Revista Exame

Enquanto outras estatais se recuperam, Correios ficam para trás

Os Correios caminham para o quinto ano de prejuízo. Ali, nada mudou no velho jeito brasileiro de gerir uma empresa pública

Operação dos correios: na cúpula da empresa predominam 
os indicados políticos (Lia Lubambo/Site Exame)

Operação dos correios: na cúpula da empresa predominam os indicados políticos (Lia Lubambo/Site Exame)

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Flávia Furlan

Publicado em 17 de maio de 2017 às 18h55.

Última atualização em 17 de maio de 2017 às 18h57.

São Paulo — Passado um ano de governo de Michel Temer, é inegável que houve avanços na economia: a inflação recuou para a meta do Banco Central, a taxa de juro está caindo e a recessão começa a ceder. Entra na mesma lista a reversão do quadro problemático em que se encontravam as principais empresas estatais federais. A reviravolta mais notável é a da Petrobras. Eletrobras, Banco do Brasil e BNDES também passam por reorientações conduzidas por profissionais respeitados. Em todos esses casos, o que se vê é uma sintonia com o comando econômico do governo. Mas há uma exceção no plano das grandes estatais: a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Mais conhecida como Correios, ela enfrenta a pior crise financeira de sua história recente. Se não houver uma melhora sensível na situação, 2017 será o quinto ano seguido de prejuízo — mesmo com os Correios tendo o monopólio do mercado em boa parte dos serviços que presta. No primeiro bimestre, a empresa perdeu estimados 500 milhões de reais. Desde 2013, o prejuízo acumulado é da ordem de 4,4 bilhões. O problema, porém, não é só de balanço. Mais preocupante ainda é o fato de a empresa ser gerida no velho esquema em que o interesse político fala mais alto — sem contar os escândalos de corrupção que rondam sua gestão.

O presidente dos Correios costuma ser escolhido pelo ministro das Comunicações, pasta à qual a empresa está vinculada. Quando Paulo Bernardo e Ricardo Berzoini, ambos do PT, estavam nas Comunicações, de 2011 a 2015, o escolhido foi o sindicalista Wagner Oliveira. Segundo a central sindical Conlutas, desde 2003 ingressaram nos quadros da companhia cerca de 700 sindicalistas, e 16 das 28 diretorias regionais eram comandadas por filiados ao PT. Já na gestão de André Figueiredo, ministro das Comunicações pelo PDT de outubro de 2015 a maio de 2016, o presidente dos Correios foi Giovanni Queiroz, do mesmo partido. O atual presidente, Guilherme Campos, ex-deputado federal (DEM-SP), era presidente do PSD, partido do ministro das Comunicações de Temer, Gilberto Kassab. Campos foi nomeado por Kassab 21 dias antes da aprovação da Lei das Estatais, que impede que pessoas que participaram da diretoria de partidos políticos ou da organização de campanhas eleitorais nos 36 meses anteriores à indicação assumam a direção de estatais. “Numa empresa pública, quem está no exercício do poder tem o direito de fazer a indicação de quem acha mais capacitado”, diz Campos. “Vamos acabar com as indicações? Vamos privatizar a empresa, então.”

O aparelhamento se espalha por outros cargos. As oito vice-presidências dos Correios estão ocupadas por apadrinhados de PDT, PSD, PTB e PMDB. Veja o caso de Darlene Pereira, vice-presidente de Encomendas. Ela é irmã do senador Telmário Mota (PTB-RR), que ficou conhecido ao mudar de última hora o voto a favor do impedimento da presidente Dilma. Segundo o senador, ele não influenciou a escolha e a irmã tem currículo para o cargo — administradora, ela antes era auditora na estatal CEB, distribuidora de energia de Brasília. Não é a opinião da Associação dos Profissionais dos Correios, que em outubro ajuizou uma ação pedindo a saída de seis vice-presidentes por não atenderem à Lei das Estatais, entre eles Darlene. A empresa recorreu, o afastamento foi revertido em 48 horas e, posteriormente, comissões técnicas nos Correios e no ministério mantiveram os executivos. “Algumas avaliações para aprovar a diretoria foram generosas demais”, diz Marcos César Silva, representante dos trabalhadores no conselho de administração dos Correios que votou contra os candidatos. A ação civil da associação aguarda julgamento. Enquanto isso, os vice-presidentes puderam voltar à rotina e escolher dois assessores especiais cada um. A posição já foi considerada inconstitucional pela Justiça do Trabalho. Os Correios só poderão mantê-los até 2018 por força de um termo de compromisso firmado com o Ministério Público do Trabalho.

Na tentativa de resolver a situação financeira, a atual diretoria dos Correios adotou um plano de corte de gastos. A meta é fechar até 350 das 6 470 agências postais e cortar o quadro de 117 400 funcionários da maior empregadora do país. Um plano de demissão incentivada, criado no ano passado, teve a adesão de 5 500 servidores — abaixo dos 8 000 esperados e, por isso, um novo plano pode ser lançado. “Com essas medidas, o resultado deste ano não será positivo, mas acredito que haverá melhora sobre 2016”, diz Fernando Antonio Ribeiro Soares, conselheiro dos Correios e secretário de Coordenação das Estatais no Ministério do Planejamento. É um ritmo mais demorado do que o de outras estatais. De 2015 para 2016, a Eletrobras reverteu seu prejuízo em lucro e a Petrobras reduziu as perdas — no primeiro trimestre deste ano, voltou a ter lucro.

Algumas decisões de negócio têm causado estranheza. No fim de 2016, por exemplo, os Correios decidiram suspender o e-Sedex, serviço de entrega oferecido para o comércio eletrônico. A justificativa era que ele dava prejuízo — EXAME pediu o valor, mas a empresa não revelou, com a justificativa de ser essa uma informação estratégica. A Associação Brasileira de Franquias Postais obteve na Justiça, em dezembro, uma liminar para suas associadas continuarem a oferecer o produto. Em média, um terço da receita das 1 002 franquias dos Correios provém do e-Sedex. “O comércio eletrônico é um dos principais setores de expansão para as encomendas e descontinuar um produto dessa maneira, sem uma alternativa, é um erro gravíssimo de estratégia”, diz um ex-diretor dos Correios que preferiu não ser identificado.

Sob suspeita

Com pouca transparência, influência política e má gestão, os Correios têm sido um dos palcos preferenciais da corrupção. No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, a descoberta de pagamento de propina em licitações dos Correios acabou por revelar o mensalão, um grande esquema de compra de votos de partidos da base governista. Já no governo Dilma Rousseff estourou o rombo no fundo de pensão Postalis, dos funcionários dos Correios. O fundo teve prejuízo estimado em 3 bilhões de reais por investimentos malsucedidos em títulos de bancos que quebraram, em empresas-fantasma ou em recuperação judicial. O Postalis tem sido forçado a pedir contribuições adicionais dos segurados, que já devem chegar a 20% do valor da aposentadoria. Agora, a encrenca está na gestora do plano de saúde dos empregados. A Postal Saúde foi criada em 2013 para reduzir os custos, mas eles cresceram 44% desde então, para 1,7 bilhão de reais no ano passado. O plano beneficia 400 000 pessoas, permite que pais de funcionários sejam incluídos como dependentes, algo raro no mercado de planos de saúde, e é 93% custeado pela empresa. Um relatório da Controladoria-Geral da União mostra que havia ali abusos como a emissão de guias de exames médicos para beneficiários falecidos. Segundo EXAME apurou, o Ministério Público de São Paulo investiga, no âmbito da Operação Lava-Jato, a Postal Saúde num contrato de 2014. Uma empresa contratada para fazer exames médicos anuais nos funcionários teria repassado propina a executivos dos Correios e da Postal Saúde que permitiram que o negócio fosse realizado. O destino seria quitar despesas do PT.

Como se tudo isso não bastasse, no primeiro mandato de Dilma, o caixa dos Correios foi esvaziado para contribuir com o resultado primário federal, numa época em que o governo torrava dinheiro para estimular a economia e usava a contabilidade criativa para fechar no azul. Quase 3 bilhões de reais em dividendos foram retirados dos Correios pela União de 2011 a 2013. Além disso, na tentativa de controlar a inflação, o governo congelou o preço dos serviços monopolizados, como os de cartas e cartões-postais, que representam metade das receitas da estatal — assim, houve perda de 1,2 bilhão em faturamento de 2012 a 2014. Enquanto isso, as despesas cresceram em ritmo superior ao das receitas. “Houve um problema de gestão: os diretores deveriam resguardar a empresa frente ao acionista, mas não foi o que ocorreu”, diz Daniel Gontijo Motta, coordenador-geral de auditoria de estatais da Controladoria-Geral da União. “Um corpo técnico e um conselho independente ajudariam para que isso não acontecesse.”

Diante de todos esses problemas, as saídas imaginadas seriam a quebra do monopólio e a privatização. O próprio governo já tocou no assunto, mais como uma ameaça do que como um plano de ação. Parte dos países desenvolvidos já passou por esse processo, como a União Europeia, desde meados dos anos 90. Nos 192 países que formam a União Postal Universal, 56 já quebraram o monopólio, 18 têm uma estatal de capital misto ou um mercado totalmente privado. Nos países que ainda não fizeram esse movimento, a discussão se dá porque as estatais não têm conseguido ser eficientes e estão com os balanços pressionados. No Brasil, de 2000 a 2016, os Correios só tiveram lucro com o serviço postal em cinco anos. Nos Estados Unidos, a empresa estatal também tem monopólio de parte dos negócios e está numa sequência de dez anos de prejuízos, que já somam 62 bilhões de dólares. Quem é contra a privatização diz que o setor privado não iria querer atuar em áreas afastadas, poucos rentáveis. Países europeus resolveram isso criando um fundo que compensa as perdas nessas regiões. “A abertura gradual do mercado postal traz mais competição e mais inovação”, diz Tadeu Gomes Teixeira, professor de administração na Universidade Federal do Maranhão que acaba de lançar um livro sobre os Correios. “Eu sou favorável ao Brasil trilhar esse caminho.” A alternativa é conti-nuar a conviver com o atraso.

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