Revista Exame

Eu, CTO

Executivos de tecnologia emergem como impulsionadores do progresso organizacional

Descompasso: 35% dos líderes de TI afirmam que suas métricas estão desalinhadas com o restante da empresa  (Yana Iskayeva/Getty Images)

Descompasso: 35% dos líderes de TI afirmam que suas métricas estão desalinhadas com o restante da empresa (Yana Iskayeva/Getty Images)

Izabela Anholett
Izabela Anholett

Chief Technology Officer (CTO)

Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 18 de dezembro de 2023 às 10h59.

Era outubro de 2019, e o clima na sala de reunião estava particularmente tenso. Um ajuste solicitado em um dos requisitos de sistema tinha alterado, radicalmente, a forma como o planejamento de estoque de produtos funcionaria. Essa mudança ocorrera próximo ao maior momento de vendas da empresa: as comemorações de final de ano. De nada adiantaram todos os processos de tecnologia que seguíamos na época: solicitação de projetos com três meses de antecedência, priorização de solicitações para adequá-las ao esforço que o time conseguiria empregar ou abertura de chamados com a prioridade correta. Nenhum desses processos previamente estabelecidos e comunicados a toda a organização conseguiram proteger o negócio. Ao final, não fizeram a menor diferença para nosso resultado ruim. Algo visto de maneira rotineira e com impacto avaliado como pequeno atrasou toda a nossa operação de final de ano mais do que deveria.

Olhando hoje com distanciamento e de uma perspectiva mais fria, o que ocorreu foi uma comunicação não clara entre os principais stakeholders quanto aos processos de negócio impactados, levando à decisão de seguirmos com o desenvolvimento. É isso mesmo que você leu: uma conversa. Quando sentamos os quatro juntos naquela sala, ficou muito claro — uma comunicação feita para privilegiar o projeto com o objetivo de aumentar nossas vendas escondeu os pontos que causaram o problema. Foi então que ouvi do CEO a frase que levo comigo até hoje: “Izabela, você, como Tecnologia, consegue ver o todo, e eu esperava que tivesse sido mais ‘pró’ ao nosso negócio e paralisasse, mesmo com o ok dos dois. É o departamento de Tecnologia que tem esse poder.”

Minha percepção da cadeira de CTO mudou muito a partir de um dos momentos mais tensos na minha carreira. Nada como uma crise para colocar as coisas em perspectiva. E vêm daí as frustrações que empresas e CEOs têm com seus executivos de tecnologia. Mergulhados no nosso mundo técnico, repleto dos nossos próprios jargões, esquecemos o real objetivo de cada uma das empresas nas quais estamos inseridos. E, em sua maioria, tecnologia não é o centro do negócio, mas, sim, o habilitador que permite à empresa atingir o seu propósito. Esquecemos disso ao nos comunicarmos com nossos pares executivos e causamos um distanciamento. Esquecemos da rapidez do mercado quando implementamos processos de priorização que levam meses para ser fechados e, no fundo, protegem a própria área de tecnologia. Vivemos em um mundo no qual a maior empresa de locação de imóveis não possui nenhuma escritura em seu nome, ou a maior empresa de transporte não tem nenhum veículo como ativo. É fácil se perder. A tecnologia já está tão embarcada em qualquer coisa que utilizamos que, por vezes, não nos damos conta de quanta tecnologia está ali. E, principalmente, no mundo pós-pandemia, em que a transformação digital, uma vez sonhada, se tornou fator predominante para a sobrevivência de nossas empresas. A mensagem aos executivos de tecnologia está aí, clara e gritando em nossa porta. Cabe a nós ouvirmos.

Você, colega de profissão, já deve ter recebido inúmeros pedidos para implementar a ferramenta A ou B. O executivo de tecnologia é então designado para entender quanto essa ferramenta cabe na arquitetura atual, quais riscos ela pode trazer aos ambientes e analisar qual é o prazo para implementá-la — simples assim, sem nenhuma avaliação de qual benefício essa ferramenta realmente pode trazer ao negócio. E por muito tempo isso foi o esperado de nossa cadeira. Mas esse mundo não existe mais. Já não é possível esperar meses para que um novo requisito de negócio seja entregue. Vivendo atualmente no mundo Bani (sigla em inglês para “frágil, ansioso, não linear e incompreensível”) e com a crescente incerteza que encaramos todos os dias, as demandas dentro dos nossos negócios não podem esperar para ser entregues. Assim como também não é esperado que façamos somente o que foi pedido (“Se ninguém ainda levantou a mão, não deve ser tão problemático”). Essa postura ficou no passado. Com tantos dados que são gerados diariamente por cada um dos nossos clientes, é esperado que tenhamos uma visão holística sobre os números que movimentam nosso negócio e questionemos sobre o que podemos fazer diferente — qual experimento pode ser feito e colocado no ar para melhorar esses números continuamente. Sendo assim, o trabalho de um cargo de CTO ou CIO não é apenas decidir qual tecnologia será adotada. Ele evoluiu e foi moldado para discutir os caminhos do negócio e quais são as melhores estratégias para alcançar o resultado esperado.

Inovação: tecnologia está tão embarcada no dia a dia, que muitas vezes passa despercebida (Xavier Arnau/Getty Images)

E temos espaço para que isso seja ainda mais realizado. Em sua pesquisa recente, a Salesforce destaca que apenas 35% dos líderes de TI afirmam que suas métricas estão alinhadas com o restante da empresa. Esse número, por si só, já demonstra o descasamento entre o que estamos fazendo com tecnologia e o que estamos fazendo enquanto negócio: faria mais sentido se os dois caminhos fossem para o mesmo lugar, concorda? E isso ficará ainda mais latente com a revolução que a era da inteligência artificial tem trazido para nosso dia a dia. Enquanto alguns executivos de tecnologia devem estar preocupados com segurança e bloqueando esses sites para não serem usados nas suas empresas, outros estão conversando com pessoas da empresa, entendendo processos manuais que podem ser automatizados e melhorados com o uso de IA no dia a dia. Mas então deveríamos abandonar nossas preocupações para abraçar todos os riscos de inovações e novos testes? Absolutamente, não. Mas mudar a postura para não ver possíveis erros como impeditivos de tentar algo novo é a nova proposição da nossa cadeira. Já não existe negócio longevo sem a aplicação da tecnologia no centro do seu dia a dia. E a pessoa que o gerencia também deve entender que é necessário que ela mesma se insira no dia a dia do negócio, em vez de dizer do alto de sua cadeira o que pode ou não ser feito. Abraçar as metodologias ágeis que permitem testar muito rápido sem um alto investimento e ganhar velocidade com entregas para o negócio, além de desenvolver uma cultura no time de aceitar o erro como parte do processo de melhoria contínua dos produtos e serviços, é um caminho. Um caminho para trilhar esse novo mundo que será cada vez mais potencializado e transformado pela tecnologia para pessoas.

Com cada vez mais velocidade, o mundo dos negócios evolui diante de nossa constante imprevisibilidade. As demandas não esperam, e a inovação não pode ser contida por processos rígidos ou hesitações. Enquanto CTOs e CIOs, não podemos mais nos restringir a meras solicitações de implementações técnicas. Somos estrategistas, inovadores e impulsionadores do progresso organizacional. Devemos desafiar o status quo, mergulhar nos dados que fluem incessantemente em nossas organizações e questionar constantemente: “O que mais podemos fazer?”. O futuro está além da adoção de tecnologias; é a fusão perfeita entre a compreensão do negócio e a capacidade de aplicar inovação com agilidade e visão holística. O caminho à frente exige uma abordagem flexível, uma disposição para experimentar e uma mentalidade que abrace a transformação contínua. A tecnologia não é mais um mero suporte, mas a força motriz por trás da evolução empresarial. É hora de ocupar esse espaço, liderar com visão e adaptar-se rapidamente a um mundo que está sendo incessantemente moldado pela tecnologia, para o benefício das pessoas e das organizações.


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