Zylberstajn: “A reforma vai ajudar a mudar as atitudes de patrões e empregados” (Epitácio Pessoa/Estadão Conteúdo)
Luciano Pádua
Publicado em 18 de maio de 2017 às 05h55.
Última atualização em 18 de maio de 2017 às 05h55.
São Paulo — Há quatro décadas, o economista, professor na Universidade de São Paulo e pesquisador na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Hélio Zylberstajn, de 71 anos, estuda o mercado de trabalho no Brasil. Para ele, a reforma que tramita no Congresso poderá ser uma revolução diante da realidade atual. Caso seja aprovada, a medida terá o grande mérito de criar um ambiente em que funcionários e empregadores terão de negociar a solução de conflitos — e, como consequência, isso deverá desafogar a atulhada Justiça do Trabalho.
Após tantos anos, Zylberstajn brinca que já havia perdido as esperanças de ver no país uma reforma tão ampla que atacasse principalmente o comportamento litigante de patrões e de empregados. Ele alerta, porém, que a reforma não gerará empregos no curto prazo. Novos postos só deverão ser abertos com a melhora do funcionamento do mercado de trabalho e do ambiente de negócios.
EXAME - Afinal, uma reforma trabalhista pode gerar mais empregos?
Hélio Zylberstajn - Os governos dizem que sim, mas há controvérsia sobre o impacto de reformas na economia, principalmente no emprego. Já ocorreram grandes reformas na Alemanha e na Espanha. A França está discutindo agora mudanças nas regras. Na Europa, a taxa de desemprego é estruturalmente alta e a intenção de uma reforma por lá é criar empregos. O sistema de relações de trabalho europeu tem restrições à demissão. Por isso, as reformas trazem novos contratos de trabalho ou tentam relaxar essas restrições. Nesse ponto há uma literatura enorme para avaliar se cria ou não emprego, mas ela é inconclusiva.
EXAME - E no Brasil?
Hélio Zylberstajn - Não dá para comparar o que foi feito na Europa com o que se propõe fazer aqui. Nosso desemprego é diferente: é historicamente baixo e seu principal componente é o ciclo econômico. Não temos um problema estrutural, mas conjuntural. E conjuntura não se resolve com reforma trabalhista.
EXAME - Então por que é necessária uma reforma? Quais distorções precisam ser atacadas no sistema brasileiro?
Zylberstajn - Apesar do discurso do governo, o objetivo da reforma não é criar empregos. No Brasil, temos enormes custos de transação, incertezas, atitudes muito radicais entre trabalhadores e empresas e o espaço de negociação é muito pequeno. O foco é melhorar o funcionamento do mercado de trabalho.
EXAME - Como a reforma resolve isso?
Hélio Zylberstajn - Entendo que há cinco grandes objetivos: ampliar e garantir o espaço da negociação; reduzir os custos de transação; reduzir as incertezas; modificar atitudes de empregados e empregadores; e criar empregos no longo prazo. Uma vez alcançados os primeiros objetivos, haverá um ambiente de mais confiança e previsibilidade no mercado de trabalho, o que é favorável à ampliação da atividade. É por esse canal que novos empregos serão criados.
EXAME - Os principais pontos da reforma tratam das relações entre empregados, patrões e sindicatos. Em que a reforma mais avança?
Hélio Zylberstajn - O destaque é a prevalência do que é negociado sobre o que está na legislação. Essa mudança amplia a negociação e produz ganhos para os dois lados. Outro ponto importante, que poucos têm reparado, é a criação da representação dos empregados na empresa. A ausência dessa representação é um pecado original do nosso sistema. No mundo, qualquer sistema de negociação começa dentro da empresa.
O representante não trata só de salários, mas do conflito do dia a dia. Sem esse mecanismo, o conflito acaba na Justiça. A reforma também propõe o predomínio do acordo coletivo sobre a convenção coletiva. Assim, a empresa pode fazer um acordo diferente do que está estabelecido na convenção do setor dela. Os dados mostram que reajustes negociados em acordos são maiores do que os negociados em convenção.
EXAME - Mas os trabalhadores costumam temer as negociações diretas...
Hélio Zylberstajn - Há uma série de assuntos em que a negociação entre as partes pode ser muito mais efetiva. A discussão de temas como conciliação extrajudicial e negociação de cota de aprendizes e funcionários com deficiência tende a ter melhor resultado. Vale dizer que a reforma não está revogando a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. O sindicato que não aceitar as novas diretrizes poderá usar a legislação geral como base do contrato de trabalho. Se não der certo, dá para voltar atrás. Mas é uma revolução no modelo trabalhista.
EXAME - Novas formas de contratos, como o de trabalho por demanda, não estão contempladas na CLT. Como a reforma trata esses temas?
Hélio Zylberstajn - Na prática, o contrato de trabalho por hora, por dia ou referente a uma demanda específica já existe. Porém, hoje ele é apenas informal. Há uma série de atividades que são por natureza intermitentes e não existe lugar na CLT para contratar as pessoas que as executam. Essa medida incluirá no campo legal trabalhadores que hoje estão na informalidade. Outro avanço é o reconhecimento do home office. Não está sendo criada uma regulamentação. A negociação entre as partes é que vai regular a prática. Vamos fazer aqui o que foi feito lá fora: primeiro a negociação e, ao perceber o que é básico e imprescindível, isso deve ser incorporado na lei.
EXAME - Sindicatos dizem que serão massacrados com a reforma e, sobretudo, com o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. O senhor concorda?
Hélio Zylberstajn - Em 2016, 52% das negociações sindicais resultaram em recuperação igual à inflação ou acima dela. Os sindicatos sabem renegociar reajustes salariais, mesmo em crise. Mas não sabem lidar com a solução de conflitos. É por isso que temos milhões de ações trabalhistas por ano. Em relação à contribuição, pode ser uma enorme oportunidade para produzir sindicatos mais representativos. Se a medida passar, eles terão de conversar, fundir-se e ter abrangência geográfica mais ampla. O resultado pode ser uma estrutura sindical mais enxuta, menos fragmentada e mais poderosa.
EXAME - A reforma ajuda a atacar a baixa produtividade e a alta informalidade do trabalhador brasileiro?
Hélio Zylberstajn - Se ela der certo, deverá gerar um ambiente melhor no trabalho, com redução da informalidade e da rotatividade. Tudo isso é bom para a produtividade. A nova lei aumenta, por exemplo, a multa por trabalhador sem registro. Mas a informalidade só cai mesmo com a retomada da atividade econômica.
EXAME - A Justiça do Trabalho no Brasil recebe 3 milhões de ações por ano. A reforma vai reduzir esse número?
Hélio Zylberstajn - Espero que sim. A reforma incluiu restrições à litigância de má-fé, por exemplo. É o tipo de medida que muda totalmente a atitude de empregados e empregadores. A facilidade de reclamar é muita alta. Para ter uma noção, hoje o trabalhador não precisa comparecer às audiências. Com a reforma, terá de pagar as custas da mobilização da Justiça do Trabalho. Como, então, vai ser mais difícil ir para a Justiça e ficará mais fácil negociar dentro do ambiente de trabalho, o cenário já será outro. Mas o comportamento de ambos os lados também precisa mudar.
EXAME - O senhor estuda a questão trabalhista há 40 anos. Achava possível ocorrer uma reforma tão abrangente no Brasil?
Hélio Zylberstajn - Mal consigo acreditar que podemos virar esse capítulo. Eu e o José Pastore (doutor em sociologia, também professor na USP e especialista em mercado de trabalho) brincamos que estamos sonhando. Vivemos pedindo para um beliscar o outro.