Revista Exame

Entenda a euforia em relação ao Snapchat - o app de US$ 28 bi

Depois de uma estreia eufórica na bolsa de valores, o aplicativo Snapchat terá de provar que consegue transformar a audiência em lucro

Evan Spiegel, do Snapchat (ao centro): o bilionário de 26 anos tem um perfil oposto dos empreendedores do Vale do Silício (J.Emilio Flores/Getty Images)

Evan Spiegel, do Snapchat (ao centro): o bilionário de 26 anos tem um perfil oposto dos empreendedores do Vale do Silício (J.Emilio Flores/Getty Images)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 11 de março de 2017 às 05h55.

Última atualização em 13 de março de 2017 às 10h14.

São Paulo – É razoável supor que a maioria dos investidores que levaram a 28,3 bilhões de dólares o valor de mercado do Snapchat na estreia da empresa na Bolsa de Valores de Nova York no início de março não use o aplicativo. O Snapchat, afinal de contas, é uma rede social feita por e para jovens. O app é propositalmente difícil de entender. Não há tutoriais nem explicações sobre como utilizá-lo, os ícones não são autoexplicativos e os novos usuários têm de se virar para decifrá-lo (ou então pedir ajuda a algum iniciado).

Mas investir em negócios que não são facilmente compreendidos nunca foi problema em Wall Street, como mostram as bolhas da internet e do mercado imobiliário. O mercado americano de capitais está aquecido e as ofertas iniciais de ações estão escassas, especialmente no setor de tecnologia.

Desde a abertura do capital da empresa de comércio eletrônico chinesa Alibaba, em 2014, não havia um lançamento de ações tão aguardado quanto o da Snap, nome da empresa dona do Snapchat. Os investidores foram com sede ao pote, e as ações da Snap fecharam o primeiro dia de negociações em alta de 44%. O negócio tem pouco mais de cinco anos de vida, ainda dá prejuízo e concorre diretamente com o todo-poderoso Facebook, também dono do Instagram e do WhatsApp. Por que tanta euforia em relação ao Snapchat?

Antes de entender o sucesso inicial da companhia é preciso explicar o que é exatamente o Snapchat. O aplicativo foi lançado em setembro de 2011, inicialmente como um serviço de troca de mensagens que se autodestruíam depois de um período. A ideia era permitir que fotos ou comentários embaraçosos fossem trocados sem o risco de ficar guardados para sempre na memória da internet — o Google jamais esquece.

Com o tempo, o Snapchat foi adicionando outras funções. A mais inovadora delas foram as “histórias”, uma colagem de vários clipes de até 10 segundos de duração que só pode ser vista por seus seguidores e que some depois de 24 horas. As histórias do Snapchat criaram uma nova forma de expressão nas redes sociais, uma espécie de minidocumentário cru, não editado e imediato do dia a dia dos usuários.

A colagem de vídeos curtos, juntamente com uma série de efeitos gráficos engraçados para as selfies (chamados de “filtros”), fez sucesso rapidamente. Hoje, o Snapchat conta com 158 milhões de usuários diários, segundo os dados divulgados pela empresa. Entre o fim de 2015 e o fim do ano passado, o crescimento da base de usuários foi de quase 50% — e é esse número que interessa aos investidores. Afinal, gigantes como Facebook e Google já não são capazes de se expandir na mesma velocidade.

O Snapchat também tem outra característica essencial para as redes sociais de sucesso: é altamente viciante. Os jovens com menos de 25 anos abrem o app mais de 20 vezes por dia e passam diariamente meia hora usando o Snapchat. Os jovens adultos estão entre os consumidores mais desejados pelos anunciantes, e é vendendo publicidade que o Snapchat obtém receitas. No ano passado, elas alcançaram 404 milhões de dólares, um número nada desprezível para uma startup, mas é quase insignificante diante dos 27,6 bilhões de faturamento do Facebook.

A comparação pode parecer desmedida, especialmente quando se levam em conta os quase 2 bilhões de usuários cadastrados no Facebook. Mas a rede social criada por Mark Zuckerberg representa o competidor mais perigoso para a sobrevivência de longo prazo do Snapchat. No fim de 2013, Zuckerberg reuniu-se com Evan Spiegel, criador do Snapchat, e ofereceu 3 bilhões de dólares pela empresa. Quando a proposta foi recusada, Zuckerberg descreveu um aplicativo concorrente no qual estava trabalhando, chamado Poke. A mensagem de Zuckerberg, disse Spiegel à revista Forbes, era clara: “Vamos destruí-los”.

O Poke teve vida curta, mas em agosto do ano passado o serviço de compartilhamento de fotos e vídeos Instagram (que pertence ao Facebook) copiou descaradamente o formato das “histórias” do Snapchat — incluindo o nome, Instagram Stories. Em fevereiro, foi a vez de o app de mensagens WhatsApp (também do Facebook) fazer o mesmo, com o lançamento da função Status. Não foi por falta de aviso. “A popularidade do Snapchat se deve basicamente aos filtros e às mensagens que desaparecem”, diz Trip Chowdhry, analista especializado em tecnologia da empresa de pesquisas de mercado Global Equities Research. “É uma fundação frágil.”

Outro desafio para a empresa está na implementação do modelo de negócios. Assim como o Google e o Facebook, a Snap depende da venda de publicidade. Mas, diferentemente dos concorrentes, a empresa ainda comercializa a maioria dos anúncios à moda antiga, com uma equipe de vendas especializada. Somente uma pequena parte da venda de publicidade é automatizada, o que permite os ganhos de escala e a lucratividade estratosférica dos sistemas do Google e do Facebook.

Lucro é uma palavra que ainda deve demorar a aparecer nos relatórios trimestrais que a Snap vai passar a publicar. No ano passado, a companhia deu prejuízo de 514 milhões de dólares. Num documento divulgado a investidores, a empresa adverte que “pode nunca atingir ou manter lucratividade” graças aos pesados investimentos em tecnologia e marketing. Optar pelo crescimento em vez do lucro é um dos poucos aspectos que aproximam a Snap das empresas de internet tradicionais. A sede da companhia fica em Los Angeles, a cerca de 600 quilômetros do Vale do Silício, e a anos-luz da cultura que deu origem ao que hoje entendemos por internet.

Evan Spiegel, o fundador, estudou na Universidade Stanford, no Vale do Silício, mas não se enquadra no perfil clássico do geek empreendedor e não sabe programar. Ele dirige uma Ferrari, tem brevê para pilotar helicóptero, é noivo de uma modelo e é visto tanto nas páginas de revistas de moda quanto em publicações de negócios. O papel de Spiegel é definir a visão ampla do que deve ser o aplicativo.

“Trata-se de criar coisas com sentimentos”, disse numa entrevista há dois anos. “O computador de mesa era para trabalhar. O smartphone em sua mão ou em seu bolso tem de ser divertido, amigável e confortável.” E também no rosto. A Snap se define como uma “empresa de câmeras”, e neste ano começou a vender os Spectacles, óculos de sol capazes de gravar e publicar fotos e vídeos automaticamente no Snapchat. “Nosso sonho é expandir a câmera e o que ela pode fazer por sua vida. Ela pode ir além de criar memórias”, disse Spiegel numa entrevista recente. Se isso vai ser suficiente para garantir a viabilidade da empresa, com o perdão do trocadilho, é outra história.

Acompanhe tudo sobre:AppsFacebookSnapchat

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda