Revista Exame

Empresas felizes, consumidores não

Atender bem não basta. Uma pesquisa exclusiva mostra que mesmo as companhias que têm um bom relacionamento com os consumidores perdem clientes se param de melhorar

Carrefour, Ford, Magazine Luiza e Saraiva (a partir do alto à esq., em sentido horário): todas perderam posições no ranking EXAME/IBRC 
de atendimento (Montagem/EXAME.com)

Carrefour, Ford, Magazine Luiza e Saraiva (a partir do alto à esq., em sentido horário): todas perderam posições no ranking EXAME/IBRC de atendimento (Montagem/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2014 às 18h25.

São Paulo - Para a psicologia, quem não consegue reconhecer que tem um problema vive em estado de negação. Algumas empresas passam por isso — têm dívidas impagáveis mas se recusam a admitir, estão em mercados decadentes mas insistem no erro, e por aí vai. Pois o Brasil vive um caso raro de negação coletiva.

Uma pesquisa exclusiva do Instituto Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC) mostra que as maiores companhias brasileiras pararam no tempo na forma como atendem seus consumidores. A pesquisa é feita desde 2010, em parceria com EXAME, e analisa 100 empresas.

Na média, elas receberam a mesma nota obtida em 2011. Mas a avaliação que seus executivos fazem do atendimento que prestam tem melhorado, sensivelmente, a cada ano.

Para eles, sua empresa merece, na média, nota 9. Para os pesquisadores do IBRC, pouco mais de 7. Entre as empresas com a pior avaliação dos clientes, a diferença é ainda maior: elas também acham que merecem nota 9, mas os consumidores dão 6,5. 

Por que isso acontece? Em parte, esse descompasso se deve ao fato de os clientes terem ficado mais exigentes — e ganhado mais canais para divulgar seu descontentamento com as empresas quando algo dá errado.

Há dez anos, se a entrega da geladeira demorasse, a comida do restaurante chegasse fria ou a TV a cabo ficasse fora do ar, não restaria muita alternativa aos consumidores a não ser reclamar nos serviços de atendimento da própria empresa ou fazer uma queixa ao Procon. Os mais dispostos podiam ir à Justiça.

Hoje, com bem menos esforço, é possível colocar um vídeo na internet ou um comentário ácido nas redes sociais e ter uma repercussão muito maior — algo que as empresas querem evitar a todo custo. Nesse cenário, mesmo as companhias que têm um bom atendimento passam a ser criticadas se deixar de investir para melhorar. E as empresas que já não estão bem ficam ainda mais expostas.

“Estagnar, atualmente, significa piorar, e isso já começou a aparecer nos resultados da pesquisa”, diz Alexandre Diogo, presidente do IBRC. Pela primeira vez, o instituto mapeou as companhias que estão estagnadas em termos de atendimento ao cliente e os reflexos disso na avaliação deles.

Todas perderam posições no ranking EXAME/IBRC, uma extensa pesquisa feita em quatro etapas. Na primeira, o instituto entrevistou quase 5 000 pessoas em 26 estados e no Distrito Federal, as quais avaliaram o atendimento das empresas de que eram clientes.

Depois, enviou um questionário às companhias para entender o funcionamento das áreas de atendimento. Em seguida, destacou profissionais para atuar, anonimamente, como clientes das companhias e avaliar seus serviços. Por fim, fez uma rodada de conversas com os clientes das 100 empresas mais citadas. 

Reação das empresas

A montadora Fiat é uma das que caíram no ranking por ter estagnado (ainda que continue sendo vista como uma das dez melhores empresas do país). Para tentar melhorar a percepção dos consumidores, a empresa instalou um novo sistema de tecnologia que reúne mais informações sobre os clientes e tem o objetivo de tornar o atendimento mais rápido.

“Estávamos prestando o mesmo serviço, mas, nas pesquisas com clientes, vimos que a vontade de recomendar a marca estava diminuindo. Isso indicou que precisávamos melhorar”, diz André Pego, responsável pela área de atendimento da Fiat.

Sydney, na Austrália: os novos serviços de viagem da Amex ajudaram a melhorar a avaliação da empresa (Marco Simoni/Latinstock)

Outra empresa que resolveu agir foi a rede de varejo Magazine Luiza, que quase dobrou de tamanho desde 2010, depois de fazer aquisições — durante o processo de integração, o atendimento aos clientes perdeu espaço.

No fim de 2013, a empresa criou um comitê dedicado a melhorar a área, que reúne funcionários de diferentes departamentos e é liderado por Luiza Trajano, presidente da companhia.

Uma sugestão que saiu do comitê foi criar uma reserva financeira nas lojas para permitir que os gerentes façam pequenos consertos em produtos com defeito e que estejam fora da garantia — por exemplo, trocar um fio com mau contato.

Antes da mudança, as lojas já faziam isso, mas era preciso abrir um chamado na área técnica, o que demorava e irritava os consumidores.

No caso do site, se a entrega de alguma mercadoria atrasar, o atendente do call center pode solicitar que o gerente da loja mais próxima ao cliente faça a entrega. 

O Magazine Luiza e a rede de supermercados Carrefour foram as duas únicas companhias estagnadas do ranking do IBRC que continuaram sendo recomendadas pelos consumidores. As demais passaram a ser criticadas e a perder clientes. Dessas, nem todas acham que precisam — ou que podem — melhorar de forma significativa.

É o caso da fabricante de cosméticos O Boticário, que, apesar dos problemas, é a terceira melhor empresa do país. “Não vemos como um resul­tado estagnado, mas como um reflexo da tarefa difícil de nos superar para atender consumidores mais exigentes num mercado mais competitivo”, diz Andrea Mota, diretora executiva.

O banco Bradesco, a rede de supermercados Carrefour e a Livraria Saraiva fazem análises parecidas. O risco, segundo Alexandre Diogo, do IBRC, é o relacionamento com os consumidores continuar deteriorando, o que pode prejudicar os resultados no médio prazo. Um caso extremo aconteceu pouco antes do Natal de 2011 com a empresa de comércio eletrônico B2W.

Uma sucessão de problemas de logística atrasou a entrega de milhares de produtos no período mais sensível do ano — algumas encomendas feitas antes do Natal foram entregues no Carnaval. Em 2012, caiu para a 61a posição no ranking do IBRC.

Ao longo daquele ano, iniciou um plano de investimento de 1 bilhão de reais em infraestrutura e logística e, no ranking atual, aparece na 19a posição. 

Com consumidores mais impacientes, como as empresas que têm um bom atendimento conseguem continuar agradando? Em comum, as primeiras colocadas do ranking do IBRC têm o fato de fazer pesquisas constantes sobre os clientes, para saber de­talhes de seu perfil e nível de satisfação, e tentar criar serviços mais personalizados.

Esse é o caso da bandeira de cartões American Express, que subiu nove posições no ranking e, hoje, tem o melhor atendimento do país. Não houve nenhuma grande mudança na empresa de 2013 para cá, mas ela continuou investindo em tecnologia, treinamento de funcionários e pro­moções.

É possível comprar passagens aéreas com as milhas acumuladas nos cartões da Amex no próprio site da empresa, que assinou convênios com companhias aéreas. Além disso, o cliente pode solicitar um guia com sugestões de passeios e restaurantes e instalar um aplicativo que permite acompanhar os gastos no cartão ao longo de sua viagem. Parece pouco, mas faz diferença.

Confira o Ranking Exame / IBRC 2014 completo  agora.

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