicos e não irei às urnas em outubro, mas a esperança de que haja novidades positivas no país aumentou”, diz Oliver Leyland, gestor da coreana Mirae, que administra 16 bilhões de dólares em emergentes e voltou a comprar ações aqui. 

O que gestores como Leyland esperam é que o país tenha um novo governo, capaz de melhorar a administração das empresas públicas, controlar a inflação e os gastos públicos e tirar reformas como a tributária do papel. Na visão da grande maioria dos investidores, uma eventual vitória da oposição aumenta a chance de que essas mudanças ocorram.

Pesquisas feitas pela consultoria Economatica, pela empresa de informações financeiras Quantum e pela assessoria financeira Tag mostram que as ações que mais subiram em três meses são as de empresas estatais e de setores regulados, seguidas pelas dos bancos (que se beneficiariam caso um novo governo diminuísse o ímpeto expansionista de Banco do Brasil e, sobretudo, Caixa Econômica Federal). 

É normal que os investidores antecipem cenários e saiam comprando ou vendendo ações antes que eles se tornem realidade. Mas, no caso brasileiro atual, a coisa parece um pouco exagerada. Ainda que um candidato de oposição vença as eleições (o que ainda é pouco provável) e queira fazer mudanças, ele terá enormes dificuldades para aprovar reformas.

Também terá pelo menos um ano duro de controle de gastos públicos e juros elevados para segurar a inflação. Com sorte, 2016 pode ser um ano de mais crescimento econômico. “Uma coisa é ver o governo fazendo políticas mais favoráveis às empresas e aí antecipar alguma melhora. Outra é ficar torcendo”, diz Fernando Fanchin, analista de renda variá­vel da gestora Rio Bravo.

Alto risco

Os grandes investidores, claro, sabem o que está em jogo. Quem resolveu ficar fora da onda de compras está perdendo dinheiro. O gestor Luis Stulhberger, um dos mais bem-sucedidos do país, tem menos de 5% do patrimônio de seu principal fundo, o Verde, investido em ações brasileiras — e perdeu, de janeiro a junho, 2% com suas aplicações. Para Stulhberger, a atual euforia eleitoral vai acabar mal.

Quem aposta em mudanças está correndo um risco enorme, já que qualquer nova pesquisa, ou decisão do governo, pode derrubar as ações.

No fim de junho, as ações da Petrobras caíram 5,5% em apenas dois dias, quando a companhia, altamente endividada, anunciou que gastaria mais 15 bilhões de reais para explorar novas reservas do pré-sal — e que parte do dinheiro seria paga antecipadamente ao governo.

A maioria dos analistas viu ingerência do Planalto na decisão. O investidor Warren Buffett, quarto homem mais rico do mundo, já disse que os especuladores se comportam como a Cinderela.

“Eles sabem que não podem ficar demais na festa, ou o encanto acaba. Ao mesmo tempo, não querem perder um minuto de diversão. Então, planejam sair alguns segundos antes da meia-noite. O problema é que estão num salão onde os relógios não têm ponteiros.”

Quem está “comprado” na Bovespa pode ganhar mais dinheiro se o relativo otimismo com o Brasil continuar. Mas, caso o humor mude, o desafio será tentar não ser o último a sair da festa.

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