Revista Exame

Antes de investir para crescer, esprema até a última gota

Livro desvenda maneiras de crescer sem investir em estratégias mirabolantes. A mensagem: tire o máximo proveito de clientes e estruturas já existentes


	Para cada novo produto que coloca no mercado, a Apple lança também acessórios como fones de ouvido e ganha um percentual dos arquivos e aplicativos vendidos em lojas online
 (Getty Images)

Para cada novo produto que coloca no mercado, a Apple lança também acessórios como fones de ouvido e ganha um percentual dos arquivos e aplicativos vendidos em lojas online (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 5 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — Muitas das empresas mais bem-sucedidas do mundo chegaram lá ao lançar produtos ou serviços inovadores, ao criar novos mercados e, no caso de um pelotão de elite, ao subverter a lógica de diversas indústrias. A alternância entre a Alphabet, controladora do ­Google, e a Apple no topo da lista das companhias com maior valor de mercado ajuda a demonstrar essa tese.

E também alimenta o ideal de que antecipar grandes transformações representa um atalho para o olimpo corporativo. O fato é que inovações disruptivas custam caro, implicam riscos tão grandes quanto suas promessas de recompensa e, portanto, não são para todo o mundo. No caso da esmagadora maioria das organizações, o sucesso não deriva de estratégias mirabolantes.

Mas, sim, da perseverança em esgotar as possibilidades de crescimento ao redor de clientes e ativos já existentes. Em outras palavras, trata-se da habilidade de espremer a laranja até a última gota. O argumento é o ponto de partida de um livro recém-lançado escrito por uma dupla de consultores.

Em Edge Strategy (“Estratégia lateral”, numa tradução livre, sem versão em português), o economista americano Dan McKone e o engenheiro britânico Alan Lewis, sócios da consultoria L.E.K., fazem apologia de uma abordagem pouco charmosa, porém pragmática.

“Antes de investir numa nova aposta, os executivos devem explorar todas as possibilidades mais próximas e acessíveis”, dizem Lewis e McKone (veja a entrevista na pág. 76). A obra é um contraponto a boa parte da literatura de negócios sobre inovação, que costuma enaltecer os desbravadores de mares desconhecidos.

O célebre A Estratégia do Oceano Azul, publicado há 11 anos pelos professores da escola de negócios francesa Insead, W. Chan Kim e Renée Mauborgne, é um exemplo. Considerado um clássico da teoria de gestão, o livro prega a fuga do oceano sangrento onde os rivais se digladiam e a busca por outros rincões livres de concorrência, nos quais as empresas podem navegar tranquilamente.

Para ancorar seus argumentos, os autores de Edge Strategy realizaram um estudo com as 600 maiores empresas do mundo. E concluíram que 89% delas perseguem o que batizaram de “estratégia lateral”. Essas companhias são 15% mais rentáveis e, num período de três anos até 2014, suas receitas foram 39% superiores às das demais.

Segundo a dupla de consultores, a principal vertente dessa estratégia é oferecer complementos, como acessórios ou serviços, para produtos já existentes. Nem mesmo a inovadora Apple prescinde desse artifício.

Em 2001, quando a gigante de tecnologia colocou no mercado a primeira versão do tocador de áudio iPod, lançou também uma loja virtual de músicas, a iTunes, e uma infinidade de capas protetoras para o aparelho, fones de ouvido e caixas de som. Em 2007, fez o mesmo com o lançamento do iPhone. Na sequência, lançou uma loja virtual de aplicativos e uma variedade de acessórios.

Hoje, as receitas com os produtos periféricos representam 13% do faturamento e 15% do lucro da Apple. A mesma lógica vale para os serviços.

Desde 2013 a fabricante de máquinas Caterpillar instala sensores em tratores, escavadeiras e outros produtos da marca. Os dispositivos monitoram a produtividade das máquinas, avisam sobre a necessidade de manutenção e integram informações de diferentes máquinas. Para acessar os dados, os clientes pagam uma assinatura.

Jornada do consumidor

De acordo com os autores, uma alternativa para orientar a criação de novas frentes de negócio é observar o que os teóricos de gestão chamam de “jornada do consumidor”. Em outras palavras, trata-se de conhecer as outras necessidades dos mesmos clientes que as empresas são capazes de atender.

A varejista americana de eletrônicos Best Buy seguiu esse princípio ao perceber que muitos consumidores consultavam vendedores para configurar e instalar os produtos após a compra. A partir daí, os executivos da varejista decidiram comprar uma pequena empresa, a Geek Squad, para aumentar seu time de especialistas, e passaram a cobrar e promover o serviço de suporte que até então era uma cortesia.

Em apenas oito anos, a Geek Squad passou de 60 funcionários e 3 milhões de dólares em receita para 24 000 profissionais e 3 bilhões de dólares, o equivalente a 8% das vendas da Best Buy. A determinação em buscar negócios adjacentes, segundo Lewis e McKone, pode inclusive guiar escolhas de fusões e aquisições, diminuindo o risco de erro.

Estima-se que até 80% das 40 000 negociações que ocorrem por ano no mundo dão errado. Boa parte das falhas ocorre porque as sinergias previstas não se concretizam. Diversificar em terreno conhecido e complementar pode ajudar a driblar o problema. Até 2013 a transportadora JSL oferecia a gestão de frotas de caminhões e carros leves a empresas de diversos setores.

Naquele ano decidiu diversificar o negócio com a compra da empresa de aluguel de carros Movida, dona de 25 lojas nos principais aeroportos do país. Hoje, 70% das receitas vêm de clientes corporativos — alguns deles são os mesmos que compram os serviços de frota da empresa.

“Também aproveitamos nossa expertise na compra e venda de carros, além de usar nossa rede de concessionárias para vender os veículos depois de algum tempo de uso”, afirma Renato Franklin, presidente da Movida. Em apenas dois anos, a Movida passou de um faturamento de 53 milhões de reais para 1,3 bilhão de reais.

A mesma lógica de aproveitar o conhecimento interno para lançar novas frentes de negócio se vê na Rede D’Or, maior grupo hospitalar privado do Brasil. Em outubro de 2015, a instituição comprou 51% das ações de uma corretora de seguros e gestora de benefícios fundada menos de um ano antes e deu origem a um novo negócio, a D’Or Consultoria.

“Ajudamos as empresas a reduzir os custos com os planos de saúde de seus funcionários, revisando os gastos e sugerindo iniciativas como o acompanhamento de doen­tes crônicos, a segunda opinião médica, e influenciando na escolha dos fornecedores”, diz Bruno Blatt, presidente e um dos fundadores da consultoria, que fatura 47 milhões de reais por ano e administra 720 000 pessoas de planos de saúde corporativos em cinco estados do país.

Numa ponta, a companhia ajuda os clientes a economizar, com a integração de dados e a gestão de saúde dos funcionários. Na outra, pode aumentar o movimento de sua rede de hospitais.

“A D’Or Consultoria ajuda a Rede D’Or a conquistar a fidelidade das empresas e a estreitar o relacionamento com os convênios, por exemplo, criando planos de saúde mais acessíveis com acesso a hospitais da rede que, eventualmente, tenham alguma ociosidade”, afirma Otavio Lazcano, diretor financeiro da Rede D’Or, que fatura 7 bilhões de reais por ano.

Ativo velho, negócio novo

Por vezes é possível abrir novas frentes com pouco ou nenhum investimento adicional. A processadora de pagamentos Cielo, que controla 53% das transações comerciais realizadas com cartão de crédito ou débito no Brasil, sempre teve informações em tempo real sobre o comportamento dos consumidores e o desempenho dos estabelecimentos comerciais. Mas nunca os usou comercialmente.

Desde 2014, criou um negócio com base nesse vasto banco de dados. O cliente-alvo é o mesmo varejista que paga para ter as maquininhas da empresa em suas lojas. Agora ele também pode saber o fluxo de clientes conforme o dia da semana, o tíquete médio dele mesmo e de um grupo de concorrentes na mesma região ou em outras localidades, entre outros dados.

“É uma das formas que encontramos de fidelizar clientes e, com o tempo, também criar uma nova fonte de receita relevante”, diz Danilo Caffaro, vice-presidente de produtos e negócios da Cielo. É a um só tempo uma tática de defesa e de ataque num mercado cada vez mais concorrido.

No caso da farmacêutica Prati-Donaduzzi, líder na fabricação de medicamentos genéricos no país, uma divisão de negócios que nasceu para resolver um problema de sua atividade principal acabou se tornando uma fonte de receita adicional.

Localizada em Toledo, no oeste paranaense, a Prati-Donaduzzi tinha dificuldade para encontrar na região um fornecedor de embalagens que atendesse às suas exigências de segurança e higiene, com um custo acessível. Seus executivos decidiram construir uma fábrica de embalagens, a Centralpack, que logo passou a atender outras indústrias.

Há cinco anos, 75% da capacidade produtiva da fábrica atende outras empresas. “O plano é ampliar a Centralpack e deixá-la independente da fábrica de medicamentos”, afirma Eder Maffissoni, presidente da Prati-Donaduzzi. A Centralpack fatura 44 milhões de reais, o equivalente a 5% da receita do grupo.

Outra unidade de negócios da companhia, a Biocinese, criada em 2005 para realizar os testes das fórmulas dos medicamentos em humanos, hoje tem 80% do faturamento oriundo de clientes que são também concorrentes da Prati-Donaduzzi na fabricação de remédios.

Como dizem os autores de Edge Strategy: “Quando há oportunidades ao redor do negócio principal, o esforço costuma ser incremental e o risco também. No entanto, os resultados podem ser fascinantes diante do tamanho do investimento”. A estratégia pode até não ter charme algum. Mas sua promessa soa como música, sobretudo em tempos de crise.

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