Kenneth Rogoff: "A metodologia que usamos para medir o crescimento do PIB é primitiva” (.)
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2015 às 14h31.
São Paulo - Professor de economia na Universidade Harvard, Kenneth Rogoff virou notícia duas vezes nos últimos anos. Em 2009, com a economista Carmen M. Reinhart, publicou Oito Séculos de Delírios Financeiros — Desta Vez É Diferente. Como o próprio título diz, trata-se de uma alentada análise histórica das crises financeiras, lançada logo após a hecatombe de 2008.
Em pouco tempo, o livro se tornou um best-seller, mas em 2013 três pesquisadores americanos declararam que a obra continha erros grosseiros. Ao fim de um bate-boca público, concluiu-se que havia alguns deslizes, mas que as conclusões do livro estavam mantidas. Nesta entrevista, Rogoff não apenas defende seu livro como se coloca no centro de uma nova polêmica: o debate sobre a existência de uma estagnação secular nos países ricos, discussão que tem ocupado a mente de alguns dos economistas mais brilhantes.
Para Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, é provável que as economias avançadas, os Estados Unidos em particular, estejam sofrendo mais do que uma ressaca da crise financeira. Para Summers e gente como Paul Krugman, ganhador do Nobel de Economia em 2008, o crescimento pífio dos países ricos desde 2009 talvez seja o novo normal devido a fatores estruturais.
Alguns economistas veem uma queda duradoura dos investimentos. Outros falam de uma carência de invenções capazes de acelerar a produtividade. Há ainda os que apontam a falta de recursos para infraestrutura e educação e, por fim, os que acreditam que a crise de 2008 diminuiu o potencial de crescimento. Para Rogoff, todo esse diagnóstico é equivocado.
EXAME - Depois de sete anos de crise, a recuperação nos países ricos ainda é fraca, apesar de juros baixíssimos. A culpa é da tal “estagnação secular” de que falam os economistas?
Kenneth Rogoff - Antes de qualquer coisa, é importante deixar claro o que entendemos como estagnação secular. Vamos levar em conta a definição de Larry Summers, para quem a expressão é um sinônimo para o longo período de taxa de juro muito baixa que temos visto. Não acredito que questões seculares sejam as principais responsáveis pelo período prolongado de juros baixos.
Para os defensores da tese da estagnação, isso se deve à baixa demanda nos últimos anos. Mas há várias outras razões para explicar o que acontece com a taxa de juro. Após a crise de 2008, os Estados Unidos e a Europa regularam o sistema financeiro de forma exagerada, e isso fechou o mercado de crédito para muitas empresas, especialmente para as de pequeno e médio porte. As pessoas, de modo geral, também ficaram mais preocupadas com a possibilidade de novas crises, e isso freia os negócios.
EXAME - Alguns economistas argumentam que invenções do passado, como a eletricidade, tiveram um impacto muito maior no aumento da produtividade do que a revolução digital dos últimos anos. O crescimento da produtividade nos Estados Unidos, por exemplo, tem sido mais lento nas últimas quatro décadas do que foi de 1870 a 1970. Essa não é uma evidência de que há fatores seculares em ação?
Kenneth Rogoff - A produtividade deve estar crescendo num ritmo bem mais alto do que a gente tem condições de medir. O fato é que não medimos a produção muito bem. Há várias invenções que não são contabilizadas no PIB, mas que as pessoas valorizam muito. Uma avó que more em São Paulo e fale pelo Skype com sua neta que vive no Rio de Janeiro com certeza gosta bastante desse serviço.
Há novos remédios que custam pouquíssimo e mudam a vida de milhões de pessoas. A metodologia que usamos para medir o crescimento do PIB e do bem-estar das pessoas — com fatores como o número de automóveis de cada família — é muito primitiva. As mudanças promovidas pela tecnologia nos últimos anos têm sido bem mais radicais do que as pessoas se dão conta.
EXAME - Os defensores da tese da estagnação secular estão totalmente equivocados, então?
Kenneth Rogoff - É claro que existem fatores seculares em ação. A população de vários países está ficando mais velha, o que afeta o crescimento da economia. Isso quer dizer, como afirmam Summers e Krugman, que teremos pela frente muitos anos de crescimento econômico próximo de zero ou baixíssimo? Não. A demografia nos atrapalha, porém o aumento da produtividade com base nos últimos avanços da tecnologia está nos levando à frente.
EXAME - O potencial de crescimento das economias ricas e emergentes foi reduzido pela crise?
Kenneth Rogoff - Se estivermos falando sobre o futuro próximo, a resposta é sim. A Europa ainda tem um enorme problema com sua dívida. A China provavelmente terá sua crise financeira. Mas tudo isso tem relação com o que estamos vivendo atualmente: o período pós-crise financeira de um superciclo de dívida. Daqui a 30 anos, quando as pessoas olharem para trás, vão achar que a ideia de estagnação secular era algo bobo.
EXAME - Quais são as evidências de que o que estamos vendo é o período pós-crise financeira de um superciclo de dívida?
Kenneth Rogoff - Como demonstramos no livro Oito Séculos de Delírios Financeiros, existe um padrão nas crises e nos períodos posteriores a elas. Isso pode ser observado em fatores como taxa de desemprego, níveis da dívida pública e da privada, valores de ações e de imóveis. Foi com base nisso que fizemos, há cerca de cinco anos, projeções sobre os efeitos da crise de 2008. Essas projeções acabaram sendo as mais acertadas.
EXAME - Após a publicação de Oito Séculos de Delírios Financeiros, o livro foi contestado por pesquisadores da Universidade de Massachusetts. O senhor está falando já com base nos dados corrigidos?
Kenneth Rogoff - Nenhum número apresentado no livro foi contestado. Desde que as acusações foram feitas, muita gente refez os cálculos e chegou a conclusões bem similares às nossas. Esse ataque foi político. Carmen e eu não somos animais políticos. Os pesquisadores que nos atacaram são. O Krugman é.
Se o que está acontecendo é resultado de um superciclo de dívida, em breve voltaremos a ver taxas de crescimento econômico comparáveis às do século 20? Essa é minha previsão. Mas vale dizer que é muito difícil prever como estaremos daqui a 30 anos.
EXAME - Larry Summers diz que há uma deficiência de demanda e que, por essa razão, os governos deveriam gastar mais para preencher o vácuo deixado pelos investidores privados. O que o senhor acha?
Kenneth Rogoff - Summers fala em melhorar a infraestrutura, o que é uma boa ideia em qualquer lugar do mundo. Isso vale para os Estados Unidos e para o Brasil. Não é preciso ser um ultra-keynesiano para defendê-la. É ridículo dizer que as crianças precisam de uma educação melhor por causa de uma suposta estagnação secular. Faz sempre sentido investir em educação.
EXAME - Em termos de políticas públicas, o que muda se acharmos que estamos diante de um superciclo de dívida?
Kenneth Rogoff - Parte dos economistas que acreditam na estagnação diz que qualquer investimento público é bom. Eles dão uma grande ênfase à necessidade de aumentar o tamanho do Estado. O gasto dos governos nos países ricos saiu de 15% do PIB em 1950, quando ainda havia muitos investimentos na área militar, para quase 45% hoje. Portanto, não dá para dizer que os Estados não gastam o suficiente.
Algumas pessoas querem menos governo, sem se importar em melhorá-lo. Outras querem mais governo, também sem se preocupar em melhorá-lo. Estranhamente, há pouca discussão sobre a reforma do Estado. Como aumentar a eficiência das escolas? Como atrair mais investimentos privados para a área de infraestrutura de forma transparente?
Claro que valorizo uma boa infraestrutura, mas isso não quer dizer que devamos deixar o Estado e sua dívida crescer de forma descontrolada. Se fizermos isso, aí, sim, acabaremos tendo um problema de estagnação secular.