Walter Mendes, da Petros (Marcelo Correa/Exame)
Ana Paula Ragazzi
Publicado em 3 de fevereiro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2017 às 09h19.
São Paulo – Quando completou 55 anos, com mais da metade deles dedicada a uma intensa carreira no mercado financeiro, o economista paulistano Walter Mendes decidiu que era hora de pisar no freio. Durante quase três décadas, Mendes foi chefe da gestora londrina Schroders no Brasil e superintendente de renda variável do banco Itaú.
Em 2010, concluiu que podia diminuir o ritmo. Fundou, com amigos, uma gestora alternativa que investia em vinhos, uma de suas paixões. Continuou tocando baixo na banda de rock Black Zornitak. Assumiu cadeiras em conselhos de administração, o que, no mundo corporativo, tende a significar pouco trabalho. No caso de Mendes, no entanto, algo fugiu do script: no início de 2015, ele foi convidado para ser representante dos acionistas minoritários no conselho da mais enrolada empresa brasileira, a Petrobras.
Pouco mais de um ano depois, Pedro Parente, então recém-nomeado presidente da empresa, decidiu indicar Mendes para tentar resolver um grande, enorme pepino — o deficitário, bagunçado e mal gerido fundo de pensão da Petrobras, a Petros. “Eu não pensei muito, porque, se pensasse, não aceitaria”, diz Mendes, que assumiu o cargo em setembro.
A cena empresarial brasileira está repleta de tragédias. As mais notórias, como se sabe, são as protagonizadas pelas estatais Petrobras e Eletrobras. No mercado financeiro, não se tem notícia de encrenca maior do que a vivida pelos fundos de pensão, que replicaram nos últimos anos o misto de incompetência e rapinagem que quase levou as estatais à lona. Em condições normais, um fundo de pensão pega as contribuições dos funcionários da ativa, investe e paga seus aposentados. Mendes encontrou um cenário um tanto diferente. Nos últimos quatro anos, a Petros registrou déficit.
O buraco, que ao final de 2015 estava em 22,6 bilhões de reais, aumentou 1,7 bilhão em 2016, para 24,3 bilhões de reais até outubro. Seguindo as regras do setor, os participantes do plano precisam cobrir esse déficit — no caso, funcionários da ativa, aposentados e a própria Petrobras terão de colocar dinheiro na Petros para corrigir os efeitos das bobagens feitas pelos gestores do fundo. É o nó que tirou Walter Mendes da semiaposentadoria.
Consertar um fundo de pensão com defeito é uma tarefa complexa — o tamanho da Petros, segundo maior fundo do segmento (atrás da Previ, que pertence ao Banco do Brasil), só complica mais as coisas. A Petros administra dois fundos. O PPSP, lançado na década de 70, já paga mais benefícios do que recebe contribuições. O mais novo só começará a pagar benefícios em 2042. Um gestor com a cabeça no lugar faria o óbvio: concentraria apostas de longo prazo no fundo mais novo e aplicaria em investimentos de curto prazo o dinheiro do fundo antigo.
Mas tem-se na Petros exatamente o contrário. O PPSP, que soma 65 bilhões de reais e precisa pagar seus aposentados mês a mês, tem uma carteira que não oferece condições de vender ativos com rapidez para fazer frente a seus compromissos. Já o fundo mais novo tem dinheiro concentrado em títulos públicos, o mercado mais líquido do país. “Se eu pudesse simplesmente trocar as carteiras dos dois fundos, seria perfeito”, resume Mendes.
Isso leva tempo, e será feito ao longo dos próximos dois anos. Para agravar um pouco mais, as gestões anteriores fizeram grandes investimentos que são difíceis de desfazer. O fundo tem participações acionárias relevantes em empresas como a gigante de alimentos BRF, a holding Itaúsa e a Iguatemi, de shoppings. Será preciso vendê-las aos poucos, sob o risco de jogar os preços para baixo. Apesar dos problemas, o fundo antigo tem fôlego para arcar com os pagamentos nos próximos dois anos.
Nada é mais complicado de resolver do que a herança maldita dos investimentos “alternativos” feitos pela Petros. Em 2011, quando os juros começaram a cair, os fundos de pensão procuraram formas de manter a rentabilidade. Dois se destacaram. O primeiro foi a compra de cotas de Fundos de Investimentos em Participações (FIPs). Nesse tipo de investimento, o fundo de pensão entra com o dinheiro e um gestor de fora o administra, normalmente no lado “real” da economia. A segunda modalidade foi a compra de Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) emitidas por instituições financeiras. Isso abriu a porta para todo tipo de falcatrua. A Petros tem investimentos em 32 FIPs e 70 CCBs, e encontrou neles uma miría-de de irregularidades.
No caso dos FIPs, os recursos foram entregues a gestores desconhecidos, que fizeram investimentos inexplicáveis ou que, nos piores casos, sumiram com o dinheiro. O FIP Brasil Petróleo 1 captou recursos da Petros e de outros investidores para construir uma fábrica de equipamentos no Brasil, mas os gestores Mare e Mantiq, sem a aprovação dos cotistas, decidiram erguê-la nos Estados Unidos.
O negócio não deu certo, e a Petros já provisionou perda de 17 milhões de reais. A própria Petros requisitou à Comissão de Valores Mobiliá-rios (CVM) que investigasse esse fundo. O FIP Multiner, que investia em usinas e projetos de geração de energia, recebeu 430 milhões de reais de 12 fundos de pensão, incluindo Petros, Postalis e Funcef, em 2008.
Em 2012, apesar de a maioria de seus projetos ter sido um fiasco e de acumular prejuízos, recebeu um novo aporte, de mais 391 milhões de reais desses mesmos fundos. O FIP Sondas, que levantou 3 bilhões de reais com fundos de pensão para tirar do papel a Sete Brasil, financiadora de sondas da Petrobras, virou pó. “Quem investe em FIPs precisa estar no comitê de investimentos para acompanhá-los muito de perto. A Petros não tinha sequer uma equipe para acompanhar tantos investimentos”, diz Mendes. Os FIPs Multiner e Sondas são alvo da Operação Greenfield da Polícia Federal.
Nas CCBs, o investimento foi totalmente deturpado. Esse instrumento é usado pelos bancos quando concedem crédito a uma empresa e avaliam que o risco da operação é alto demais para assumirem sozinhos. Então vendem um pedaço desse crédito para terceiros, via CCB. Na Petros, o que aconteceu foi que um banco médio sem condições de conceder crédito emprestou dinheiro para uma empresa desconhecida e transferiu 100% da operação para os fundos de pensão. Isso foi feito, por exemplo, pelo hoje quebrado BVA, onde a Petros enterrou 1 bilhão de reais. A atual diretoria não conseguiu sequer achar papéis com assinatura dos responsáveis por alguns investimentos.
Mendes trouxe três novos diretores, dois deles que trabalharam com ele no Itaú. Para os cargos de gerência, Mendes tem aproveitado o plano de aposentadoria voluntária do Banco do Brasil para trazer pessoas do BB, da BB DTVM e do fundo de pensão dos funcionários, a Previ, que é o único dos grandes fundos de pensão brasileiro que não precisa de novos aportes. “Aqui, as pessoas administram o próprio dinheiro”, diz o presidente da Previ, Gueitiro Genso. Outros fundos, como Petros, Funcef e Postalis, eram recheados de executivos de investimento indicados por políticos dos mais variados matizes. É o modelo da Previ que a Petros vai tentar copiar agora. Se Walter Mendes conseguir, 150 000 pessoas vão ter uma aposentadoria mais tranquila — e ele também.