Loja de queijos na Alemanha: produtos de alto valor agregado (Sean Gallup/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de julho de 2013 às 17h25.
São Paulo - O casal Mieke Van den Hengel, de 46 anos, e Paul Brinkhif, de 47, comanda há quase duas décadas uma propriedade rural com tamanho equivalente a 36 campos de futebol em Leuth, povoado no leste da Holanda. O vilarejo, severamente destruído durante a Segunda Guerra Mundial , agora vive as consequências da mais longa recessão econômica na Europa desde 1945.
Com o encolhimento da economia do bloco por seis trimestres seguidos, muitos vizinhos de Mieke e Paul faliram — entre eles donos de farmácias, lojas de roupas, restaurantes e cafés. Já os negócios na fazenda do casal, especializada na produção de queijos orgânicos e derivados de leite, o principal produto agrícola europeu, melhoram a cada ano.
Recentemente os dois eliminaram os intermediários e passaram a vender diretamente pela internet ou para os mercados locais. Assim conseguiram aumentar os preços dos produtos acima da inflação e elevar a renda para os cinco filhos. “As pessoas pararam de comprar carros e gastar em viagens, mas estão dispostas a pagar mais por alimentos de qualidade”, diz Mieke.
Histórias como essa mostram como a agricultura se tornou uma rara fonte de boas notícias na turbulenta economia europeia. É fato que o casal integra um grupo cada vez mais restrito da população local. O percentual de europeus que trabalham no campo caiu de 5,8% da população empregada em 2006 para 5% em 2010, último dado disponível. Mas as estatísticas apontam que quem ficou se deu bem.
De acordo com estimativas oficiais da União Europeia, o crescimento da renda dos agricultores superou o ganho salarial da indústria e da construção civil. O rendimento proveniente do campo avançou 28% na Bélgica, 15% na Alemanha e na Holanda, 9% em Portugal e 4% na Espanha. Em 2012, o superávit comercial na agricultura europeia atingiu 12,6 bilhões de euros — 8,9 bilhões de euros a mais em relação a 2011.
O avanço pode ser modesto diante da magnitude da crise. Afinal, a agricultura responde por só 2% do PIB europeu. Mas trata-se de um setor simbólico no Velho Continente. “A agricultura europeia tem sido muito resiliente à crise”, diz Anastassios Haniotis, diretor de Agricultura na Comissão Europeia.
O desenvolvimento do setor se dá mesmo com o encolhimento na produção de commodities como milho e arroz, nas quais a região perdeu competitividade para países como o Brasil. Apenas em 2012, a produção local das duas culturas encolheu, respectivamente, 7% e 15%.
Todo o crescimento da atividade rural está sustentado em nichos mais sofisticados, em que os produtores locais conseguem manter uma vantagem competitiva. São itens como queijos especiais e produtos tradicionais com origem protegida, como vinhos ou presuntos, vendidos não só dentro do bloco mas cada vez mais em países como Estados Unidos, China e Índia.
O valor das exportações desses produtos de alto valor agregado dobrou em dez anos e, hoje, representa quase 90% das vendas ao exterior de itens alimentares e agrícolas. Os embarques de queijo para fora do bloco, nesse período, cresceram 42%. Na Itália, a produção de asolo prosecco, vinho da região do Vêneto, registrou incremento de 50% nas últimas duas safras — impulsionada pelas exportações.
Mais de 70% do presunto de Parma originário da Itália é consumido fora do país. As exportações do produto para os Estados Unidos, por exemplo, cresceram 17% em 2012. As exportações de lambrusco, vinho italiano mais vendido no exterior, atingiram um patamar recorde em 2012, de 4,7 milhões de euros. Na França, as exportações de vinhos de origem protegida aumentaram 8,5% apenas em 2012.
A prosperidade desses produtores, muitos deles formados por um único núcleo familiar, resultou na concentração das propriedades rurais. O número de hectares por proprietário cresceu de 12,6 em 2007 para 14,3 em 2010 — embora o aumento seja modesto, trata-se de uma reversão histórica.
Maiores e mais competitivos, eles alugaram as terras vizinhas e passaram a produzir mais com o mesmo número de funcionários ou familiares, já que o emprego assalariado no campo é caro. A produtividade, desse modo, também cresceu — 8% ao ano de 2007 a 2010.
A mecanização é outro fator que contribui para a melhoria da produtividade — e boa parte desse esforço tem a ver com os pesados subsídios estatais que garantem preço e oferta para os produtores rurais compensarem aumentos nos custos com energia e ração. Segundo o último censo agrícola em Portugal, em 2009, 60% dos produtores se beneficiaram de subsídios, que resistiram à onda de austeridade na região.
Há uma ameaça, porém, à continuidade das boas novas. Uma delas é o envelhecimento da população no campo. Na Itália, 62% dos responsáveis pelas fazendas têm mais de 55 anos. Para conter esse fenômeno e, de quebra, driblar o desemprego recorde entre os jovens, a Comissão Europeia tenta atraí-los com a oferta de até 70 000 euros para quem tem menos de 40 anos e quer ir para o campo.
Até agora deu certo. Já foram gastos 64% dos 4,9 bilhões de euros previstos no programa, que beneficiou cerca de 70 000 jovens. “Eles tendem a ter uma formação melhor, o que pode dar origem a produtores mais eficientes”, diz Joris Baecke, presidente do Conselho Europeu de Jovens Agricultores, entidade não governamental que incentiva a ida de jovens para o campo. Pelo menos para essa pequena parcela da população, a crise tem jeito.