Revista Exame

Empreendedor pode ser empregado?

Três casos recentes no Facebook — Oculus, WhatsApp e agora o Instagram — mostram como é difícil manter criadores de empresas como funcionários

Krieger e Systrom, ex-WhatsApp e ex-Facebook: um tempo para “ explorar a curiosidade outra vez” | Christie Hemm Klok/The New York Times/Fotoarena /

Krieger e Systrom, ex-WhatsApp e ex-Facebook: um tempo para “ explorar a curiosidade outra vez” | Christie Hemm Klok/The New York Times/Fotoarena /

DC

David Cohen

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h38.

Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 05h38.

Durou seis anos a experiência dos fundadores do Instagram, o americano Kevin Systrom e o brasileiro Michel (Mike) Krieger, como funcionários do Facebook. Os dois anunciaram sua saída no final de setembro. “Vamos dar um tempo para explorar nossa curiosidade e criatividade outra vez”, disseram pela rede social.

Não foi um caso isolado. Há um ano e meio, o cofundador da Oculus, fabricante de equipamentos para realidade virtual comprada pelo Facebook, deixou a empresa. E há seis meses foi a vez de os fundadores do WhatsApp, Jan Koum e Brian Acton, largarem o barco de Mark Zuckerberg, o comandante do Facebook.

Cada um desses casos é bastante diferente dos demais, mas todos exemplificam a dificuldade de manter empreendedores na qualidade de empregados — a despeito de um discurso que domina o mercado de trabalho há duas décadas.

Já na década de 90 se falava de um -termo que acoplava o espírito empreendedor à condição de funcionário: era o intraempreendedor, alguém que estava dentro da hierarquia, mas lidava bem com riscos, buscava autonomia e ambicionava deixar uma marca própria no mundo.

Com a onda das startups, na virada do milênio, tornou-se comum outro termo, o acqui-hire, a aquisição de uma empresa para contratar os talentos de seus fundadores — além, é claro, de incorporar um produto ou absorver um potencial concorrente. É nessa classificação que se encontram os três casos recentes do Facebook (Oculus, WhatsApp e Instagram).

Tanto a busca de empregados com mais iniciativa como a absorção de sócios pela compra de empresas existem há muito tempo, mas elas atendem hoje a uma necessidade diferente. Em ambientes de maior incerteza (pelo aumento da concorrência global ou por rupturas tecnológicas), as empresas não têm mais como garantir que seus processos vão durar muito tempo. Por isso, o perfil ideal de seus empregados não é mais de gente que realize bem aquilo que está predeterminado. É preciso agora ter profissionais que tragam opções novas, projetos novos.

Ainda é necessário ter empregados que se adaptem ao modo de operação da companhia, é claro. A eficiência depende disso. Mas as pessoas mais valorizadas são aquelas ligadas ao campo da inovação. O problema é que essas pessoas costumam ter como motivação quebrar estruturas, não se adequar a estruturas. Como fazer para absorvê-las?

As respostas vão desde oferecer dinheiro, muito dinheiro, até dar-lhes quase total autonomia. Em geral, uma combinação das duas coisas, até porque, quanto mais dinheiro se paga por uma empresa, menos seu fundador precisa continuar trabalhando.

O que os três casos recentes do Facebook mostram é que essa combinação será sempre instável. Quando uma equipe desenvolve um produto essencial para o futuro da empresa-mãe, como é o caso da Oculus, é só uma questão de tempo até que a direção queira ter um controle mais enérgico da operação.

Ou pode acontecer de duas culturas que pareciam tão próximas se revelarem, com o tempo, inconciliáveis. Quando venderam o WhatsApp, em 2014, por 19 bilhões de dólares, os dois fundadores, Brian Acton e Jan Koum, frisaram que o respeito à privacidade dos usuários era um de seus valores fundamentais. Koum, um ucraniano, escreveu em seu blog que ter crescido na União Soviética durante os anos 80, quando a vigilância do Estado sobre os cidadãos era um fato da vida, incutiu nele o senso de quão importante é poder se expressar livremente. A forma como o Facebook usa os dados dos clientes os deixou incomodados a ponto de sair.

Um terceiro desafio é encontrar o equilíbrio entre ter uma divisão independente e trabalhar para o todo. A compra do Instagram, em 2012, por cerca de 1 bilhão de dólares em dinheiro e ações, deu-lhe um grande impulso. Com a força de vendas e os recursos tecnológicos do Facebook, os menos de 50 milhões de usuários se tornaram mais de 1 bilhão.

Só que o crescimento do Facebook estancou, em parte pelos problemas de manipulação de notícias nas eleições e pela falta de segurança das informações de seus usuários, e a empresa espichou os olhos na direção do Instagram.

Quando Zuckerberg nomeou um de seus homens de confiança, Adam Mosseri, como vice-presidente de produtos do Instagram, o sinal foi claro. Haveria uma simbiose maior entre as duas redes. De fato, Mosseri acabou sendo escolhido como sucessor de Kevin Systrom no comando do Instagram.

Nada disso quer dizer que um empreendedor não possa ter sucesso dentro das estruturas de uma empresa. Pode. Em especial em divisões completamente separadas, em atividades complementares às da empresa-mãe. Manter um empreendedor é como conviver com um sócio, não como cativar um empregado. 

Acompanhe tudo sobre:EmpreendedoresFacebookgestao-de-negociosInstagram

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil