Revista Exame

Enem cria oportunidades para startups de tecnologia

Nos últimos anos, o exame nacional se transformou na principal porta de entrada para o ensino superior — e isso criou um mercado atraente para startups


	Cláudio Sassaki: criado em 2012, a Geekie oferece conteúdo personalizado aos estudantes. Por meio de testes, o software identifica quais as dificuldades dos alunos e desenvolve um roteiro de estudos individual
 (Germano Luders/Exame)

Cláudio Sassaki: criado em 2012, a Geekie oferece conteúdo personalizado aos estudantes. Por meio de testes, o software identifica quais as dificuldades dos alunos e desenvolve um roteiro de estudos individual (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 21 de agosto de 2015 às 05h56.

São Paulo — Entre os 7,7 milhões de candidatos que vão prestar em outubro a prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, há os que sonham com uma das 260 000 vagas nas instituições federais que consideram a nota no processo de seleção. Outros, menos ambiciosos, querem se sair bem no Enem para pleitear uma bolsa de estudos numa faculdade privada.

E há ainda os que têm como objetivo um resultado que garanta o financiamento do Fies, programa mantido pelo governo federal. Entre o sonho e a meta, existe uma triste realidade: de cada dez estudantes inscritos, cinco não conseguem atingir o mínimo exigido para brigar por uma vaga numa federal nem para ter uma bolsa de estudos numa privada ou mesmo para pedir o dinheiro do Fies.

Esse desempenho sofrível é péssimo para o Brasil, porque reflete a baixa qualidade da educação no país. Mas, para um número crescente de startups de tecnologia, é uma imensa oportunidade de negócios. Criado em 2011 no Rio de Janeiro pelo professor de física Marco Fisbhen, o site Descomplica conseguiu, até agora, avançar num segmento complicado, o das videoaulas.

A competição é enorme e existe uma fartura de vídeos gratuitos. A estratégia adotada por Fisbhen para se diferenciar foi se especializar no Enem, investir em aulas diárias ao vivo e num acervo gigante — há mais de 15 000 videoaulas gravadas. Hoje, o site é o maior de sua categoria. Com o objetivo de atrair novos clientes, o Descomplica oferece aulas gratuitas.

Para ter acesso irrestrito é preciso desembolsar 119 reais por um período de um semestre. Como a maioria dos empreendedores de startups, Fisbhen não revela o número de assinantes do serviço. Mas os acessos únicos do site — o que inclui pagantes e não pagantes — dão uma ideia aproximada de sua popularidade. Em janeiro de 2014 foram 200 000 visitantes. Em junho de 2015, o total já tinha chegado a 6 milhões. Com esse salto, o site realizou recentemente sua terceira rodada de investimentos e levantou 7 milhões de dólares.

Se o Descomplica é uma espécie de varejão do ensino online que oferece um tamanho único, a proposta da startup Geekie, de São Paulo, especializada na personalização de conteúdo, é ser uma alfaiataria. O site oferece testes para entender quais são as deficiências dos alunos e, com base nas respostas obtidas, monta um roteiro individual de estudos e exercícios para tentar sanar essas dificuldades.

Até pouco tempo atrás, as únicas fontes de receita da startup eram colégios e ONGs interessados em parcerias com secretarias estaduais de Educação. Na metade deste ano, a Geekie passou a vender seu produto no site da empresa. O que fez Claudio Sassaki, presidente da startup, decidir apostar na venda direta foi a experiência com o Geekie Games, um jogo com perguntas do Enem. Lançado num projeto piloto no ano passado, o Geekie Games atingiu 3 milhões de alunos.

A startup Missão Universitário, também de São Paulo, corre numa raia distinta do Descomplica e da Geekie. A empresa não oferece nenhum conteúdo para melhorar o desempenho dos estudantes. Sua proposta é resolver um grande problema para quem faz o Enem em busca de uma vaga nas universidades públicas.

Depois de prestar o exame nacional, os alunos escolhem até dois cursos e duas universidades. Caso não sejam aceitos nas instituições indicadas, precisam esperar seis meses para se candidatar de novo. O objetivo da Missão Universitário é evitar essa espera. Seus clientes fazem um simulado do Enem e recebem uma avaliação com a probabilidade de ser aceitos nas universidades escolhidas. Dessa forma, conseguem mapear os lugares onde têm mais chance de êxito antes da inscrição.

Fenômeno mundial

Embora nem todos os empreendedores brasileiros da área da educação online reconheçam publicamente, a inspiração para seus negócios veio, em muitos casos, dos Estados Unidos. Foi lá que as primeiras empresas voltadas para testes online de admissão foram criadas, ainda no início dos anos 2000.

Logo no começo, houve um aumento exponencial do número de startups, uma fase parecida com o que acontece hoje por aqui. Num segundo momento, ocorreu um processo de consolidação. Hoje, Kaplan e The Princeton Review, duas grandes empresas tradicionais do mundo offline, lideram o setor.

“São as escolas americanas que compram essas soluções e oferecem a seus alunos”, diz Karan Goel, que criou em 2001 uma das primeiras plataformas de preparação para testes, o PrepMe, comprada em 2012 pelo grupo inglês Hobsons. No Brasil, os grandes grupos do setor, como Objetivo, Poliedro e Somos Educação, também desenvolvem soluções tecnológicas voltadas para o Enem.

“Todos estão interessados em ampliar a atuação nessa área para melhorar o desempenho de seus alunos no exame”, diz William Klein, presidente da consultoria de educação Hoper, com sede no Paraná. O segmento de preparação para testes vem se tornando popular em todos os grandes países emergentes.

Na Índia, onde o mercado de educação online deverá crescer mais de 50% neste ano, os investidores chegam até a se perguntar se não há excesso de oferta. “É possível que vários países estejam caminhando para uma saturação”, afirma o português Luis Pinto, sócio do fundo de investimento Learn Capital, que tem sede no Vale do Silício e é um dos maiores em educação no mundo.

Para especialistas em educação, como o sociólogo Simon Schwartzman, a tecnologia tem espaço para crescer e pode ser efetiva pontualmente, mas é ilusório achar que vá revolucionar a educação. “Sem mudar a qualidade dos professores, pouco iremos avançar”, diz. Para empreendedores como Fisbhen e Sassaki, a meta não é tão ambiciosa. Se suas empresas conseguirem dar um empurrão em candidatos do Enem, já terão passado no teste.

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