Revista Exame

Endividada, a CSN precisa vender ativos. Desapega, Benjamin!

Perigosamente endividada, a CSN precisa vender o que puder para gerar caixa. O problema é que o dono da siderúrgica detesta fazer isso

Benjamin Steinbruch: em busca de uma solução para manter o máximo de anéis possível (Lailson Santos)

Benjamin Steinbruch: em busca de uma solução para manter o máximo de anéis possível (Lailson Santos)

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Da Redação

Publicado em 27 de maio de 2015 às 05h56.

São Paulo - Já entrou para o folclore da siderúrgica CSN a dificuldade que o empresário Benjamin Steinbruch, dono da empresa, tem para vender qualquer coisa. Executivos do grupo divertem-se contando em reuniões como o bilionário se recusou, por anos e anos, a vender um Fusca velho.

“Vende, Benjamin”, diziam os amigos. E nada. O empresário resistiu tanto que o Fusca acabou enferrujando. Há quem diga que acabou num alto-forno da CSN.

Por trás da história folclórica está um traço psicológico marcante, daqueles atestados por qualquer executivo que tenha trabalhado com Steinbruch ou estado na ponta oposta de uma negociação com ele — o temor, às vezes paralisante, de comprar caro ou vender barato. Vale para carros velhos, vale para empresas inteiras. É uma característica que será colocada à prova, daqui em diante, como nunca foi na vida de Steinbruch.

Hoje, a CSN de Steinbruch tem uma dívida altíssima, de 32 bilhões de reais. E a tendência é que o problema cresça. A alta do dólar fez a parcela da dívida externa da CSN disparar, chegando a 49% do total. Para complicar, a empresa está gerando menos caixa, o que compromete sua capacidade de pagar a tal dívida.

A queda de 60% do preço do minério de ferro e de 15% do aço fez a empresa dar prejuízo de 112 milhões no ano passado. A relação entre a dívida e a geração de caixa da CSN subiu rapidamente, de 2,9 para 4,8 vezes. A conta não inclui os empréstimos de 3 bilhões de reais tomados pela ferrovia Transnordestina, uma das empresas do grupo CSN.

Se a dívida fosse considerada, a relação já estaria acima de cinco vezes. Analistas do banco americano Bank of America Merrill Lynch projetam que o endividamento ultrapassará sete vezes a geração de caixa no ano que vem. É um índice raramente visto entre as grandes empresas de capital aberto, considerado perigoso.

Suas concorrentes Usiminas e Gerdau, por exemplo, têm índices de 2 a 3. No fim de abril, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito da CSN. “Mesmo com um caixa de mais de 10 bilhões de reais, a dívida está alta demais e preocupa”, afirma o analista Artur Losnak, do banco Fator.

Poucos dias depois do rebaixamento pela Moody’s, a empresa anunciou sua intenção de trazer o endividamento para algo próximo a três vezes a geração de caixa. E admitiu a possibilidade de vender ativos para conseguir. Analistas calculam que, para voltar a um nível confortável de endividamento, a empresa teria de levantar de 3 bilhões a 4 bilhões de reais. O que ninguém sabe é: Steinbruch está mesmo convencido a vender para pagar os credores?

As primeiras reuniões de banqueiros de investimento — habitualmente contratados para vender negócios — com Steinbruch não deram em nada. “Ou ele acha que o negócio é estratégico e não pode ser vendido ou coloca preços fora da realidade”, reclama um dos banqueiros que conversaram com o empresário.

Steinbruch encarregou Paulo Caffarelli, ex-executivo do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda, que contratou em março como diretor executivo, de apagar o incêndio. Caffarelli conduz uma delicada operação que envolve a tentativa de alongar os prazos das dívidas com os principais credores e, ao mesmo tempo, avaliar propostas pelos ativos.

A interlocutores, Caffarelli garante que Steinbruch está disposto a vender, mas não quer perder o controle do processo. O executivo vai privilegiar os bancos credores da companhia, como BB, Bradesco, Itaú e Santander, e está excluindo do processo bancos de investimento que não têm crédito. Há quem desconfie que essa atitude seja apenas uma maneira de alardear a possível venda de ativos para acalmar o mercado, sem necessariamente fazê-lo.

Como é comum nas excruciantes negociações com Steinbruch, o diabo está nos detalhes. Hoje, a CSN é um conglomerado, com negócios que giram em torno da siderurgia. Possui uma fábrica de cimento que usa como matéria-prima a escória que resulta da fabricação de aço. Tem usinas hidrelétricas que garantem o fornecimento de energia. Minas de ferro que tornam a siderúrgica autossuficiente.

Outros ativos são a ferrovia MRS, a Transnordestina, um terminal de contêineres e a participação de 14% no capital da rival Usiminas, comprada ao longo de 2011.

O empresário já descartou vender participações em mineração ou no cimento porque considera que ambas são atividades das quais não pode abrir mão. As alternativas que estão na mesa de Caffarelli incluem a venda de uma participação de 15% na ferrovia MRS, correspondente ao excedente sobre o controle.

Em algum momento nos próximos dois anos, Steinbruch também terá de reduzir, atendendo a uma decisão do Cade, órgão de defesa da concorrência, sua participação na Usiminas. A CSN quer vender a participação para um dos dois grupos que se digladiam pelo controle da Usiminas, a argentina Ternium e a japonesa Nippon Steel, com um prêmio sobre o valor de mercado das ações, hoje de 1,4 bilhão de reais.

CSN e Ternium já iniciaram negociações diretas, que não prosperaram. “Ele insiste num preço altíssimo, muito acima do valor de mercado”, afirma um banqueiro que acompanhou as discussões. Também se admite a possibilidade de vender o terminal de contêineres de Itaguaí, no Rio de Janeiro, que valeria algo próximo de 1,3 bilhão de reais, e imóveis não utilizados pela empresa, que valeriam 1 bilhão.

Menos provável é a venda da participação em usinas hidrelétricas. De qualquer forma, ainda não há consultas a interessados. E sabe-se lá quando elas vão começar.

Investimentos em xeque

Gerar caixa com a venda de ativos seria importante não só para reduzir a dívida mas também para garantir investimentos que a CSN precisa fazer. A empresa acaba de fechar um acordo para a fusão entre as minas Namisa e a Casa de Pedra e deve fazer investimentos para aumentar a produção.

O programa inicial era investir 2,6 bilhões de reais por ano para atingir as projeções de produção de minério e cimento até 2020. A companhia também precisa concluir as obras da Transnordestina até 2017. Só duas novas fábricas de cimento, negócio considerado estratégico por Steinbruch, devem exigir investimentos de 2  bilhões de reais.

Se não falta pressão para que Steinbruch finalmente venda alguma coisa, ele não pode ser considerado a parte fraca na negociação com os bancos. Hoje, nenhum dos maiores credores quer ser muito rigoroso para forçar uma redução rápida do endividamento.

“Ninguém quer criar mais um problema além dos muitos que já temos nos balanços, como a Operação Lava-Jato, a crise na Petrobras e a desaceleração econômica”, diz o executivo de um dos grandes credores, que prefere não se identificar por se tratar de um assunto confidencial. Dificilmente haverá dinheiro novo para rolar a dívida, mas os bancos evitam criar dificuldades.

A empresa tem caixa para arcar com os vencimentos dos próximos dois anos, de cerca de 3,5 bilhões de reais — mas, com a torneira dos bancos fechada, a situação de caixa pode rapidamente passar do confortável para o apertado. Steinbruch deve aproveitar ao máximo essa folga, enquanto tenta melhorar a geração de caixa.

“Ele vai esticar a corda quanto puder”, afirma o diretor de outro banco credor. Steinbruch também está se beneficiando do fato de não ter contratos que estipulem limites à dívida.

Para ganhar tempo, ele vem cortando custos e adiando novos investimentos. Com renegociação de fretes e mudanças na logística interna, o custo de produção do minério de ferro da CSN caiu de 54 para 43 dólares nos últimos seis meses. E o investimento previsto para 2015 caiu 40%, de 2,2 bilhões de reais para 1,3 bilhão.

A empresa também reduziu o pagamento de dividendos, tradicionalmente gordos — nos últimos quatro anos, pagou 5 bilhões de reais. O mundo das commodities é, como se sabe, cíclico. Há três anos, a CSN era a siderúrgica com os melhores resultados, justamente por ser grande produtora de minério.

Com a virada nos preços, tudo mudou. É sempre possível que as coisas revertam em sentido favorável à CSN antes que a dívida suba demais. Se nada disso ocorrer, não vai ter jeito. Steinbruch vai ter mesmo de desapegar.

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