Guilherme Leal, da Natura, com Ana Luiza Herzog e André Lahóz, de Exame: “Temos de transformar nossa vantagem comparativa, um patrimônio natural riquíssimo, em vantagem competitiva” (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 4 de fevereiro de 2016 às 12h38.
São Paulo — A poucos dias do início da COP 21, a conferência internacional do clima promovida pelas Nações Unidas, torna-se cada vez mais clara a disposição de cada país em avançar na discussão sobre o que se convencionou chamar de uma economia de baixo carbono.
Neste ano, o encontro reunirá em Paris, no início de dezembro, representantes de quase 200 países para discutir um acordo global de redução das emissões de gases de efeito estufa, os responsáveis pelo aquecimento global — que começará a valer em 2020. Até agora, 137 países já anunciaram suas metas.
Em setembro, a presidente Dilma Rousseff anunciou na Cúpula da ONU, em Nova York, o quinhão do Brasil nessa empreitada: uma redução de 37% das emissões até 2025, na comparação com os níveis registrados em 2005. Até 2030, a contribuição brasileira para frear o aumento da temperatura do planeta será de 43%, também na comparação com o ano de 2005. Muitos especialistas queriam mais.
“A meta brasileira é tímida porque considera como base o ano de 2005, que registrou um dos maiores picos de desmatamento da Amazônia”, diz Suzana Kahn, professora da Coppe, instituto de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e presidente do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática.
A expectativa é que seu cumprimento seja visto como uma espécie de ponto de partida — e não de chegada — na corrida do país rumo a uma economia verde. As vias que levariam o país até lá e o potencial de crescimento econômico que elas são capazes de trazer foram discutidos no EXAME Fórum de Sustentabilidade, realizado no dia 17 de novembro, em São Paulo.
Participaram do encontro o economista e filósofo Eduardo Giannetti e os pesquisadores Luiz Pinguelli, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática e diretor da Coppe, e Suzana Kahn.
Também discutiram a importância de um protagonismo do setor privado nessa trajetória Guilherme Leal, sócio da fabricante de cosméticos Natura, Juliana Lopes, diretora de sustentabilidade da produtora e comercializadora de grãos Amaggi, Roberto Waack, presidente da Amata, e Plinio Ribeiro, presidente da Biofílica, empresas que operam no setor florestal.
Para atingir as reduções de gases causadores de efeito estufa prometidas pelo governo em Nova York, as metas nacionais estão centradas, sobretudo, nos dois maiores focos de emissões: a atividade agropecuária e o desmatamento. Hoje, 64% das emissões do país têm origem em lavouras, pastos e, principalmente, no corte de florestas nativas.
Embora a destruição da Amazônia tenha recuado 82% na última década graças a esforços conjuntos entre governos, empresas e ONGs, o Brasil ainda perde cerca de 5 000 quilômetros quadrados de floresta por ano — uma extensão equivalente a quatro vezes a área da cidade do Rio de Janeiro.
Entre os objetivos enviados à ONU numa rodada prévia em que os países declararam seus compromissos, o governo se comprometeu a recuperar 12 milhões de hectares até 2030. O objetivo é atender ao Código Florestal, legislação que passou a valer em 2012 e determina cotas de cobertura vegetal nas propriedades rurais em todo o país.
Alguns pesquisadores arriscam dizer que essa extensão é apenas metade da área que deveria ser recuperada nesse período. O passivo real, no entanto, só será conhecido com a conclusão, prevista para maio de 2016, do cadastro ambiental rural, um raio X da cobertura vegetal de todas as propriedades do país. Até agora, 61% da área cadastrável foi mapeada.
Reflorestar os 12 milhões de hectares propostos, no entanto, já será uma tarefa árdua. Como parâmetro, a indústria de celulose do país, impulsionada por muita pesquisa, demorou o dobro do tempo para plantar metade disso — 7 milhões de hectares de florestas de eucalipto e pinus.
O desafio de recompor rapidamente a cobertura florestal do país pode impulsionar a criação de atividades econômicas hoje ainda muito incipientes no Brasil, uma excelente notícia em tempos de crise.
Nos Estados Unidos, um estudo recém-publicado por pesquisadores das universidades da Carolina do Norte e de Yale revelou que o mercado de restauração ecológica movimenta anualmente algo como 9,5 bilhões de dólares.
Nele trabalham, apenas de maneira direta, cerca de 126 000 pessoas em empresas tão diversas como consultorias de adequação ambiental e viveiros de mudas que foram responsáveis por reflorestar cerca de 7,5 milhões de hectares entre 2011 e 2014. E a prática não tem se disseminado apenas nos países ricos.
Estima-se que a China, com o objetivo de reduzir suas emissões e garantir segurança hídrica, tenha adicionado à sua cobertura vegetal algo como 25 milhões de hectares de florestas entre 2006 e 2010. Mas, para que possamos ter um mercado ligado às matas e à sua recuperação tão pujante quanto o dos Estados Unidos, será preciso superar alguns obstáculos. Um deles é a falta de recursos.
É verdade que a recuperação de uma área, dependendo de seu estado, pode custar quase nada — se for necessário apenas isolá-la com uma cerca e esperar por sua regeneração. “Muitas vezes, porém, o custo dessa recuperação pode chegar a 20 000 reais por hectare”, diz Roberto Waack, da empresa florestal Amata. Em tese, o Código Florestal deverá obrigá-lo a fazer isso ao longo dos próximos 20 anos.
Outros incentivos, porém, podem convencê-lo de que cumprir a lei também pode ser um investimento. A empresa paulistana Biofílica, criada há oito anos, conecta fazendeiros sem áreas disponíveis para preservação ou recuperação vegetal com aqueles que excedem as exigências do governo. Manter a floresta em pé, em outras palavras, torna-se um ativo com valor monetário.
“O desmatamento diminuiu ao longo dos últimos anos, mas nosso problema não está resolvido”, diz Plínio Ribeiro, cofundador e presidente da Biofílica. “É preciso que negócios com estratégias diferentes ajudem a conservar nosso estoque de floresta.” Em outros casos, grandes empresas como a Amaggi têm o papel de pressionar produtores rurais a manter as reservas previstas em lei.
Há mais de uma década, a companhia passou a exigir que seus 4 000 fornecedores seguissem o Código Florestal à risca. “Hoje, cerca de 25% da soja vendida pela empresa é certificada”, diz Juliana Lopes, diretora de sustentabilidade da Amaggi. Só 1% do grão vendido no mundo leva um certificado do gênero. Um aliado para dar velocidade ao reflorestamento é a inovação.
Ao longo das últimas décadas, acumulamos um conhecimento tecnológico de ponta sobre espécies exóticas, como o eucalipto. Prova concreta da excelência dessa silvicultura é que, em nenhum outro lugar do mundo, a árvore cresce tão rapidamente — em sete anos ou menos — como nas florestas das maiores empresas de celulose e papel do país.
Quando o assunto é a exploração de florestas nativas para fins econômicos, porém — e de maneira ambientalmente correta, é bom frisar —, ainda estamos engatinhando. Por isso, especialistas como Waack e o empresário Guilherme Leal defendem que o governo e o setor privado, assim como aconteceu com as espécies exóticas, se unam e invistam para agilizar o ritmo dessas pesquisas.
“Não mais do que cinco espécies nativas são exploradas comercialmente no mundo, e o Brasil tem cerca de 1 000 variedades”, afirma Waack. “Pesquisas certamente vão nos mostrar que há outras possibilidades nesse universo imenso.” Para Leal, o Brasil precisa “transformar suas vantagens comparativas, um patrimônio natural riquíssímo, em vantagens competitivas”.
Os esforços do Brasil na luta contra o aquecimento global não estão restritos à seara da agricultura e das florestas. Outra conclusão dos participantes do EXAME Fórum de Sustentabilidade é que a rota do setor de energia, responsável por 30% das emissões de carbono do Brasil, terá de sofrer algumas correções. Hoje, cerca de 70% da geração elétrica do país vem de fontes renováveis.
Quando considerada a matriz energética como um todo — incluindo a energia gasta no setor de transportes —, as fontes limpas respondem por 40%. Não é pouca coisa. Essa fatia é mais de quatro vezes a dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o clube dos países ricos.
Apesar disso, a alta dependência das hidrelétricas, suscetíveis às secas como as que atingiram o país nos últimos dois anos, fez com que as termoelétricas, mais poluentes, ganhassem um espaço de 30% em nossa matriz. Luiz Pinguelli, da Coppe, defende que cabe à energia eólica, que ainda responde por apenas 5% de nossa matriz, ser nosso plano “B” no futuro.
“O custo da energia eólica já equivale ao custo da energia térmica gerada pelo gás natural”, afirma Pinguelli. De acordo com a Aneel, hoje há 157 parques eólicos em construção.
Sob a coordenação de Pinguelli, a Coppe lançou recentemente um estudo que revelou que os avanços do país rumo a uma economia de baixo carbono — com mais adoção de fontes limpas de energia — poderia somar cerca de 600 bilhões de reais ao Brasil até 2030. Cerca de 355 000 novos empregos poderiam ser gerados, boa parte deles só na área de energias renováveis.
O debate a ser realizado nas próximas semanas em Paris diz respeito a algumas questões fundamentais para tornar viável a mitigação do impacto ambiental no mundo. Uma delas é a possibilidade de financiamento de medidas em países emergentes. Hoje, um fundo global para esse fim administra 5 bilhões de dólares, apenas metade do valor previsto seis anos atrás.
Além da complexidade que envolve a disponibilização e o repasse de recursos financeiros, a falta de transparência é um dos obstáculos que ameaçam o combate à mudança do clima na prática. “Para o acordo ser efetivo, é preciso garantir mecanismos de verificação em todos os países, mas nem todos estão dispostos a abrir seus números”, afirma Suzana.
O esforço coletivo hoje materializado nas propostas nacionais têm linha de chegada — frear o aumento da temperatura do planeta em, no máximo, 2 °C até 2100. Resta saber se o discurso comprometido que antecede as negociações em Paris gerará mudanças concretas no caminhar das economias neste século. Um avanço é indiscutível — o debate está longe de envolver apenas ambientalistas.
Para o filósofo e economista Eduardo Giannetti, a preocupação com o aquecimento global levará a um questionamento profundo de algumas teorias fundamentais da economia. No conceito clássico de precificação prevalecem dois aspectos: o custo de produção e a disposição do consumidor em pagar determinado preço por aquele produto.
Segundo ele, considerar um terceiro elemento — o impacto ambiental — será inevitável. “Há uma falha capital no sistema de preços: nele não está incluído o impacto ambiental do que consumimos”, diz. Giannetti também critica a atual maneira de contabilizar a riqueza dos países.
Para isso, ele usa o exemplo de uma comunidade que polui suas fontes naturais de água potável e, de uma hora para a outra, tem de passar a consumir água engarrafada. “Como se criou uma atividade econômica, isso é contabilizado no PIB como um saldo positivo”, afirma.
“Em tese, aquela comunidade está gerando mais riqueza, quando na verdade perdeu um recurso importante e está mais pobre. Tem algo profundamente errado com essa medida.” Precisamos, com urgência, repensar a forma como produzimos, consumimos e vivemos.