Baojun, da GM: a marca americana se juntou às montadoras Saic e Wuling para lançar carros mais populares (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
Desde que chegou ao mercado chinês, em 1996, a prestigiada maison francesa Hermès inaugurou 30 lojas. Em todas elas, os consumidores da economia que mais cresce no mundo podiam encontrar os famosos lenços de seda e as bolsas Birkin e Kelly que fizeram a fama da marca. Uma loja Hermès em Pequim era exatamente igual a uma loja da grife em Paris ou Nova York. Esse padrão de negócios foi rompido no dia 16 de setembro do ano passado, quando a Hermès abriu sua 31a unidade na China.
No novo ponto de venda, localizado em Xangai, a decoração em tom laranja, uma das principais características da marca, foi descartada — ali o visual é clean, com poucos móveis e algumas cortinas brancas. As Birkins e Kellys cederam espaço para cadeiras no estilo Ming, fruteiras de porcelana e joias inspiradas em dinastias chinesas. Definitivamente, não se tratava de uma legítima Hermès e, portanto, seria ousadia demais se a tradicionalíssima marca estivesse estampada no letreiro da loja de Xangai. O aristocrático nome, criado em 1837, foi substituído por Shang Xia, que em chinês significa Alto-Baixo, numa referência a Yin-Yang.
Estima-se que, só na primeira semana, quase 1 000 pessoas tenham passado pelo local, mais que o triplo do movimento de qualquer loja Hermès na China. Essa legião de potenciais consumidores sabia exatamente o que estava sendo oferecido: artigos produzidos em fábricas chinesas, com materiais asiáticos e preços igualmente orientais, mas sempre seguindo os rigorosos padrões de qualidade exigidos pela maison francesa. Para um povo ávido por status, era o que bastava.
A criação da Shang Xia é uma iniciativa inédita da Hermès no mundo, mas a marca não está sozinha. Multinacionais como Levi’s, GM, Nissan e Honda lançaram no final do ano passado submarcas exclusivas para a China, com o objetivo de vender produtos e serviços adaptados à realidade local — o que basicamente significa preços 50% menores. A ideia é que, ao contar com o respaldo de qualidade internacional da marca-mãe, esses novos negócios consigam atender a um leque maior de pessoas, sem colocar em risco o DNA da grife principal. “Os chineses são fanáticos por grifes de luxo. Não somente pelo status que elas oferecem mas por sua reputação de qualidade”, afirma Patricia Pao, da consultoria americana The Pao Principle, especializada em produtos de luxo, beleza e varejo no mercado chinês.
Mercado aquecido
Não é de hoje que algumas das marcas mais badaladas do mundo tentam conquistar o vasto mercado de consumo chinês. Mas suas iniciativas nunca haviam ido muito além da adaptação de rótulos e etiquetas ao mandarim — uma estratégia preguiçosa e limitadora. A recente crise nos países desenvolvidos, aliada à ascensão de 150 milhões de chineses à classe média, tem imposto um novo cenário para as companhias ocidentais.
Ao que tudo indica, a China deverá se tornar o terceiro maior mercado do mundo em 2025, movimentando 2,3 trilhões de dólares. Os chineses hoje já compram mais carros e aparelhos de TV que os consumidores de qualquer outro país e formam o segundo maior mercado do mundo de artigos de luxo e computadores. “Como qualquer outro consumidor, o chinês tem se tornado mais exigente em relação aos produtos que está adquirindo”, diz Henry Mason, chefe de pesquisa e análise da consultoria americana Trendwatching. “As empresas terão de se adaptar a essa nova realidade.”
Foi justamente para tentar fazer essa adaptação que a americana Levi’s decidiu recomeçar praticamente do zero na China, após anos de expansão moderada no país. Famosa por incorporar o estilo e os valores do caubói americano, a marca de jeans lançou a Denizen em Xangai em agosto de 2010 — o nome é resultado de uma combinação das palavras “denim” e “zen”, numa clara alusão aos estilos de vida ocidental e oriental. Em suas araras, a Denizen traz calças com design idêntico aos encontrados nas lojas da Levi’s nos Estados Unidos e na Europa, mas com modelagens menores, adaptadas às medidas das mulheres asiáticas.
O preço também foi adaptado. As calças custam de 40 a 60 dólares, até 60% mais baratas que as encontradas em Nova York, porém mais caras que as vendidas por fabricantes chinesas. Diante dos primeiros resultados, a Levi’s já anunciou a abertura de novos pontos de venda em Pequim e em cidades do norte e oeste da China ainda neste ano. “Muitas companhias ocidentais habituaram-se a simplesmente trazer para a China os mesmos produtos que costumam vender em seus países de origem”, diz Jessica Lo, diretora da consultoria americana China Market Research Group. “Mas essa estratégia começa a ficar obsoleta.”
Um dos setores em que essa tendência está mais evidente é o automotivo. Entre setembro e dezembro de 2010, três montadoras — as japonesas Nissan e Honda e a americana GM — anunciaram a criação de marcas na China em parceria com empresas locais. O objetivo é lançar modelos de carros mais baratos para concorrer com os fabricantes chineses, cujos produtos são, em média, 30% mais baratos que os das multinacionais. Um dos primeiros a chegar ao mercado deverá ser o Baojun 360, da GM, cujo lançamento está previsto para junho a um preço de 7 500 dólares.
Para os especialistas em marketing, o maior risco que as multinacionais correm ao criar marcas locais é deixálas com cara de “segunda linha”. Uma recente pesquisa da consultoria McKinsey mostra que 52% dos consumidores chineses considerados ricos, com renda anual acima de 36 765 dólares, confiam mais nas grifes estrangeiras que nas locais — e só 37% dos entrevistados confiam mais nas marcas chinesas. Tudo o que os consumidores de lá não querem é comprar uma espécie de xing ling com grife.