Revista Exame

Ensinar no ritmo de cada aluno é a aposta da Khan Academy para o futuro

Para o educador Sal Khan, a pandemia acelerou o uso de tecnologia em até dez anos. Mas há desafios de integração

Sal Khan, fundador da Khan Academy: entre uma tecnologia de ponta para a educação e um professor incrível que só dá aulas presenciais, ele prefere o segundo (MediaNews Group/The Mercury News/Getty Images)

Sal Khan, fundador da Khan Academy: entre uma tecnologia de ponta para a educação e um professor incrível que só dá aulas presenciais, ele prefere o segundo (MediaNews Group/The Mercury News/Getty Images)

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Gilson Garrett Jr

Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 05h19.

Última atualização em 5 de janeiro de 2022 às 10h50.

Sal Khan é um daqueles personagens que dariam um enredo de filme “baseado em fatos reais”, para sair do cinema cheio de esperança. Fundador da plataforma sem fins lucrativos de ensino online Khan Academy, o educador americano já ajudou mais de 57 milhões de pessoas a aprender matemática, ciências, economia, finanças e até computação, da pré-escola ao núcleo da faculdade. A missão é simples:Educação gratuita para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, com alta qualidade”, enfatiza ele.

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Criada em 2008, a organização está presente em todos os cantos do globo, com cerca de 70% dos alunos provenientes dos Estados Unidos, mas países emergentes como Brasil, Índia, México e África do Sul também se tornaram importantes. Hoje, as aulas e os materiais estão disponíveis em mais de 36 idiomas, nos quais foram produzidos mais de 1 bilhão de aulas e 8 bilhões de exercícios. Sal Khan tem sido apontado como um visionário da educação.

Em 2012, a revista americana Time definiu o educador como uma das pessoas mais influentes do mundo por ter “virado a educação de cabeça para baixo”. Mal sabia ele que o ensino online, preconizado na plataforma que desenvolveu, seria adotado em escala global de uma hora para outra em razão da pandemia de covid-19. “Ninguém estava preparado, mas teria sido muito pior do ponto de vista educacional se a pandemia tivesse ocorrido 20 anos atrás.”

De sua casa, na Califórnia, nos Estados Unidos, ele conversou com exclusividade com a EXAME sobre essa revolução no ensino. A entrevista antecedeu sua palestra na Semana de Inovação 2021, realizada entre os dias 9 e 12 de novembro no Brasil.

A Khan Academy já trabalha com o modelo de educação online desde 2008. E a pandemia de covid-19 em 2020 forçou escolas do mundo todo a adotar o ensino remoto. O mundo estava preparado para a educação online?

Acredito que não. O mundo estava definitivamente mais preparado do que há 20 anos. Não havia o Zoom ou mesmo a Khan Academy. Eu não sei o que teria acontecido se o coronavírus tivesse vindo nos anos 2000. Provavelmente, teríamos sido mais agressivos com a volta às aulas presenciais antes do tempo. Durante a gripe espanhola, em 1918, mesmo em lugares como Nova York, com bastante frio, as aulas foram feitas ao ar livre para conter a doença.

Essa foi a maneira encontrada naquela época para reduzir o contágio e mesmo assim manter as aulas. O problema com a covid-19 foi que as pessoas tiveram de descobrir como usar essas ferramentas em uma semana. E isso tudo foi muito difícil para os alunos e para os professores. Mas em termos de currículo nada mudou, porque a escola já estava concentrada na motivação do aluno. Eu acho que o grande problema foi a equidade. Lugares mais ricos tinham salas de aula com turmas menores, professores mais experientes, melhor tecnologia, conexão de internet. A pandemia mostrou a desigualdade escolar entre as áreas mais pobres e as áreas mais ricas.

Quais problemas na forma de ensinar ficaram evidentes com a pandemia?

Acho que todos colocaram o aprendizado online e o aprendizado à distância no mesmo lugar. Eles são relacionados, mas não são a mesma coisa. O aprendizado online envolve uma aproximação muito mais customizada do aluno com o método, que segue um ritmo próprio. A escola à distância é a adaptação do modelo tradicional em um ambiente virtual.

Bem antes da pandemia, eu já dizia: “Se tivesse de escolher para os meus próprios filhos ou para mim mesmo entre um professor presencial incrível e a tecnologia mais sofisticada, eu escolheria ter aulas com esse professor incrível pessoalmente. Agora, não temos de fazer essa troca. Bons professores conseguem ensinar remotamente. E plataformas tecnológicas avançadas isoladamente não necessariamente trarão o maior impacto educacional. O ideal é usar o melhor dos dois mundos. Isso deve ser sempre o nosso objetivo pedagógico.

Qual é o modelo online ideal?

O ideal seria ter duas ou três crianças na sala para que os professores pudessem realmente personalizar o ensino para esses alunos. Eu tenho um esforço em tutoria em pequenos grupos, mas sabemos que a realidade na maioria das salas de aula presenciais no mundo é haver entre 25 e 30 alunos por sala. Nesse ambiente todo professor dirá que cada aluno está em um lugar diferente e que é preciso escolher um ritmo.

Eles tentam encontrar um meio-termo que atenda a maioria com os recursos disponíveis. Mas, na prática, isso quer dizer que, ao fazerem uma educação que mira a média, eles estão ensinando para 25% dos alunos, deixando três quartos das crianças entediadas na sala de aula. É preciso criar formas para que cada aluno aprenda ativamente em seu próprio ritmo. Isso libera o professor para atender os alunos que estão com mais problemas.

A migração forçada para o ensino online durante os períodos de isolamento acelerou a adoção de tecnologia nas escolas. Isso veio para ficar?

É difícil prever o futuro, mas eu acho que sim. Acredito que a importância de ter conectividade com a internet nas escolas e em casa saltou de cinco a dez anos, então isso é grande. Acho que um sinal muito claro é que todos os governos do mundo passaram a ver como parte de seu trabalho oferecer conectividade à internet a todos e da mesma forma, assim como o poder público sabe que é seu trabalho construir infraestrutura urbana. Além disso, esse momento abriu a mente de mais pessoas para formas alternativas de ensino.

Qual é seu conselho para um professor que queira usar o método de educação online?

Sabemos que nem todo professor está pronto para isso ainda, embora todo aluno esteja. Quando trabalhamos com salas de aula, definitivamente temos um modelo de implementação no qual o professor está acostumado a atribuir uma tarefa hoje para todos, e no dia seguinte começa outra tarefa.

Na Khan Academy, existe a funcionalidade de tarefas, mas diferente da tradicional, porque os alunos estão fazendo o que lhes é pedido na sala de aula ou em casa. Com a plataforma, eles recebem feedback imediato, há outros materiais de apoio lá, o professor obtém muito mais dados sobre quem está fazendo as tarefas e em que nível. Queremos que pareça cada vez mais um videogame para os alunos, em que eles vão cumprindo fases.

O aprendizado online pode nos ajudar a desenvolver novas habilidades para o mercado de trabalho? Quais?

Isso permite ensinar flexibilidade. Se quiséssemos aprender uma nova habilidade nos velhos tempos, teríamos de ir para nossa faculdade local ou fazer algum curso e agendá-lo às 19 horas. Aprendendo online, é possível fazer isso sempre que funcionar, não há tempo de deslocamento, dá para colocar os filhos na cama e depois trabalhar nisso. Se for algo que domina, é possível terminar em três meses, ou, se quiser fazer devagar, pode levar três anos — e está tudo bem, desde que aprenda todo o material. Você pode aprender que não é limitado pelo tempo ou espaço, é muito mais flexível.

A pandemia mudou a forma como a Khan Academy entende seu propósito?

Nossa missão é educação gratuita para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, com alta qualidade. Isso não mudou com a pandemia. Queremos levar essa oportunidade não apenas aos jovens mas a pessoas de todas as idades ao redor do mundo que não tiveram acesso à educação ou não tiveram certas aulas ou disciplinas quando frequentaram a escola. Também há casos de estabelecimentos de ensino que não funcionam bem para os alunos.

Queremos que a Khan Academy seja um lugar onde eles possam começar, onde quer que estejam, e aprender tudo o que precisam para alcançar seu potencial. Se queremos aumentar o piso para os alunos que têm menos, precisamos também aumentar o teto para todos. Pensamos que a questão central é o modelo de “fábrica de educação”, que surgiu há mais de 200 anos. Era uma necessidade quando entramos na Revolução Industrial e queríamos educar a todos, o que é ótimo, mas deixou a maioria das crianças para trás. A pandemia só mostrou que, presenciais ou online, temos de encontrar formas melhores de ensinar a todos.


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